As margens de contribuição
Quando há uns tempos pedi para me contarem algumas coisas menos boas do mundo das agências imobiliárias nunca pensei que, infelizmente, teria em mãos um manancial tão extenso de temas para futuros artigos.
No meio das inúmeras queixas com que me deparei houve uma que me apanhou de surpresa, porque me mostrou que não há limites criativos à exploração humana no sector imobiliário. Falo de um fenómeno chamado margens de contribuição, um nome relativamente pomposo que esconde uma engenharia construtiva, que algumas empresas têm para explorarem ainda mais as pessoas que trabalham para eles. Explico.
Numa profissão onde o nosso ordenado são as comissões do que vendemos (ou do que as nossas equipas vendem) não deixa de ser surpreendente que, a cobro destas margens de contribuição, algumas empresas tenham encontrado uma solução engenhosa para alguns dos seus colaboradores – nomeadamente as chefias –levando-os a continuar a trabalhar para as agências onde se encontram sem um ordenado regular.
Quando o consultor assume funções de liderança de equipas ou de loja, há empresas que decidem começar a pagar um ordenado a quem aceita essa responsabilidade. Na maior parte dos casos, a esta componente fixa acrescenta-se também a variável, através do pagamento de comissões fixas por parte de vendas da equipa e/ou da empresa.
Este é um reconhecimento válido e legítimo das empresas, que oferecem alguma estabilidade orçamental a quem prescindiu de ter um ordenado incerto como consultor, para passar a ser coordenador de equipa, director comercial ou mesmo responsável de loja. Por norma, estas promoções ocorrem porque o consultor é experiente e passa a ter outras obrigações, como seja a de expandir o negócio ou formar novos consultores. E porque deixou de ser consultor, é-lhe pago um salário para compensar a perda de rendimentos que advém desta decisão. No fundo, o consultor abandona a componente variável para ter uma estabilidade fixa.
Se é, de facto, ordenado, nada a obstar. O problema é que, para estes cargos, algumas empresas implementaram a tal chamada margem de contribuição, que mais não é do que um pagamento que pode ter componentes diferenciadas e que se assume como um empréstimo, que terá que ser pago posteriormente pelo funcionário à empresa.
Segundo me foi explicado, o rácio destas margens de contribuição começa no 1:1, mas pode, facilmente, subir, para 2:1 ou 3:1, cabendo depois ao funcionário da empresa devolver o dinheiro adiantado em conformidade, quando existe uma venda de um imóvel da equipa e/ou da empresa. Confusos? Explico melhor.
Vamos supor que a empresa vos convida para Director Comercial e combina que o vosso ordenado é de 3.000 euros, pago em margem de contribuição. Se o rácio for de 1:1, quando existir uma venda, vocês terão que devolver o dinheiro adiantado pela empresa. Se esta venda ocorre ao fim de dois meses, por exemplo, terão que devolver 6.000 euros. Se o valor da parte da vossa comissão for inferior a este – vamos supor de apenas 4 mil – tal quererá dizer que pagam os 4 que devem e ficam a dever ainda 2. E no mês a seguir, acumulam a vossa dívida para 5 mil euros, porque, entretanto, a empresa já vos adiantou novamente três mil euros. Como diria o antigo primeiro-ministro António Guterres “é fazer as contas”.
E contas feitas, este é um acordo que, por norma, apenas beneficia a empresa e não dá nenhuma garantia ao trabalhador que o aceita. Infelizmente, pelo que percebi, há alguns casos de empresas assim e de consultores que, por força da necessidade ou outra qualquer razão, aceitam estas propostas.
Pode-se sempre argumentar que há um contrato entre as partes e que este é assinado livremente pela empresa e o trabalhador. Mas, mesmo sendo de comum acordo, este é, infelizmente mais um sinal de que o sector está a precisar, urgentemente, de uma reforma profunda.
Francisco Mota Ferreira
Consultor imobiliário