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NOTÍCIA
Opinião

Joana Guadalupe Fraguito, Consultora Remax Pro

Novos pobres

7 de abril de 2023

A habitação, enquanto ferramenta de estruturação das cidades, tem um carácter multissectorial (económico, social e político) que, quando desregulado, pode provocar assimetrias sociais e territoriais capazes de gerar conflitos.

A importância da habitação consagra-a como um direito fundamental dos cidadãos. As desigualdades no seu acesso levaram durante o último século à criação de mecanismos de apoio Estatal para acesso e financiamento da habitação, assumindo-se como uma ferramenta que garante a equidade entre os cidadãos.

No entanto, nem sempre as expectativas dos programas de habitação foram atingidas e as falhas sucessivas do ‘’sistema de funcionamento’’ boicotaram os bons resultados.

É através do reconhecimento dessas falhas e o equacionar de novos ‘’sistemas de funcionamento’’, muito mais adaptados à realidade atual, que se poderá combater as desigualdades económicas e sociais que surgem diretamente das políticas de habitação.

Pela importância que a habitação tem, para as cidades e seus habitantes, chegou o momento de, definitivamente, ser pensada como fator de coesão social e como um instrumento que permita reduzir assimetrias.

Um dos riscos das políticas de habitação avulsas e, diria, segregativas, é o de termos um mercado privado de habitação pouco equitativo, condicionando-se de forma quase irremediável o acesso ao território por parte de todos os cidadãos.

Exige-se, mais do que nunca, o fomento de iniciativas planeadas e não avulsas que tornem quer o mercado de habitação privado, quer o mercado de habitação público, acessíveis a todos os cidadãos.

Para que isso seja possível, é fundamental uma mudança na lógica das políticas de habitação.

A exigência deve passar por criar soluções baseadas em visões estratégicas e globais que permitam reduzir as desigualdades criadas por políticas de cidade inadequadas que sucessivamente se têm vindo a sobrepor aos interesses comuns dos cidadãos.

O problema da habitação perpetua-se há mais de um século sendo que hoje, a segregação residencial já não afeta, apenas, as classes sociais mais desfavorecidas.

Para que a cidade não continue a ser o resultado de um conjunto de políticas isoladas (convenientemente não planeadas) e para que a habitação possa ser um bem durável e sustentável, é fundamental pensar em novas formas de provisão e gestão da habitação, com maior distribuição de responsabilidades entre usufrutuários e provisores.

É fundamental encontrar mecanismos mais dinâmicos que permitam adequar as necessidades da população aos recursos disponíveis no mercado (que muitas vezes estão subaproveitados) na busca de soluções mais equilibradas e realistas.

Todos deveríamos saber que o mercado imobiliário é cíclico. Os desafios atuais não nos deviam surpreender dado que o “diagnóstico” já devia estar feito há décadas. O que se exige é saber se, a curto prazo e como consequência da falta de planeamento adequado e atempado, vamos ser capazes de dar resposta às necessidades dos “novos pobres”, sem capital mas altamente qualificados:

- Será que a habitação de cariz social, tal como ainda hoje se apresenta, será capaz de integrar esses ‘’novos pobres’’ muitos deles com níveis de instrução elevados e com modos de vida distintos dos verificados nos bairros de habitação municipal tradicionais?

- Qual o impacte que estes ‘’novos pobres’’ vão ter na atitude dos municípios e do Estado em matéria de habitação?

- Será que se vai optar por ‘’novos PER’’ com soluções rápidas e mágicas que tentarão resolver no imediato as carências habitacionais ‘’inesperadas’’?

- Qual vai ser a atitude das empresas municipais de habitação quando virem as listas de espera repletas de ‘’novas e instruídas’’ candidaturas? Estará a habitação ‘’dos pobres’’ preparada para esses ‘’novos pobres’’?

- Será que as diferenças de características socioeconómicas dos ‘’novos pobres’’ vão ser a justificação para um ‘’mercado social de habitação’’ integrado no mercado privado de habitação?

- Será que se vai assistir a uma nova forma de segregação na ‘’habitação social’’ com casas para os ‘’socioeconomicamente pobres’’ e outras para os ‘’economicamente pobres’’?

- Qual será a posição dos ‘’novos pobres’’?

- Serão capazes de enfrentar o pesado estigma que a habitação social ainda tende a representar?

- Será que vão exigir uma mudança de atitude de gestão e organização das suas novas casas?

- Qual será o papel da sociedade em geral nesta matéria?

- Ou será que vai definitivamente a atual crise da habitação ser a responsável por uma mudança nas mentalidades, nas formas de provisão e gestão da habitação de cariz social?

Esperemos que de forma clara o Programa Mais Habitação consiga resolver este problema.

Joana Guadalupe Fraguito

Consultora Remax Pro

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico