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Opinião

Francisco Mota Ferreira

Má sorte que ela fosse p*

25 de setembro de 2023

Apesar da minha autocensura, consegue-se perceber que roubei o título deste artigo ao clássico livro do dramaturgo inglês John Ford (1586-1640). E, perdoem-me as alminhas mais sensíveis, mas foi o que me lembrei quando, recentemente, vi uma reportagem na SIC Notícias, que dava conta que uma australiana se predispôs a dividir a cama com um estranho, mediante o pagamento mensal que equivale, após a conversão (da moeda e não dos seus intervenientes) a uns singelos 580€ mensais.

Naturalmente que o anúncio desta modalidade, que, aparentemente, já tem um nome – hot bedding – o que indicia que, para ser já atribuído um naming a isto, quererá talvez dizer que o caso relatado pela SIC Notícias não será, afinal, único. Evitando a tentação da piada fácil de fazer um jogo de palavras com o hot bedding e o conceito de passar uma noite com um desconhecido, como se de um irmão se tratasse, confesso-vos que, até para a minha aura de liberal, me faz alguma espécie que, por um lado, isto seja “notícia” e, por outro, que, sendo “notícia”, seja vendido como algo sério de alguém empreendedor.

(Também já sei que os meus haters, que também os tenho, irão certamente aproveitar para relembrar que o articulista deveria não dar palco a isto e escrever sobre outros temas. A eles digo apenas isto: lembram-se de João César Monteiro e as suas declarações na estreia do filme “Branca de Neve”? Pois…).

O caso que me fez escrever estas linhas resume-se em dois minutos: uma senhora, que ficou sem namorado na altura do COVID, decidiu partilhar a sua cama por razões económicas. E diz que este é um modelo de negócio óptimo, desde que as pessoas se consigam desligar emocionalmente. Pelo que se percebeu também, a senhora terá algum sucesso nesta sua vertente empreendedora, porque já conseguiu juntar dinheiro suficiente para abrir uma agência de modelos (Diversity Models) que, como o nome indica, aposta na diversidade.

Como se escreve na Bíblia, não serei eu a atirar a primeira pedra e tremo só de pensar que, aparentemente, a crise na Habitação na Austrália estará, afinal, muito pior do que em Portugal, quando se percebe que se chega ao ponto de alguém ter de partilhar uma cama para (sobre)viver.

Claro está que, em bom português, há algo neste negócio que cheira a esturro e não bate a bota com a perdigota. Porque se é tudo normal e decente e se a senhora até já conseguiu arranjar dinheiro para criar um outro negócio, então não teria já arranjado verbas suficientes para, pelo menos, ter duas camas de solteiro em vez de uma de casal no que será, supostamente, o único quarto da casa?

Não obstante, há, sinceramente, motivos para nos congratularmos, quanto mais não seja pela capacidade empreendedora de Monique Jerimiah (isto não se inventa…) em criar um negócio. Agora, pelo amor da Santa, não vendam isto como algo de inovador, empreendedor ou original, quando, bem vistas as coisas, esta jovem australiana de 36 anos apenas quis tornar mais fancy e aceitável o conceito da mais velha profissão do mundo.

Francisco Mota Ferreira

Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem aos livros “O Mundo Imobiliário” (2021) e “Sobreviver no Imobiliário” (2022) (Editora Caleidoscópio).