Imobiliário de Luxo ou pechisbeque?
Imóvel “de luxo”, numa localização ‘premium’, com acabamentos de altíssima qualidade, uma volupia para os sentidos... A adjectivação pulula pelos websites de promotores (geralmente mais comedidos) e mediadores imobiliários.
Mas, afinal, o que é o imobiliário de luxo? Do que estamos a falar? Não estarão os padrões generalizados do imobiliário de luxo em Portugal abaixo da bitola internacional?
Com a subida dos preços das casas, o termo ‘luxo’ banalizou-se e passou a ser habitual designar-se ‘imóvel de luxo’ só pelo facto de ser mais caro. Na hotelaria subsiste o critério da classificação do número de estrelas, mas mesmo esse têm vindo a ser alterado ao longo dos tempos. De todo o modo, continua a ser um padrão orientador razoável. E no imobiliário?
O luxo é caro, mas o caro não é sinónimo de luxo
O DI foi ouvir quatro interventores no mercado particularmente bem colocados para definirmos o conceito com o rigor possível. São eles Rafael Ascenso, DG da Porta da Frente Christie’s; Filipe Lourenço, CEO da Private Luxury Real Estate; Miguel Cabrita Matias, Board Member da Mexto Property Investment, e José Cardoso Botelho, CEO da Vanguard Properties. O primeiro há anos no mercado da mediação de imóveis de topo, bem como o segundo e Miguel Cabrita Matias e José Cardoso Botelho nas áreas da promoção.
“Ao contrário dos hotéis, que atribuem estrelas com critérios definidos, os imóveis residenciais dependem muito de cada mercado. É evidente que a localização é o primeiro elemento diferenciador para podermos classificar como ‘luxo’ ou não. É verdade que noutros países exista esse conceito, mas não tenho por certo que seja uma necessidade haver essa classificação nos imóveis residenciais” - diz-nos Rafael Ascenso.
Filipe Lourenço, CEO da Private Luxury Real Estate, é de opinião que "à semelhança da hotelaria, seria desejável uma padronização internacional de critérios, neste caso, para a classificação de imobiliário de luxo. Cenário altamente improvável. No mercado nacional, e não só, é preciso dizê-lo, banalizou-se a palavra ‘luxo’. Não existem certificações ou sequer critérios generalizados e comummente aceites pelas diferentes partes interessadas no mercado".
Já Miguel Cabrita Matias, da Mexto, não veria com maus olhos a possibilidade de haver um padrão comparativo, baseado nas estrelas ou ou em qualquer outro item, mas adianta “que quem compra luxo sabe exactamente o que quer e distingue perfeitamente o que é ou não”. “Contudo - prossegue -, hoje em dia há projectos que se querem catalogar como tal mas de facto não o são, havendo critérios eliminar-se-iam confusões no mercado”.
Por sua vez, o CEO da Vanguard Properties, é contrário a uma tal classificação, adiantando: “Deixemos o mercado funcionar. Rapidamente a inovação ultrapassaria os critérios definidos, tornando-se num problema. Deixemos, pois, o mercado regular a qualidade da oferta”.
A quantidade e diversidade de contactos que Rafael Ascenso tem mantido ao longo de muitos anos de profissão na mediação imobiliário levam-no a afirmar: “Existem muitas definições de luxo. Pode ser a simplicidade de uma casa na praia, um apartamento com uma vista deslumbrante, uma casa com 2000m2 de área coberta, um apartamento num condomínio que oferece uma variedade de serviços de qualidade. Mas aquilo que distingue os imóveis especiais, antes de mais é a sua localização, a qualidade dos espaços e ajustar-se às exigências de um cliente muito especial que não tem qualquer problema em pagar o preço por algo tão especial”. Contesta com prontidão a afirmação de que a classificação de luxo depende do valor do imóvel:
“Nem sempre. Temos vários exemplos de propriedades que custam um preço elevado e que não têm as características que as coloquem nesse patamar. Podemos ter um pequeno apartamento num condomínio de grande qualidade e frente de mar, mais barato que uma moradia regular no centro de Lisboa. O primeiro podemos considerar mais especial que o segundo”
A opinião do gestor da Mexto Property Investment vai no mesmo sentido: “A classificação de luxo não depende do valor do imóvel, pois há imóveis caros e que não o são, mas é um facto que os imóveis de verdadeiro luxo são caros e não poderia ser de outra forma porque se investe muito em todo o processo ‘end-to-end’, começando pela localização, passando pelos projectos e projectistas, pela construção, pelos acabamentos. São processos bastante exigentes se de facto queremos oferecer algo único”.
José Cardoso Botelho, da Vanguard, corrobora a opinião manifestada pelos outros intervenientes: “Não, de todo. Naturalmente que um edifício de luxo tem um preço elevado, mas há por esse mundo fora activos de preço elevado que não são luxuosos. Por vezes, “aproveitam-se” de mercados em grande expansão e por exemplo de vistas estrondosas para serem vendidos a elevado preço, mas que de luxo não têm nada…”.
De entre a multiplicidade de caraterísticas, de um imóvel de luxo, Filipe Lourenço destaca, "a localização privilegiada em zonas exclusivas, vista panorâmica sobre o mar, campo ou cidade, nobreza dos materiais de construção e acabamentos, tecnologia, sustentabilidade da construção e fruição do imóvel, exclusividade, sofisticação, arquitectura diferenciada e paisagismo cuidado".
O estado do imobiliário de luxo em Portugal
Quisemos saber junto dos nossos interlocutores “que tipo de imobiliário de luxo temos em Portugal”.
Para Rafael Ascenso, tem havido uma “procura crescente por casas e apartamentos especiais. E a oferta tem aumentado muito, mas não o suficiente. Acho que há mercado para fazer mais. Nas localizações privilegiadas, vemos hoje empreendimentos e casas de altíssima qualidade, cuja comercialização tem sido um sucesso. O difícil está em encontrar e desenvolver projectos nestas localizações premium”.
Na opinião de Miguel Cabrita Matias, da Mexto, “em Portugal existem alguns projectos que se podem catalogar de luxo, são aqueles que dentro dos padrões que se exigem são peças únicas e exclusivas, mas existem muitos que se pretende sejam assim catalogados, mas que não o são de facto, falta-lhes o toque do pormenor, da história, da arte...”
O CEO da Vanguard afirma sem rodeios: “Em Portugal, direi que a maioria das habitações de luxo foram mandadas construir pelos proprietários, nomeadamente no triângulo dourado no Algarve, e agora na Comporta e algumas zonas de Lisboa, Estoril, Cascais, Sintra, Douro e pouco mais. Existe potencial quer de localizações quer de mercado para aumentar essa oferta” - garante.
Também Filipe Lourenço, refere que do Algarve ao norte, passando pelo Alentejo, interior e litoral, "o país tem uma oferta que tende a ser equilibrada e de referência no que concerne a imobiliário de luxo".
Clientes: nacionais e um número crescente de nacionalidades
Quem compra o imobiliário de luxo português? - inquirimos. Todos relevam a importância do cliente internacional neste mercado mas sem menorizarem a procura nacional “Penso que, quanto maior qualidade tiver a nossa oferta de imóveis, maior será a apetência dos estrangeiros para investirem e mudarem para Portugal. Já tivémos casos de clientes estrangeiros que não encontraram o que procuravam aqui e foram para outros mercados” - argumenta Rafael Ascenso.
Miguel Cabrita Matias adianta que, “maioritariamente, são clientes internacionais que têm várias casas espalhadas pelo mundo, muito habituados a viajar e que também querem ter uma habitação em Portugal”.
O CEO da Vanguarda garante que “Portugal está a atrair cada vez mais clientes internacionais dos segmentos altos, nomeadamente pela qualidade de vida e segurança. Em termos de origens, temos cada vez mais norte americanos, brasileiros e compradores oriundos da América Latina, assim como pessoas que saem de Londres com o Brexit (de várias origens), bem como Europeus”.
"Nacionais (cada vez mais) e internacionais, de onde destacaria Estados Unidos da América, Brasil e países árabes. Relativamente ao seu perfil, são também muito diversificados. Desde famílias abastadas, a investidores, empresários, figuras públicas e ainda empresas que proporcionam elevados padrões de qualidade de vida aos seus colaboradores", salienta o CEO da Private Luxury Real Estate.
O futuro do imobiliário de luxo
Embora os grandes estrangulamento e preocupações no País estejam na carência de habitação para as classes médias e baixas, todos os nossos entrevistados estão de acordo que o mercado imobiliário de luxo tem muita margem de evolução.
“Como a procura é maior que a oferta - adianta o CEO da Porta da Frente Christie´s - acredito que qualquer investimento nesta área terá sempre compradores, sendo, portanto, um segmento com um forte potencial de crescimento. A qualidade de vida que o nosso País oferece, é um verdadeiro luxo. É por isso natural que famílias e investidores com grande capacidade financeira, procurem correspondência na oferta de habitação”.
Para Filipe Lourenço, "Portugal é um país de grande potencial, que está com uma expansão muito sólida e controlada, e um destino seguro para investimento e para se viver, oferecendo uma qualidade de vida muito acima de destinos que concorrem connosco directamente neste segmento de mercado".
Cabrita Matias garante que “Portugal entrou na rota dos compradores internacionais, mantém-se a procura e a oferta não é suficiente, Portugal oferece condições únicas para estes investidores poderem usufruir de um tempo magnífico, uma gastronomia excepcional, um povo aberto e simpático, kms de praia e todas as comodidades exigíveis a uma vida moderna e exigente”.
O CEO da Vanguard, por seu turno, fala de experiência feita em vários nichos do mercado de topo: “É um mercado com elevado potencial, mas excepcionalmente exigente. Para além de implicar a construção de uma marca forte, serviços de elevada qualidade e disponibilidade, é exigente na componente da concepção dado que o cliente de topo é, por natureza, conhecedor e está a par das melhores inovações”. Por outro lado, sublinha um dos constrangimentos: “É um desafio explicar a um financiador o valor de construção por m2 de um imóvel de luxo – toda e qualquer operação que “sai fora da norma” é visto pelos departamentos de risco como algo “exótico”, logo, de risco. É imperativo criar em Portugal uma cultura distinta. Na verdade, é nos segmentos premium e de luxo onde o risco é menor, pois estes clientes são menos dependentes de alterações nos ciclos económicos”.
“Para atrairmos mais luxo - defende - , temos de melhorar muitas coisas, desde logo a manutenção das cidades e da limpeza das vias. Infelizmente, na maioria das cidades estamos a piorar. Só quando os comerciantes perceberem que se oferecerem melhores produtos e serviços podem ser mais rentáveis e pagar melhores salários, iremos verdadeiramente avançar”.