Home staging
Costumo dizer que acabei por vir dar ao imobiliário quase por acaso, mas, se vasculhar bem nos recantos da minha memória, lembro-me que este sempre fez parte da minha vida. É das recordações mais fortes e perenes que tenho da minha infância e da minha adolescência: acompanhar a Senhora minha Mãe a visitas a casas, quer a título particular – quando, por exemplo, íamos lanchar a uma qualquer casa de família ou de amigos – ou mesmo numa vertente quase profissional, quando se tentava perceber o mercado e ver, até que ponto, é que compensava ou não investir na compra de um determinado imóvel em detrimento de outro(s).
Na parte mais lúdica, em ambas as circunstâncias acima descritas, era certo e sabido que me esperava uma franca e saudável discussão sobre o que ambos tínhamos gostado especificamente da casa, da decoração, da zona, etc., num leque de critério e de exigência que foi subindo à medida que a minha idade ia avançando. E, naturalmente também, na progressão exacta em que a Senhora minha Mãe começava a ter experiência (informal, é certo, porque a sua vida profissional era mais ligada ao ensino) sobre preços, valores, localizações, defeitos e mais-valias dos imóveis em questão. Não éramos turistas imobiliários - embora muitas vezes visitássemos outras casas apenas para termos ideias para as nossas – mas acabávamos por dedicar muito tempo a algo que seria um misto entre um hobby e um part-time.
Deste tempo ficou o gosto e a vontade, pelo que, quando a minha vida desaguou no imobiliário, embora fosse rookie a vários níveis, havia algumas certezas que me davam alguma margem de segurança. Principalmente nos primeiros tempos, em que todos nós estamos a apalpar terreno e a perceber se temos algum jeito e vocação para andarmos a angariar, mostrar e vender casinhas.
Olho para trás e recordo-me que ainda o mercado português não falava de home staging – um conceito que embora seja uma realidade nos EUA desde meados dos anos 70 do século passado, só nos últimos anos atravessou o Atlântico e tem dado por aqui passos consolidados em Portugal – e já eu pensava com a Senhora minha Mãe em formas de como podíamos melhorar o imóvel que estávamos a ver ou como podíamos adaptar o que víamos para as nossas casas de família.
Hoje, é por isso, com gosto, que vejo esta técnica de marketing imobiliária a ser usada em Portugal por vários consultores e agências que acreditam que o home staging encurta o caminho para uma venda de sucesso ao transformar o imóvel, tornando-o mais atractivo para futuros inquilinos ou compradores, através de uma decoração rápida, funcional e acessível.
Termino, com mais esta confidência. Para além do gosto em seguir o mercado, há algo que ainda hoje mantenho e que, se eu estivesse numa situação de puro investidor, poderia ser um problema: em qualquer imóvel que visito acho que vou um pouco mais além do que o mero conceito de home staging e, literalmente, imagino-me a viver e a fruir do espaço, da zona e dos arredores.
Pessoas que me honram com a sua amizade dizem-me que é esse um adicional que me faria, se assim o quisesse, ser um consultor de excepção na vertente do mercado residencial. Talvez até possa ser verdade, mas, com a minha sorte, acabaria por tentar vender quatro imóveis distintos ao mesmo cliente porque, para mim, todas as casas têm sempre qualquer coisa de bestial. Ingenuidade que ainda trago da minha de infância, certamente.
(Este é o primeiro artigo que assino em 2023. Aproveito, por isso, para desejar a todos os leitores do Diário Imobiliário um excelente ano, repleto de amplas realizações).
Francisco Mota Ferreira
Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem aos livros “O Mundo Imobiliário” (2021) e “Sobreviver no Imobiliário” (2022) (Editora Caleidoscópio)