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NOTÍCIA
Opinião

Francisco Mota Ferreira

Férias

21 de agosto de 2023

Não sei se acontece o mesmo convosco, mas, de cada vez que falo com profissionais do sector imobiliário sobre férias, estes, por norma, tendem a relativizar o tema e são raros os que assumem que tiram alguns dias para descansar da lufa-lufa da rotina do seu dia-a-dia como consultores. Alguns assumem, timidamente, que vão fazer pontes alargadas, apanhando os finais ou os inícios da semana, outros até admitem ir para fora, mas logo acrescentando que estão conectados por mail e telemóvel, não vá alguma oportunidade ser perdida porque não estavam presentes. E, poucos dos que conheço, assumem claramente que vão desligar e gozar o merecido descanso.

Nos dias que correm, em que se fala cada vez mais da necessidade de equilibrar a vida pessoal com a vida profissional, em que os gurus dos RH nos explicam conceitos como o direito a desligar ou a importância de aprender a descansar, confesso-vos que me causa alguma estranheza compreender porque é que muitos consultores têm algum pejo em assumir que vão de férias.

Recordo-me que, quando me dedicava ao mercado residencial, tinha sensivelmente o mesmo tipo de pensamento que partilho agora convosco. No meu caso, ia fazendo pontes alargadas e não desligava porque, para além de morar num sítio onde as pessoas vão, por norma, de férias, não queria deixar de acompanhar clientes e negócios que estavam na iminência de se realizar.

Confesso-vos, igualmente, que rapidamente mudei o chip em relação a tudo isto porque também depressa percebi que os negócios velozes até podiam existir, mas os supersónicos eram raros. Pelo que passei, aos poucos, a tirar uma semana, depois duas, sempre atento ao telemóvel e aos mails, até progressivamente, desligar-me dos temas e dos assuntos, colocando auto-reply no mail e respondendo às mensagens no telemóvel a informar que estava de férias e se o tema em concreto podia ser resolvido no meu regresso.

Naturalmente que não poderei falar pelos outros consultores e como se costuma dizer nestas coisas, cada caso será certamente um caso. Agora, pela minha experiência e pelos relatos que vou tendo, acho que a questão férias para o consultor imobiliário pode ser explicada em meia dúzia de linhas.

Os que as gozam sem complexos não estão preocupados com os eventuais negócios e/os clientes que podem perder. Ou porque sabem que poderão apanhar esta oportunidade no seu regresso (porque, por exemplo, é especificamente com eles que as pessoas querem trabalhar) ou porque se podem dar ao luxo de esperar pela próxima.

E depois há os outros. Os que vão de férias a fingir, não desligam, porque não querem perder nada. São os que interrompem o descanso para safar o cliente, o amigo, o colega ou o negócio, porque estão focados nos resultados. E os que não vão de férias de todo, mas também porque não se podem dar a esse luxo porque não fizeram, afinal, tantos negócios como tinham previsto e precisam de aproveitar a oportunidade em que o mercado estará mais relaxado para captar oportunidades que, se calhar, de outra forma, não o conseguiriam fazer.

A todos - os que trabalham, os que fingem que trabalham, os que descansam e os que fingem que descansam – desejo umas boas férias.

Francisco Mota Ferreira

Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem aos livros “O Mundo Imobiliário” (2021) e “Sobreviver no Imobiliário” (2022) (Editora Caleidoscópio)