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Opinião

Francisco Mota Ferreira

Fará sentido a divulgação pública do valor final dos imóveis vendidos?

31 de março de 2025

Confesso, desde já, que não tenho uma ideia final sobre a pergunta que dá o mote a este texto. Numa primeira análise, considero que o mercado e o público em geral saber que o imóvel X, que estava com o preço Y, foi afinal vendido ao preço Z, dá, logo à partida, um sinal de alguma transparência no sector e uma orientação geral para todos: proprietários, compradores, consultores e agências.

Mas a divulgação restrita do valor dos imóveis vendidos é também uma questão que assenta em vários fatores, como a proteção de informações pessoais, a preservação da competitividade do mercado e a gestão de dados sensíveis. Se formos ver como se faz lá fora, constatamos que muitos países optam por não tornar públicos todos os detalhes das transações imobiliárias por considerarem que certos elementos – como o preço de venda – podem impactar tanto a negociação entre compradores e vendedores como as estratégias de mercado. Além disso, há um argumento de que a divulgação total pode expor dados que, se mal utilizados, podem favorecer especulações ou mesmo práticas predatórias, prejudicando a estabilidade e a confiança no sector.

Apesar de tudo o que referi, sabemos que existem empresas que conseguem acesso privilegiado a esses dados através de acordos especiais com entidades públicas, que disponibilizam as informações para fins de análise e para aumentar a transparência do mercado imobiliário. Essas parcerias geralmente envolvem um investimento que garante o acesso a dados atualizados, permitindo uma avaliação mais precisa do valor dos imóveis e das tendências do mercado.

Acresce ainda que, para outras empresas e investidores, essa mesma base de dados muitas vezes não é disponibilizada de forma gratuita, exigindo o pagamento de taxas ou a contratação de serviços especializados. Essa disparidade no acesso pode ser vista como um desafio para a democratização das informações prestadas, pois limita a transparência, dando acesso a quem pode suportar os custos, enquanto outros ficam em desvantagem na hora de tomar decisões de compra ou investimento.

No contexto da compra de um imóvel, a existência e o acesso a um conjunto de dados que ajude a fundamentar a decisão - por exemplo, saber quais foram os valores de venda anteriores - assumem um papel central. Informações detalhadas e atualizadas permitem aos compradores avaliar se o preço pedido está de acordo com a realidade do mercado, identificar oportunidades de negociação e, sobretudo, evitar surpresas desagradáveis no futuro. A transparência desses dados contribui para um ambiente de maior confiança e traduz-se em melhores condições para os consumidores. Além disso, quando os dados são acessíveis a um público amplo, cria-se um cenário de justiça e igualdade de informações, onde todos têm a possibilidade de fazer escolhas baseadas em análises fundamentadas e não em meras especulações.

A centralização desses dados em mãos de poucas empresas – ou de quem está disposto a pagar para ter acesso a esta informação - pode favorecer práticas monopolistas ou mesmo a manipulação de informações, se não houver uma regulamentação clara e uma fiscalização rigorosa. A democratização e a transparência dos dados do mercado imobiliário não só fortalecem a confiança dos consumidores, mas também estimulam uma concorrência mais justa nos serviços prestados de consultoria imobiliária. Em última análise, a disponibilidade ampla e acessível desses dados pode impulsionar o desenvolvimento do sector, garantindo que as decisões de compra sejam feitas com base em informações sólidas e contribuindo para a estabilidade e a integridade do mercado.

A discussão sobre a divulgação dos valores dos imóveis vendidos ultrapassa a simples questão de acesso à informação. Se e quando esta decisão for tomada por quem de direito, esta deverá envolver também a definição de políticas públicas que equilibram a proteção de dados sensíveis e a necessidade de promover um mercado imobiliário transparente, justo e competitivo, beneficiando tanto consumidores quanto investidores.

(Eu sei, às vezes esqueço-me que estamos em Portugal…).

Francisco Mota Ferreira

francisco.mota.ferreira@gmail.com

Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022), “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) e “Conversas sobre o Imobiliário” (2024) | Editora Caleidoscópio.

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico