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NOTÍCIA
Opinião

Francisco Mota Ferreira

Esquemas imobiliários

20 de janeiro de 2025

O tema não é, infelizmente, novo e não é a primeira vez que escrevo sobre isto, mas continuam-me a fascinar os truques e subterfúgios que, infelizmente, muitos consultores usam para singrar neste negócio. Há um lado obscuro do mercado imobiliário que todos os que aqui andam sabem que existe, mas que poucos fazem para se acabar com ele, adiando ad eternum a possibilidade de este ser visto como um sector credível.

Como se de uma moeda se tratasse, o imobiliário é facilmente associado a algum glamour, oportunidades de crescimento e à realização de sonhos, mas, infelizmente, também a esquemas, aldrabices, truques e enganos.

E tudo começa quando, nas primeiras reuniões com os potenciais clientes, uma das estratégias mais usadas é a promessa de resultados impossíveis, nomeadamente adaptando o discurso aquilo que o cliente quer ouvir e não aquilo que é a realidade dos factos. Em termos práticos, se a nossa expertise (e avaliação fundamentada em factos) nos diz que um imóvel vale 350 mil euros, não podemos aceitar que o cliente, imbuído de algum achismo, tente impor 500 mil apenas porque sim. Infelizmente, como também sabemos, na ânsia de querermos angariar o cliente (e também fruto de uma lógica de “depois logo se vê”), muitos consultores acedem a este capricho do cliente, dinamitando a sua credibilidade e a do sector. Porque, afinal, se o preço é dado pelo cliente, o que é que o consultor está ali a fazer?

Como sabemos também, há felizmente quem tem a coragem de por os pontos nos i e afirmar a sua autoridade. Mas basta apenas que uma pequena minoria não o faça para que a imagem do Imobiliário fique afetada. E é tão fácil mandar a reputação do sector às urtigas: "Vendemos o seu imóvel numa semana" ou "avaliamos gratuitamente o seu imóvel " são promessas comuns (nem sempre verdadeiras) e que se destinam a angariar o cliente. E, muito embora, este discurso de algum facilitismo acabe por atrair proprietários, muitas vezes estas falsas promessas escondem intenções de manipulação, como angariar imóveis a qualquer preço ou obter contratos de exclusividade sem intenção de cumprir os prazos ou as expectativas criadas.

Por outro lado, como tão bem sabemos, há consultores que recorrem a técnicas de pressão psicológica sobre compradores, e que passam muitas vezes pelos argumentos exagerados - "Já temos outras propostas em cima da mesa" - ou até à criação de um sentido de urgência artificial – “Conseguimos assegurar este preço só até amanhã". Quando resultam (e são efetivamente verdade), estas práticas permitem gerar ganhos rápidos. Mas, quando tal não acontece – e na maioria dos casos, é assim que ocorre - estas falsas promessas comprometem a confiança do cliente e prejudicam a reputação de todo um sector.

E depois, há todas aquelas estratégias que levam o consultor a querer manter o cliente consigo, mesmo quando o serviço que lhe é prestado está aquém da promessa ou do compromisso assumido. Alguns consultores recorrem a omissões ou a distorção de informações para manter o controlo da negociação. Uma estratégia, errada, que pode, por exemplo, passar por esconder visitas de potenciais interessados para aumentar a pressão sobre o vendedor ou prolongar desnecessariamente o processo para garantir uma comissão maior.

Outra tática comum passa pela criação de uma relação de dependência entre o cliente e o consultor. Os que são mais experientes podem, por exemplo, ter a tentação de prometer resolver todos os problemas relacionados com o imóvel - e até aqui tudo bem, porque afinal também é para isso que são contratados. O problema acontece quando estes complicam deliberadamente o processo por forma a tornar o cliente refém desta ajuda imprescindível.

No contexto de partilhas de comissão entre consultores, também não faltam exemplos de desonestidade entre pares. Alguns escondem informações sobre o cliente ou o imóvel para garantir uma parte maior da comissão, enquanto outros tentam renegociar os termos da partilha no último momento. Há ainda aqueles que evitam partilhas sempre que possível, tentando fazer o pleno no negócio e, às vezes, com isso, descurando a vontade do cliente.

Para contrariar todos estes exemplos que acima referi, é, por isso, essencial implementar medidas que valorizem a transparência e a credibilidade. E todos sabemos como o fazer: tornar obrigatória a formação contínua para todos os consultores, com ênfase em ética e boas práticas; criar mecanismos mais eficazes de fiscalização e penalização para quem recorre a práticas desleais; investir em plataformas que promovam a partilha justa de informações entre consultores e clientes, reduzindo o espaço para manipulações; incentivar sistemas de partilha de comissão mais claros e padronizados, que favoreçam o trabalho em equipa.

Em Portugal, a regulamentação é menos exigente, o que cria brechas para práticas menos sérias. Para que a credibilidade e a honestidade se tornem a norma, é crucial um esforço conjunto de todos os intervenientes– consultores, empresas, associações e legislação. Infelizmente, ainda temos um longo caminho a percorrer.

(Está já disponível “Conversas sobre o Imobiliário”, o quarto livro que reúne os meus textos escritos sobe o sector entre 2022 e 2024. Quem o quiser adquirir ou promover a apresentação na sua agência esteja, por favor, à vontade para me contactar: francisco.mota.ferreira@gmail.com).

Francisco Mota Ferreira

francisco.mota.ferreira@gmail.com

Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022), “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) e “Conversas sobre o Imobiliário” (2024) | Editora Caleidoscópio.

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico