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Opinião

Francisco Mota Ferreira

Escreve-me uma carta

14 de agosto de 2023

Quem me acompanha por aqui sabe bem que eu sou dos primeiros a defender regras claras para o sector imobiliário. Para que a nublosa que está instalada há muitos anos e que interessa a muita gente se possa ir, na medida do possível, dissipando. E, já agora, para que o imobiliário seja algo que permita a quem dele vive andar na rua de cabeça erguida sem correr o risco de ser chamado de intrujão. Ou pior.

Vem este desabafo prévio a propósito do abaixo assinado que andou por aí há uns tempos a circular e que foi entregue, entretanto, ao Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC).

Segundo se leu recentemente nos media, mais de 1000 profissionais do sector assinaram uma carta na qual solicitam uma intervenção mais musculada do regulador. Em causa está o bloqueio que algumas marcas fazem às partilhas e às visitas aos imóveis. O que, no limite, compromete o compromisso firmado entre as empresas do sector e os clientes, nomeadamente na cláusula em que a mediadora assegura diligenciar no sentido de conseguir um cliente para o imóvel que lhe é entregue.

Correndo o risco de desiludir muitas pessoas com o que vou dizer nas próximas linhas, devo-vos dizer que este abaixo assinado não vai dar em nada. Por vários motivos.

O primeiro que me assalta logo à memória é a ingenuidade que pelo menos 1000 pessoas possam ter tido em achar que o IMPIC irá fazer o que quer que seja para mudar algum status quo no sector. Esqueçam lá isso.

Basta recordar que, nos últimos anos têm sido inúmeras as críticas a este organismo e, se maior prova houvesse que o IMPIC pouco mais serve do que atribuir e cobrar as licenças AMI que existem (com pouca ou nenhuma fiscalização, controle ou penalização digna desse nome), bastava olhar para a profusão de organismos e organizações que dizem defender diferentes stakeholders do Imobiliário. Muitos para mostrar um suposto penacho de algo que interessa tanto como ver um maneta a tentar bater palmas. Outras, poucas, com um legítimo interesse e vontade de tentar fazer algo, sem que esse algo se tenha traduzido em qualquer coisa de bom. Ou de mau. Ou mesmo de indiferente.

E depois há uma coisa que já chateia. A eterna lamúria calimera dos outros-que-são-maus-porque-não partilham-ou não-deixam-ver-o-imóvel-e-nós-é-que-somos-os-bons-porque-fingimos-que-somos-todos-amigos. Vamos lá ser concretos: Portugal está a anos-luz de uma regulação efectiva do mercado como, por exemplo, acontece nos EUA ou no Reino Unido, onde a compra e venda de um activo imobiliário tem de passar obrigatoriamente por um profissional do sector.

Para os mais distraídos, convirá lembrar que, em Portugal, a decisão de contratar um profissional imobiliário ou uma agência para procurar ou vender um imóvel é facultativa. Nada, na lei ou nos contratos firmados entre as partes, obriga a que a venda de um imóvel seja feita por um profissional do sector (e por isso há toda uma enorme profusão de pintas a operar em Portugal - mas isso, como sabemos, seria tema para outro texto).

Por outro lado, nada na lei diz que as marcas, agências ou profissionais têm de partilhar apenas porque sim. E eu até posso defender a partilha como modelo de negócio (e quem me acompanha por aqui há algum tempo sabe que assim é). Mas uma coisa é o que eu defendo. Outra é o que outros acreditam. Ainda outra é o que eu não posso impor. E a última é a que não sendo (ainda?) lei, não há grande coisa a fazer.

Claro que, em nome da suposta defesa do cliente, poder-se-á argumentar que os contratos deveriam ter uma cláusula obrigatória, onde estivesse especificado, em concreto, que o imóvel angariado poderá ser visitado e/ou partilhado por outros profissionais do sector – que acho que seria mais ou menos o que é pretendido pelos subscritores desta carta. E, até dou de barato que poderia ser algo que fizesse algum sentido para que o cliente não se sentisse enganado ou percebesse que está a contratar quem dá tudo por tudo por si. Agora, no momento atual, ter esta cláusula no contrato tem a mesma validade jurídica do que dizer que o imóvel só pode ser vendido por pessoas que se vistam de cor-de-rosa.  Ou seja, vale zero.

Francisco Mota Ferreira

Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem aos livros “O Mundo Imobiliário” (2021) e “Sobreviver no Imobiliário” (2022) (Editora Caleidoscópio)