Da democracia
Winston Churchill dizia que a democracia era o pior dos regimes à excepção de todos os outros. Com isto, o primeiro-ministro britânico não queria dizer que era um feroz adepto da ditadura ou um céptico em relação à democracia. Mas pretendia apenas reforçar que, no seu entendimento, ainda estava por inventar um sistema de governo de tal maneira perfeito que fosse isento de críticas e aceite por todos.
Lembrei-me de Churchill quando, em conversa recente com vários players do mercado sobre o imobiliário, demos por nós em agradavelmente discordar, mas, mesmo assim, conseguimos encontrar plataformas comuns de entendimento que nos fizeram concordar no essencial e discordar no acessório.
Uma das coisas que acabámos todos por concordar foi o erro, muitas vezes comum às marcas às agências (e até aos consultores) em tratar toda e qualquer pessoa que entra como sendo uma cópia dos que já lá estão ou, no limite, que se consegue formatar quem chega de forma a que todos acabem por ser clones uns dos outros, cinzentos e amorfos.
Eu percebo, naturalmente, que há mínimos olímpicos que deveriam ser cumpridos por todos e que, no limite, não se deveria entrar na lógica de que basta respirar para ser consultor imobiliário. O problema, como sabemos, é que continuamos a viver numa lógica de oito e de oitenta. Oito porque não fazemos triagem a quem chega e oitenta porque uma vez cá dentro, achamos que conseguimos formatar o novo profissional aquilo que nós (marca, agência ou consultor) achamos que aquela pessoa deve ser.
E não acautelamos algo que, no meu entender, deveria ser o alfa e o ômega de qualquer estratégia de crescimento de uma agência ou uma marca no imobiliário: o respeito pela individualidade de cada consultor e a possibilidade que deveria ser dada para que cada um pudesse encontrar o seu espaço e ser feliz na profissão que escolheu.
Dito isto, volto a reforçar a importância de serem pedidos os mínimos a quem cá chega, lembrando que há algumas regras, direitos e deveres que existem, foram testados por outros antes de nós e que se aplicam porque fazem parte do metier e da forma como se deve encarar a profissão.
Agora, acho que, cada vez mais, as marcas, as agências (e no limite os consultores) devem ter a elasticidade para perceber quem têm à sua frente. Não é (ou não deveria ser) uma lógica de one size fits all, mas perceber que nem todos têm a mesma capacidade para angariar, para fazer prospeção, para cativar clientes, para efectivar uma venda.
Eu sei e reconheço que há técnicas e que se treinam, ensinamentos que se passam e formações essenciais que devem ser ministradas para que, quem aqui chega, possa fazer boa figura. Mas acredito, cada vez mais, que o imobiliário deve ser um espaço de ampla liberdade, responsabilidade e democracia, onde cada um deve ter a oportunidade de testar vários modelos de negócio para perceber qual é o que lhe faz mais sentido.
E tudo pode começar na simples escolha do consultor poder decidir, por exemplo, se quer trabalhar mais a vertente do cliente vendedor (e, por exemplo, tornar-se uma barra nas angariações) ou mais no prisma do cliente comprador (e aí focar-se, por exemplo, mais no imobiliário enquanto investimento).
Enquanto não se der essa liberdade a quem cá chega, impondo uma democracia que só nos serve a nós, estamos a impedir que o imobiliário possa crescer e diversificar-se em todas as suas vertentes de negócio. E, no limite, a impedir que inúmeros consultores aproveitem em pleno um sector que, felizmente, tem muito para dar.
Francisco Mota Ferreira
Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem ao livro “O Mundo Imobiliário” (Editora Caleidoscópio).