
Nils Rode, Director de Investimentos (CIO) da Schroders Capital
Contexto favorável para o investimento em activos privados
Nils Rode, Diretor de Investimentos (CIO) da Schroders Capital.A normalização da angariação de capital e os ajustes nas avaliações estão a criar oportunidades de investimento promissoras. Em paralelo, a revolução da Inteligência Artificial (IA) e outras tendências de longo prazo tornam determinadas estratégias de mercado privado especialmente atraentes. Adicionalmente, a perspetiva do alívio da inflação e de cortes antecipados nas taxas de juro podem reforçar um contexto favorável a curto e médio prazo. No entanto, devido às tensões políticas em curso – dentro e entre países – e aos riscos de escalada destes conflitos, a diversificação dentro das alocações no mercado privado torna-se ainda mais decisiva.
À medida que entramos no terceiro trimestre de 2024, os mercados privados voltaram, em grande parte, aos níveis pré-pandemia em termos de angariação de fundos, atividade de investimento e avaliações, criando um ambiente favorável a novos investimentos. Algumas áreas corrigiram até além dos níveis de 2019. Em 2023, a captação de investimento concentrou-se em grandes fundos, tornando as estratégias de mercado privado de pequena e média dimensão particularmente atrativas. Isto tornou-se evidente em private equity, onde a angariação de capitais para grandes fundos de buyout atingiu níveis recorde, mas o restante mercado manteve-se saudável.
Historicamente, a captação de recursos tem sido um valioso indicador para investir em contracorrente com a tendência de mercado. Em muitas estratégias de mercado privado, os níveis de captação de capitais e de reservas não aplicadas influenciam diretamente as avaliações de entrada e impactam as expectativas de retorno face às que existiam inicialmente.
Consideramos particularmente atrativos os investimentos em mercados privados que estejam alinhados com a Revolução da IA e as tendências "3D Reset" - Descarbonização, Desglobalização, Demografia. A IA está a impulsionar a atividade de investimento em várias estratégias de mercado privado, nomeadamente em capital de risco e de crescimento para a inovação, bem como em centros de dados e energia renovável, respondendo de forma sustentada às crescentes necessidades energéticas.
O rendimento tornou-se particularmente apelativo na maioria dos mercados, com a dívida privada e o crédito a destacarem-se. Preferimos investimentos que beneficiam das ineficiências do mercado, focando-nos nos fundamentos e não nos ativos mais pressionados.
Embora haja a probabilidade de as taxas de juro permanecerem altas por mais tempo, antecipamos que o alívio da inflação e os potenciais cortes nas taxas de juro proporcionarão "ventos favoráveis" para os investimentos em mercados privados no curto e médio prazo. Isto aplica-se em particular ao imobiliário, onde ocorreram correções significativas de avaliação, e os nossos modelos internos de avaliação sugerem que 2024 e 2025 serão anos atrativos para novos investimentos.
Se é certo que a nossa perspetiva de investimento no mercado privado se mantém genericamente positiva, sem alternações substanciais face aos trimestres anteriores, acreditamos que, dados os riscos geopolíticos e as tensões políticas em vários países, bem como os riscos de escalada de conflitos em curso, é essencial manter uma elevada seletividade e uma robusta diversificação dentro das alocações no mercado privado. Assim, destacamos de seguida as oportunidades mais apelativas em cada classe de ativos privados.
Private Equity
O private equity normalizou-se amplamente, com a angariação de capitais e os volumes de transações a regressar aos níveis pré-Covid. No entanto, as maiores saídas continuam especialmente lentas em relação a 2019, enquanto as menores têm sido mais estáveis.
Defendemos uma abordagem altamente seletiva aos investimentos em private equity, focando-nos em oportunidades que beneficiem das tendências globais e que possam capturar um prémio de complexidade.
Preferimos buyouts de pequena e média dimensão, em vez dos maiores, devido ao contexto mais favorável em termos dos valores angariados e ainda não alocados (dry powder) e ao desconto de cerca de 6x EV/EBITDA (Valor da Empresa face ao seu EBITDA) nas avaliações. Além disso, há oportunidades de saída atraentes para pequenos buyouts, já que cerca de 60% do dry powder está atualmente em grandes fundos de buyout.
Os coinvestimentos são atraentes, já que os bancos se retraíram no mercado de empréstimos e os fundos de crédito têm sido mais cautelosos. A exigência de capital próprio nos negócios aumentou, resultando numa lacuna de capital que pode ser colmatada por parte de coinvestidores ativos.
As transações lideradas por gestores (GP) são apelativas devido à falta de rotas tradicionais de saída de private equity e à procura de distribuições. Consideramos atraentes ambos os investimentos liderados por gestores – os de ativo único e os de multiativo. Os ativos únicos podem proporcionar uma pista para os ativos-estrela, enquanto os multiativos fornecem uma solução eficiente para o final da vida do fundo.
Acreditamos que a inovação em IA, em tecnologia energética disruptiva e em biotecnologia será impulsionada por investimentos direcionados às fases iniciais - seed e early-stage. Os investimentos em early-stage beneficiam de um ambiente disciplinado de angariação de capital, levando a avaliações de entrada mais conservadoras. Por outro lado, os investimentos em late-stage ou crescimento enfrentam maiores riscos de refinanciamento e avaliação de risco devido à diminuição na angariação de capital e a uma janela de IPO ainda fechada.
Em termos de setores, os investimentos em IA generativa aumentaram em todos os ativos privados e as projeções apontam para que o financiamento de capital de risco neste setor possa atingir quase 15% do total do capital de risco em 2024, face aos apenas 2% em 2022.
Em termos de geografias, consideramos que a América do Norte, a Oeste da Europa, a China e a Índia estão atrativas. A China continua a ser o segundo maior mercados de private equity a nível global, com o mercado em Renminbi (RMB) a desempenhar um papel central na condução do crescimento. Na Índia, o mercado de private equity é promissor quer pelas perspetivas de crescimento económico robusto no longo prazo, quer pelo crescimento da própria indústria de private equity e ainda pelo amplo espectro de empresas privadas em rápido crescimento.
Dívida Privada e Créditos Alternativos
O rendimento permanece muito atrativo na maioria dos mercados. Apesar do pico atingido pelas taxas de juro nos mercados desenvolvidos, antecipamos que continuem a permanecer mais altas face aos níveis observados nas últimas duas décadas, o que sugere uma oportunidade de realocar para obter rendimento.
Os bancos nos EUA e na Europa continuam a reduzir os seus volumes de empréstimos devido à crescente pressão regulatória e às pressões nas suas carteiras comerciais de empréstimos imobiliários. O resultado é um prémio de risco significativo, além das taxas, para credores alternativos não bancários. Como os prémios de risco no mercado de dívida líquida colapsaram, a dívida privada e o crédito parecem muito atrativos.
Favorecemos investimentos que oferecem alto rendimento e beneficiam das ineficiências na provisão de capital, incluindo:
- Rendimento defensivo de dívida em infraestruturas com balanços estáveis e de baixa volatilidade.
- Rendimento oportunista em setores cujas pressões causam enviesamentos de sentimento, como a dívida imobiliária.
- Rendimento não correlacionado a setores, como os títulos vinculados a seguros.
- Rendimento diversificado que capitaliza com as mudanças na regulamentação bancária, como o financiamento garantido por ativos, ou setores com acesso limitado ao capital, como a microfinança.
O nosso foco está nos fundamentos e não nos ativos pressionados. Estamos atentos a áreas afetadas por enviesamentos emocionais, mas evitamos aquelas com questões fundamentais não resolvidas. Por exemplo, a dívida imobiliária comercial enfrenta pressões fundamentais no segmento dos escritórios e isto afetou injustamente o sentimento dos investidores em relação a setores saudáveis, como o dos apartamentos. Nos mercados locais de apartamentos que tiveram picos recentes de inventário iremos ver uma recuperação no valor de arrendamento, pois os custos mais elevados de financiamento vão levar à futura redução da oferta. Ao contrário do que acontece nos escritórios, os EUA ainda enfrentam escassez de habitação.
Hoje, a maioria dos mercados líquidos tem prémios de risco historicamente baixos. O valor permanece em créditos hipotecários securitizados (MBS) por agências, em MBS não sindicados/ dívida garantida por ativos (ABS) e em setores especializados, como os títulos securitizados.
Outra solução valiosa para as carteiras são as Insurance-linked securities (ILS, também conhecidas como obrigações catástrofe): fornecem uma diversificação valiosa devido à sua falta de correlação com as condições macroeconómicas e oferecem retornos atrativos devido aos maiores rendimentos impulsionados pelas limitações dos resseguros.
O crescente interesse em alocações de rendimento e a maturidade das alocações de dívida privada criaram maior necessidade de diversificação. O financiamento vinculado a ativos é uma área chave devido à sua diversidade e aos benefícios dos impactos regulatórios do Basel III nos EUA. As oportunidades dentro deste setor abrangem equipamentos, consumíveis e habitação, e podem ser acedidas diretamente, através de financiamento, ou através de mecanismos de transferência de risco.
À medida que os investidores enfrentam extensões no vencimento da duração tradicional da dívida privada, as estratégias que geram cash flow, particularmente com rendimento a curto prazo ou retorno de capital - como é a norma no financiamento indexado a ativos - têm maior procura.
Infraestruturas
O segmento da transição energética é particularmente atrativo no setor das infraestruturas devido à sua forte correlação com a inflação e às suas características enquanto ativo seguro. Tem um papel também importante como diversificador de carteiras através da exposição a prémios de risco distintos, como os preços da energia.
A pressão pela descarbonização, juntamente com as preocupações com a segurança energética, amplificadas pelo conflito na Ucrânia, continua a beneficiar a energia renovável. Em paralelo, o aumento do custo de vida também destacou a questão da acessibilidade energética.
Em muitas regiões do mundo, as renováveis já se tornaram na opção mais económica para a produção de eletricidade.
Atualmente, a energia renovável na Europa tem uma base de 600 mil milhões de euros, representando 45% das transações em infraestruturas. Prevê-se que, no início da década de 2030, este valor mais que duplique para 1,3 biliões de euros, tornando potencialmente as renováveis e as infraestruturas de transição energética no mais representativo dos ativos do setor.
As tecnologias relacionadas com a energia renovável, como o hidrogénio, as bombas de calor, as baterias e o carregamento de veículos elétricos desempenharão um papel crucial na facilitação da descarbonização de setores como os transportes, o aquecimento e a indústria pesada.
O mercado passou a ter mais oferta do que procura – transitando para um mercado de compradores -, o que recalibrou os retornos acionistas esperados devido ao aumento das taxas de juro e à redução do capital a aguardar para ser aplicado (dry poder), criando uma lacuna entre projetos renováveis e a limitação de capital para investimento. Isto torna o atual contexto atrativo para estratégias core/core+, com os retornos a subir mais de 200 pontos base nos últimos 18 meses.
Assim, favorecemos estratégias core/core+ que beneficiam de um forte desempenho dos ativos e reforçam a geração de capital através de gestão ativa. Seletivamente, há oportunidades de retorno mais elevado em projetos de infraestrutura como o hidrogénio, embora permaneçamos cautelosos quanto aos desenvolvimentos em estágio inicial devido à volatilidade do capex.
Observamos uma descolagem de retornos entre mercados cotados e não cotados, com os ativos cotados a negociar com desconto, o que levando a significativas transações de aquisição e saída de bolsa.
Os avanços em IA estão a aumentar a procura no setor das renováveis, levando a um aumento substancial do consumo de eletricidade nos centros de dados (por exemplo, prevê-se que o consumo de eletricidade na Irlanda aumente 32% nos próximos 10 anos, impulsionado pela expansão da capacidade dos centros de dados). Esta mudança na procura suporta a fixação de preços de eletricidade verde a longo prazo, sustentada pelas ambições de levar ao zero as emissões líquidas das empresas (net zero).
Em termos de geografias, a Europa e a América do Norte beneficiam destas dinâmicas, onde as preocupações com a segurança energética mitigam os impactos políticos de curto prazo.
Imobiliário
O mercado imobiliário tem passado por correções de valor em todo o mundo, embora com diferentes intensidades entre regiões, setores e tipo de infraestruturas de investimento. Isto significa que existe uma oportunidade sequencial em tempo real para aceder a esta classe de ativos de forma atraente. De facto, o nosso modelo de avaliação sugere que 2024 e 2025 serão anos oportunos para o investimento imobiliário, com alguns segmentos provavelmente já totalmente ajustados.
Os mercados dirigidos ao segmento ocupacional (com inquilinos profissionais e pagamento de rendas) mantêm-se robustos, com crescimento esperado na maioria dos setores imobiliários, particularmente os impulsionados por tendências estruturais favoráveis. O aumento dos custos de construção e de financiamento restringem a oferta e continuam a sustentar os níveis de rendimento das rendas. A falta de espaços de elevada qualidade que estejam em conformidade com os princípios ESG também ajudará também a estimular o crescimento das rendas após a recuperação económica.
O aperto nos mercados de dívida faz emergir oportunidades. Antecipam-se vagas de refinanciamento, inclusive por parte de plataformas que procuram soluções de capital para reforçar balanços, e isto vai acelerar estas oportunidades, assim como os ajustes de preço em 2024.
Apesar das condições geopolíticas mais voláteis, acreditamos que as oportunidades de investimento interessantes estão a começar a surgir em partes selecionadas dos mercados onde prevalecem fundamentos sólidos. Oportunidades imediatas estão presentes em mercados onde ocorreu uma rápida reapreciação, como no Reino Unido e nos países nórdicos.
Na Ásia-Pacífico, favorecemos oportunidades que estejam alinham com a recuperação chinesa (atrasada) ou que apoiam a relocalização e proximidade das cadeias de abastecimento. Os ativos industriais e logísticos ajustaram-se a e estão em segmentos de preço atrativos na maioria dos submercados. Preferimos propriedades ocupacionais - que estão em uso e geram receitas – que tenham um contexto favorável do lado da procura e um potencial de rendimento direta ou indiretamente ligado à inflação.
O atual ambiente reforça o nosso foco na excelência operacional para garantir um rendimento sustentável de longo prazo e um investimento com desempenho superior. Acreditamos que todo o imobiliário se tornou operacional, alinhando o resultado financeiro dos investimentos com o sucesso dos negócios dos inquilinos que arrendam esses ativos.
Nils Rode
Diretor de Investimentos (CIO) da Schroders Capital
*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico