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Opinião
Bruno de Carvalho Matos, Engenheiro Civil

Bruno de Carvalho Matos, Engenheiro Civil

Como gerir o risco na Construção?

15 de julho de 2025

A gestão do risco é importante para permitir a adaptação contínua aos contextos específicos de cada projeto e organização, favorecendo os aspetos sobre os quais temos controlo, em oposição aos que não controlamos. Pretende-se assim antecipar e mitigar riscos previsíveis (e.g. relacionados com problemas técnicos, atrasos e custos adicionais) e reduzir a exposição a fatores imprevisíveis (e.g. variações económicas e meteorológicas), concentrando recursos e medidas nos pontos críticos sobre os quais temos influência. Para este efeito, a ISO31000, ao definir princípios, estrutura e processo para a gestão do risco, é a normativa de referência ao nível global.

No setor da Construção, os principais fatores de risco relacionam-se, entre outros aspetos, com a adjudicação ao preço mais baixo, que reduz a rentabilidade e a margem para imprevistos; a insuficiência ou ambiguidade contratual, que propíciam leituras erróneas ou mal intencionadas; as alterações frequentes ao projeto, que impactam em custos e prazos; as dificuldades no planeamento da obra, que abrangem imprevistos geotécnicos como solos instáveis ou águas subterrâneas; a envolvente macroeconómica, que inclui flutuações cambiais e variações nos preços das matérias-primas; as mudanças regulatórias, que compreendem o licenciamento de projetos e autorizações ambientais; a diversidade de intervenientes, com diferentes níveis de formação e qualificação, dificultando a coordenação; e a falta de segurança em obra, frequentemente associada a acidentes por queda em altura, esmagamento ou soterramento.

Neste contexto, em termos gerais, uma adequada gestão do risco permite reduzir a incerteza, aumentando a previsibilidade de custos, prazos e qualidade; melhorar a confiança, reforçando a credibilidade junto de clientes e financiadores; e fomentar a inovação, através da identificação de oportunidades mais eficientes e produtivas.

A gestão do risco compreende as seguintes fases-chave: 1) identificação dos riscos, por exemplo através de entrevistas e workshops seguidos da categorização dos riscos por áreas funcionais ou disciplinas; 2) avaliação dos riscos, qualitativa (e.g. ponderação entre a probabilidade de ocorrência de um evento e o seu potencial impacto) e/ou quantitativa (e.g. simulações Monte Carlo para a análise de riscos geotécnicos); 3) tratamento dos riscos, seja eliminando a sua possibilidade de ocorrência (e.g. evitar determinados trabalhos alterando desenhos ou especificações técnicas), reduzindo a sua probabilidade ou impacto (e.g. mitigar o risco de acidente em zonas mais críticas da obra, reforçando as medidas de segurança), realocando o risco para terceiros (e.g. transferir a responsabilidade de erros e omissões de projeto para os empreiteiros), ou definindo planos de contingência (e.g. aceitar potenciais atrasos e variações de custos por meio de provisões financeiras); 4) monitorização e controlo, por exemplo através de reuniões regulares para rever os riscos e atualizar os respetivos registos.

Não obstante, os desafios à implementação da gestão do risco na Construção são vários, incluindo a falta de formação e competências específicas nesta área; a cultura de negacionismo e a resistência a práticas formais; a falta de normas e procedimentos padronizados nas organizações e entre projetos; a fragmentação dos contratos de construção, que dificulta a alocação de responsabilidades; a pressão para a redução de custos, reduzindo a margem para contingências; e a limitação de recursos humanos, tecnológicos e financeiros para o investimento em ferramentas e técnicas de gestão do risco.

As medidas para mitigar estes desafios podem ser repartidas ao nível do governo e das empresas.

Ao nível governamental, pode a contratação pública exigir a apresentação de planos de gestão do risco (incluindo matriz de riscos, registos atualizados e indicadores de monitorização) como condição de acesso a concursos para empreitadas de obras, assim como promover a adoção de modelos de contratação colaborativos (e.g. early contractor involvement ou parcerias público-privadas) enquanto mecanismos de transferência de riscos; podem ser financiados programas de investigação e de formação em matérias de gestão do risco; e podem ser desenvolvidos códigos e padrões nacionais de gestão do risco adaptados ao setor da Construção.

Ao nível das empresas, requer-se o compromisso da gestão de topo em implementar sistemas de gestão do risco, alocando os recursos necessários; o desenvolvimento de programas de formação contínua e a implementação de processos padronizados, revistos periodicamente, considerando o ciclo de vida dos projetos; a adoção de sistemas tecnológicos que centralizem dados, documentem riscos e façam reporting automático; a integração da cadeia de valor para identificar riscos o mais cedo possível e acordar responsabilidades contratuais; e a monitorização periódica do sucesso dos projetos, registando as lições aprendidas e encorajando a disseminação das boas práticas.

Destaca-se, por fim, a importância da gestão do risco na conversão da incerteza em oportunidades únicas para o crescimento das empresas de Construção, desde que implementada de forma adequada, seja através de tecnologias e métodos construtivos mais eficientes, condições contratuais mais vantajosas (e.g. prémios pelo cumprimento de objetivos de custo e prazo), sinergias operacionais (e.g. modelos contratuais colaborativos) e soluções mais sustentáveis e inovadoras (e.g. adoção de materiais ecoeficientes e sistemas inteligentes).

Bruno de Carvalho Matos

Engenheiro Civil

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico