Carne para la picadora
O título para esta crónica foi roubado a uma canção da banda de musica punk do País Basco La Polla Records, que foi o que me lembrei quando, por estes dias, li uma notícia de que a RE/MAX anunciou, com alguma pompa e circunstância, que este ano já contratou 2.111 consultores.
Eu juro-vos que não queria voltar ao tema do recrutamento e, muito menos, acabar por falar daquela que, apesar de todas as críticas, é a maior marca do imobiliário em Portugal. Mas tenho mesmo de retomar este tema.
Qualquer especialista de Recursos Humanos poderá dizer o óbvio: um processo de recrutamento termina com a contratação da pessoa que está a ser avaliada e com a apresentação das condições e especificidades da função para o qual este profissional foi contratado. Entre as condições encontra-se, naturalmente, a remuneração que lhe será devida pela prestação do serviço que é acordado entre as duas partes. E, logo aqui, neste pequeno ponto, está o erro de percepção de que a RE/MAX “contratou” 2.111 consultores.
Os mais fieis à marca e ao conceito da actividade imobiliária pura e dura que me desculpem, mas para existir uma contratação tem que existir um salário. Já sei que me vão dizer que o que se trata é de uma prestação de serviços em que uma parte (a marca) assegura formação, a possibilidade do consultor trabalhar sobre a égide da marca, um espaço físico onde o consultor pode organizar a sua agenda, apoio jurídico e de marketing e, a suposta cereja no topo do bolo, o pagamento de uma comissão pela venda de activos que o consultor consiga angariar. Este, por sua parte, aceita estas premissas e assina um contrato com a marca onde prescinde de vários direitos, entre os quais o pagamento de um salário.
Também sei (e tenho a noção) que os mais puristas (ou os que têm um espírito mais rebelde) preferem assim: ausência de salário, comissões eventualmente mais elevadas, liberdade de movimentos e de horários e a gestão do seu dia-a-dia da forma como melhor entendem. No fundo, serem empresários e/ou empreendedores que prestam contas a si mesmo e que dependem o mínimo possível de terceiros. Mas o que muitos não dizem e não reconhecem como o elefante na sala é isto: ao não pagar qualquer tipo de salário aos consultores que angaria, qualquer marca de imobiliário não faz nenhuma triagem de qualidade em relação às centenas de pessoas que desembocam aqui à procura do seu El Dorado. E quem por aqui anda sabe bem o quão recorrente é o tema da falta de profissionalismo de muitos supostos consultores imobiliários.
Voltando à notícia que me fez escrever estas linhas, esta não diz o que não pode ou não consegue ainda dizer: quantos destes 2.111 se irão aguentar até ao final do ano, quanto é que a RE/MAX irá lucrar com o seu trabalho (e com a saída dos que irão deixar imóveis angariados e o dinheiro pago à marca por formações diversas), quantos irão conseguir singrar na profissão (seja nesta ou noutra marca qualquer) e quantos irão mudar de vida porque, ao fim de seis ou nove meses sem vender o que quer que seja, fazem as malas e mudam de actividade?
Da mesma forma que anunciam supostas contratações de milhares de pessoas e facturações de vários milhões (onde o que é anunciado por norma é o valor bruto antes de impostos), seria interessante que as marcas começassem realmente a mostrar o que implica a decisão de ser consultor imobiliário, com números e dados fiáveis que pudessem ser consultados por todos. Para que, quem chega, tenha a noção que o Imobiliário não é fácil, mas é simples. Basta conhecer (e aceitar) todas as regras do jogo.
“Vida de superviviente, Y meterse algo decente, Vida de superviviente, La rueda sigue y se acabó la juventud (…)”.
Francisco Mota Ferreira
Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem aos livros “O Mundo Imobiliário” (2021) e “Sobreviver no Imobiliário” (2022) (Editora Caleidoscópio)