Arquitetos e engenheiros: Essa “birra” que há trinta anos parecia ser eterna…
Para pensar sobre essa relação particular entre Engenheiros e Arquitetos, volto mais de 30 anos atrás. Estava eu no 2º ano da Faculdade de Arquitetura, ainda nas Belas Artes, em pleno Chiado, e conheço o Professor que me faria apaixonar pela Arquitetura para a vida. Muitas vezes é assim, no nosso percurso académico existem pessoas, que pela sua inteligência e sensibilidade, conseguem chegar a lugares na nossa formação, que nos ficam gravados para sempre. Luís Costa, o seu nome, e embora tenha partido cedo de mais, a Arte de partilhar Arquitetura ainda hoje permanece e os seus ensinamentos e seriedade com que olhava e sentia a Arquitectura, ficaram comigo para sempre…
Depois deste sublinhado, e foi importante, porque sim, regresso a conversas que já na altura surgiam e me levavam a questionar o porquê dos Arquitetos e os Engenheiros andarem sempre numa provocação continuada, agindo como concorrentes, quando a mim parecia que teria de ser exatamente o contrário! Se ambos têm de trabalhar em equipa, para atingir o objetivo da sua arte, porque é que se aborreciam quando alguém, por engano, lhes trocava o título e chamava o Arquiteto por Engenheiro e vice-versa. A verdade é que isso acontecia com muita frequência e até as anedotas que se contavam no meio tinham sempre um arquiteto ou um engenheiro como protagonista ridículo, quer fosse um ou o outro a contar.
Por um lado, os Arquitetos eram tidos como os “Artistas“ e os Engenheiros como os “Matemáticos“. Uns estariam do lado do sonho e da estética e, os outros, do lado da razão e do pragmatismo. Uns imaginavam e os outros realizavam.
Claro está, que esta picardia fútil e sem base real de sustentação teria de cair por terra, até porque a nossa área de intervenção se viria cada vez mais a profissionalizar, tornando estas pequenas questões absolutamente arcaicas.
Talvez tenha sido na nossa geração de Projectistas, que terminaram o curso no final do século passado…Xiiiiiiii…que esta questão deixou de ser tema. É hoje muito claro para todos que o projeto que desenvolvemos é fundamentalmente um trabalho de equipa, e só com bons Arquitetos e bons Engenheiros se conseguem fazer bons projetos, que com a posterior participação de bons construtores resultarão em bons edifícios. Importa ainda sublinhar o papel fundamental dos promotores e de todos os técnicos e artífices envolvidos ao longo do processo e que são fundamentais para o resultado.
Foi por ter esta perceção que no nosso atelier sentimos que era imperativo, para melhorar o nosso ato de projeto, ter por perto a opinião e os conselhos de uma equipa de engenheiros que responde por diferentes especialidades. Hoje, começamos todos a trabalhar em fase de Estudo Prévio, quando, há alguns anos, os engenheiros só iniciavam o seu trabalho depois do Projeto base de Arquitetura ser aprovado pelos serviços de Licenciamento.
O trabalho da altura não era desenvolvido em conjunto, mas antes por adaptação. Primeiro o arquiteto fazia o projeto e o engenheiro teria então de se adaptar à arquitetura já desenvolvida, para depois o arquiteto tornar a adaptar-se, desta vez às alterações que o engenheiro introduzia na sua arquitetura para acomodar as especialidades. É fácil imaginar que desta forma o relacionamento entre ambos não fosse fácil.
Hoje a realidade é totalmente outra. No Fragmentos, trabalhamos desde o início, com os nossos engenheiros à mesa de projeto e é em conjunto, desde as primeiras ideias, que vamos definindo conceito e propósito. Em parceria. Desta forma todos saímos a ganhar, pois as alterações ao longo do processo são menores, as surpresas em obra são também muito mais controladas e o objeto final tem mais probabilidade de sair bem, se para tal houver arte e engenho. A relação entre Arquitetos e Engenheiros vai crescendo todos os dias e a sua cumplicidade e entreajuda resulta num projeto cada vez mais sólido e estruturado, desde o conceito até à execução.
Ainda há pouco tempo comentávamos no atelier, que era necessário, por vezes, o Engenheiro fazer o projeto, pensando pela cabeça do Arquiteto e o Arquiteto pela cabeça do Engenheiro. Obviamente não perdendo as suas singularidades e fazendo apenas a parte do todo que lhe compete. O que seria se alguém dissesse isto há 20 ou 30 anos atrás!!! Mas a verdade é que temos todos a ganhar com esta nova perceção, em assumir a complementaridade das diferentes disciplinas do conhecimento, relacionadas com os nossos projetos.
A própria legislação vai contribuindo nesse sentido, pois os cuidados a ter na acústica, térmica, qualidade do ar, e muitos outros aspetos relacionados com a sustentabilidade e qualidade na construção, também tornam imperioso o trabalho conjunto de arquitetos e engenheiros desde a primeira hora do projeto.
Um Bom Projeto, na nossa área de intervenção, só se cumpre, quando resulta numa boa construção, assim como uma peça de teatro só acontece pela primeira vez, na noite da sua estreia. Mas nos dois processos, existe todo um caminho a percorrer, e esse é bem mais simples se todos os participantes se respeitarem, e participarem em todas as fases com o objetivo último de conseguir uma boa peça construída!
Arquitecto Miguel Martins Santos
* Texto escrito com novo Acordo Ortográfico