Um novo mercado imobiliário nasce com a pandemia do Covid-19
Apesar de no 1º trimestre, o mercado nacional de investimento comercial imobiliário ter representado 1.5 mil milhões de euros, no mês de Abril, a retração no mercado nacional e internacional começou a sentir-se de forma mais notória.
De acordo com o estudo da Savills, por todo o continente europeu e de acordo com dados lançados pelo Real Capital Analytics (RCA), os números de Abril sofreram uma descida para cerca de metade em comparação com o período homólogo do ano de 2019. Na base deste resultado estão diversos fatores provocados pelas medidas de confinamento.
“Em Portugal, ainda que as opiniões se dividam, a maior parte dos planos de investimento foram colocados em espera. Contudo, a intenção de investimento mantém-se, assim como a análise de novas oportunidades decorrentes do impacto da Covid-19 no mercado imobiliário”, comenta Paulo Silva, Head of Country da Savills Portugal.
Num inquérito interno desenvolvido pela equipa de research internacional da Savills e aplicado a 33 mercados* de investimento globais, pretendeu-se medir o sentimento dos mercados imobiliários. À data de 3 de junho, foi apurado que os alívios das medidas de restrição começaram já a exercer um impacto, ainda que ligeiro, na procura ocupacional. 30% dos mercados em análise, registarem subidas neste indicador.
Segundo Paulo Silva, Head of Country da Savills Portugal, “ainda estamos em fase de desconfinamento, sem efeitos expressivos no aumento da procura, mas que ao nível do segmento de escritórios começa a dar os primeiros sinais de ligeira retoma da actividade. A segunda metade do ano deverá verificar uma ligeira retoma mas não ao ritmo observado em anos anteriores que fizeram ultrapassar a fasquia do volume de absorção acima dos 200.000 m2. Quanto à procura direcionada para o segmento de retalho e, observando os resultados obtidos para Itália, Espanha, França, Reino Unido, e Portugal, estes mercados verificaram uma queda moderada ou acentuada (no caso do Reino Unido), confirmando que este segmento é dos mais expostos à crise causada pela Covid-19”.
“Numa perspectiva de investimento, a força da localização e a solidez dos market fundamentals vão estar na base de selecção dos próximos hotspots de investimento. Até ao final do ano é expectável que o abrandamento no fecho de transacções se mantenha.Os elevados níveis de liquidez, um sistema bancário mais capitalizado e preparado com um pipeline mais contido deverão contribuir para uma recuperação mais célere do sentimento positivo dos investidores, colocando equity players e investidores privados em vantagem competitiva. As operações de sale & leaseback em sectores como o turismo e retalho, poderão ser a solução estratégica de refinanciamento de actividade”.
Por um lado, a pandemia veio expor as fragilidades de alguns segmentos imobiliários mas, por outro, expôs as forças de outros segmentos, como é o caso do sector industrial & logístico. O segmento Multifamily verificou um aumento do interesse da procura em Espanha, França e no Reino Unido. Em Portugal, não se registam ainda alterações na procura deste segmento, o que se justifica pelo facto de ainda se tratar de um segmento em estado embrionário e ainda em fase de estudo por parte de alguns investidores.
No que diz respeito aos valores de renda praticados, estes permanecem inalterados para o segmento de escritórios e em queda moderada ou acentuada no segmento de retalho (à excepção de Portugal, onde a falta de operações não permite ainda uma medição clara do comportamento das rendas neste período). De forma transversal e sem excepção em Itália, Espanha, França, Reino Unido e Portugal verifica-se à data de 3 de Junho uma menor disponibilidade ao crédito bancário imobiliário. No entanto, o acesso mais restrito ao crédito deverá atingir apenas as transações de menor porte, não causando obstáculos aos players que disponham de um nível elevado de liquidez. Os principais indicadores do mercado de investimento imobiliário permanecem com a elevada capacidade de liquidez no topo.
Retalho
Dos sectores mais afectados pelas medidas impostas pelo estado de emergência, é expectável que os retalhistas de comércio local sofram no volume de vendas, deixando mais expostos as dificuldades económicas. No entanto, é prematuro avançar com uma estimativa, dado que o sistema de apoio de lay-off ainda está a decorrer, tendo sido prolongado até ao final do mês de Julho.
A estratégia omnicanal apresenta-se agora como um desafio transversal a uma massa maior de operadores, em resposta aos constrangimentos provocados pela pandemia da Covid-19. O universo de retalho mistura-se agora de forma mais acentuada com o universo de logística e com o e-commerce. Se o digital era tido por muitos como um canal de vendas adicional, atualmente passou a ter um lugar de maior destaque e a exercer um peso maior no volume de faturação dos operadores. Em geral, as compras online no comércio alimentar e retalho aumentaram face ao período da pré-pandemia, mas não nos podemos esquecer que o online não tem ainda uma representação muito significativa na maior parte da atividade retalhista em Portugal. Não se conseguiu compensar a perda de volume nas vendas físicas.
Hotéis
A par do segmento de retalho, temos o sector do turismo como um dos mais afectados pela Covid-19.
Em Portugal, os números avançados revelam que as empresas ligadas ao sector do turismo deverão registar uma descida de 50% no seu volume de facturação comparativamente ao ano 2019. Neste momento, o mercado interno será essencial para assegurar a actividade até ao final do ano de 2020.
Um questionário promovido pelo INE durante o mês de abril e a primeira semana de Maio, registou que 78,9% dos estabelecimentos de alojamento turístico assinalaram que a Covid-19 foi responsável pelo cancelamento de reservas agendadas para os meses de Março a Agosto de 2020. O Alojamento Local é um dos segmentos turísticos mais afectados, onde as quebras previstas podem atingir os 90%. No mês de Abril, os estabelecimentos de alojamento local verificaram uma taxa média de ocupação de 18% e 17%, respectivamente.
Escritórios
O sector de escritórios continua a ocupar um lugar de liderança na preferência dos investidores.
O mês de Maio foi o período que melhor reflectiu o impacto da Covid-19 no mercado ocupacional de escritórios, tendo sido registado um volume de absorção total de 5.271 m2, confirmando uma descida face ao mês de Maio de 2019 na ordem dos 70% e uma contração de 82%, comparativamente ao mês de Abril de 2020. A segunda metade do ano deverá registar uma maior atividade comparativamente à fase de confinamento, mas a permanência do clima de incerteza deverá prolongar-se até ao final de 2020. Ao longo dos primeiros cinco meses do ano, o mercado tem vindo a registar flutuações na sua actividade ocupacional, justificada pela conclusão de processos de operações de grande dimensão.
Apesar da situação de pandemia ter conduzido ao cancelamento de decisões de relocalização ou abertura de novas instalações, a elevada escassez de espaços de qualidade disponíveis nos principais eixos da cidade de Lisboa aliada a uma procura que começa a dar os primeiros sinais de retoma, deixam antever uma segunda metade do ano mais dinâmica.
Indústria e Logística
A pandemia de Covid-19 revelou ser a grande oportunidade dinamizadora para o sector industrial & logístico. É imperativo que a capacidade de resposta aumente, com a oferta de instalações de qualidade que estejam 100% preparadas para acomodar novos processos automotivos e que, ao mesmo tempo, tenham dimensão suficiente para permitirem o retorno do investimento realizado na introdução de novas tecnologias. Por outro lado, é expectável que as primeiras evidências da tendência de nearshoring surjam, uma vez que o cenário da pandemia trouxe um impulso adicional ao movimento de reaproximação das unidades produtivas aos mercados de consumo a que se destinam.
Independentemente da resiliência demonstrada por este sector, os níveis de procura não sofreram alterações significativas, com alguns operadores a adoptarem também a estratégia de esperar para ver, sendo expectável um ligeiro abrandamento do volume de absorção comparativamente ao ano 2019. Do lado da oferta, vamos assistir a um aumento de diversificação de produto e disponibilização de instalações com qualidade mais direcionadas para operadores 3 PL´s e end-users (e-commerce), ao mesmo tempo que se verifica uma maior aposta em soluções last-mile.
Até à data, nestes primeiros seis meses do ano, os valores de renda prime permaneceram inalterados, ainda que o mercado registe alguma flexibilidade na fase negocial por parte dos proprietários. Até ao final do ano, os valores de prime yields poderão sofrer uma ligeira compressão, resultado de um aumento da procura por produtos em localizações estratégicas para a etapa last-mile, que permitam uma optimização dos custos e dos tempos de entrega.
Residencial
O período Covid-19 irá marcar o mercado residencial e a forma como tradicionalmente o vemos. Em Portugal, os efeitos da Covid-19 poderão gerar novos hábitos de compra, novas necessidades de vivência dos espaços habitacionais e estilos de vida que vêm romper com uma visão mais tradicional deste mercado.
A geração millennials e as futuras gerações que irão entrar no mercado de trabalho nos próximos anos defendem igualmente valores diferentes das gerações anteriores, que se irá reflectir no surgimento de novos modelos habitacionais. Gerações que valorizam firmemente o fator mobilidade, obrigando mais do que nunca o setor residencial a reinventar-se e a acompanhar esta tendência. O aumento de lares monoparentais, o aumento dos preços de venda e o grau de incerteza em relação ao futuro tem também conduzido a uma maior procura pelo mercado de arrendamento que não encontra paralelo no mercado de oferta. Por força do encerramento de uma elevada percentagem de alojamentos locais, o mercado de oferta habitacional poderá assistir nos próximos meses a um aumento da oferta disponível, em especial nos centros urbanos. No mercado de venda, os preços começam a observar uma trajectória de desaceleração. Dados de maio relativos ao Índice do Volume de Vendas de Habitação, verificaram uma descida de 14% comparativamente ao período homólogo. Apesar da redução de atividade gerada pelas restrições de visitas presenciais aos imóveis, não está prevista uma queda expressiva e continuada nos valores de mercado praticados, com base na resiliência deste segmento que deverá recuperar totalmente após o fim da crise pandémica.