A tempestade perfeita
A expressão que dá o título a esta crónica tem sido usada adnauseam por todos os motivos e mais alguns para definir a circunstância de um evento, por norma desfavorável, que é drasticamente agravado quando surge uma rara combinação de circunstâncias, transformando este evento num desastre.
E, confesso-vos que, apesar de tudo o que temos lido e visto sobre o drama da Habitação em Portugal, chego, por vezes a pensar que, quem tem a responsabilidade de conduzir os destinos aqui da nossa chafarica, deve achar que, se adoptar uma estratégia de avestruz ou se se limitar a assobiar para o lado, a coisa vai passar por milagre. A propósito de milagre, eu também sei que somos um País de Fé e que, para quem acredita, bafejados pelo Altíssimo. Mas convém, se calhar, lembrar os mais distraídos que as aparições de Nossa Senhora em Fátima ocorreram há mais de um século e, mesmo assim, não conseguiram alterar grande coisa no rumo de Portugal e no triste fado que nos acompanha desde os tempos imemoriais.
O tema da Habitação tem sido recorrente nos últimos tempos em Portugal. E, do Governo ao cidadão mais comum, não há ninguém que não saiba o que se passa e não tenha uma solução, uma crítica ou um reparo a fazer sobre o que poderia ou deveria ser feito. E os sinais de que este é um problema sério que se agrava de dia para dia estão todos aí para quem os quiser ver.
Um dos últimos diz respeito aos preços absurdos que estão a ser praticados em Lisboa, tornando neste momento a capital Portuguesa numa das cidades onde as rendas mais sobem e onde, também a avaliação do m2 para compra está a níveis elevadíssimos. Os especialistas apontam, à cabeça, três grandes motivos para os valores estratosféricos que se praticam em Lisboa, quer na compra quer no arrendamento de imóveis: a falta de oferta de imóveis, para venda ou arrendamento, em qualquer uma das tipologias, a pressão dos estrangeiros que, com maior poder de compra, têm feito subir os preços, e a desconfiança do mercado e dos vários stakeholders devido aos avanços e recuos e as medidas preconizadas pelo malfadado programa Mais Habitação.
Um estudo recente da consultora Savills, não deixa grandes margens para dúvidas: Lisboa cresceu 13,9% nos preços das rendas prime, a maior subida quando comparada com qualquer cidade europeia, permitindo-se que, neste momento, o intervalo das rendas praticadas em Lisboa vá dos 1850€ por um estúdio até os 10.000€ por um apartamento localizado num edifício histórico. E o suposto limite de 2% no aumento futuro das rendas, algo que está previsto no pacote Mais Habitação, apenas fez acelerar o óbvio: quem pôde aumentar antes disto estar implementado fê-lo e quem desistiu de arrendar e tomou a decisão de vender o activo também. E, a propósito de venda, sabemos que estamos no irreal quando percebemos, de repente que a rua mais cara do País é a rua Garrett em Lisboa, onde, segundo o Idealista, em média, uma habitação de luxo pode custar 4,4M€.
Ou seja, todas estas decisões, erradas, resultaram num segundo óbvio: os activos que foram para venda num mercado onde a oferta já de si está escassa foram rapidamente absorvidos pela intensa procura de casas na capital. E, reduzindo-se a oferta no arrendamento, porque passaram a existir ainda menos opções, esta carência, naturalmente, traduzir-se num aumento dos preços e no exponencial de procura.
Tudo isto vai contribuir para uma tempestade perfeita. O medo e o pânico do que pode ainda advir faz vários stakeholders tomarem decisões precipitadas e, na maior parte das vezes, muito pouco avisadas. No dia em que, literalmente, milhares de pessoas estiverem na rua (e não estou a falar de protestos) pode ser que quem decide possa finalmente acordar. Mas, nesse dia, como sabemos, já será tarde demais.
Francisco Mota Ferreira
Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem aos livros “O Mundo Imobiliário” (2021) e “Sobreviver no Imobiliário” (2022) (Editora Caleidoscópio)