Arrendar para subarrendar
Ponto prévio: admito que posso estar erradíssimo na análise que vou fazer, mas sou só eu que acho que este programa Arrendar para Subarrendar tem todos os ingredientes para correr mal?
Comecemos pela forma como este programa conseguiu escapar ao chumbo do PR ao ser apresentado fora do pacote Mais Habitação e ser aprovado como um decreto-lei. E, como tal, fora da alçada do crivo fiscalizador do Parlamento e do Presidente da República, que teceu igualmente críticas ferozes ao decreto do Governo.
Continuemos com a ideia peregrina de achar que o Estado, através da Estamo e do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), vai passar a ter uma vocação de especialista do sector Imobiliário quando todos sabemos que, quer ao nível da Administração Central e Local, são incontáveis os imóveis que se encontram degradados e ao abandono porque o Estado, infelizmente, não cuida e muitas vezes não tem sequer a real noção do património que possui.
(Segundo os últimos dados, nesta bolsa do programa Arrendar para Subarrendar haverão pouco mais de 300 imóveis, com cerca de um terço conseguidos através de privados e os restantes do Estado e da Santa Casa da Misericórdia).
Prossigamos ainda com o reconhecimento tácito de que o Governo entendeu que nestas coisas é, supostamente, melhor entregar a quem sabe e, por isso, pediu à Remax, ERA e Century 21 para serem parceiras neste programa (e a tantas outras que poderão no futuro juntar-se desde que cumpram requisitos pré-definidos). Às mediadoras caberá encontrar activos (casas) a particulares, que possam ser arrendadas ao Estado que, por sua vez, as subarrenda a terceiros supostamente pré-identificados ou que podem concorrer a estes imóveis.
Ao que parece, fica apenas assegurado como comissão o pagamento do valor de duas rendas mensais e as mediadoras prescindem do valor da comissão de angariação para o fazer. O que, tendo em conta a sanha que o sector tem em relação a este pagamento, indicia que isto terá tudo para correr mal.
Por outro lado, nada obriga a que os imóveis que possam ser angariados tenham de passar necessariamente pelas mediadoras, podendo os proprietários negociar directamente com o Estado através da Estamo. O que, convenhamos, não deixa de ser uma enorme ironia pensar como é que as três principais empresas do sector aceitaram estas regras quando, na sua essência, defendem que os negócios imobiliários devem ter a intervenção de profissionais do sector. Ou seja, mais um prego na credibilidade deste sector já de si alvo de tantas críticas e reparos.
Depois analisemos igualmente o facto de o Estado ser, ao mesmo tempo, inquilino e senhorio. Inquilino perante o imóvel que arrenda ao privado e senhorio perante o inquilino a quem vai subarrendar. Para além de isto fazer lembrar a rábula da “Olívia Patroa e Olívia Empregada”, é dos livros saber-se que não se pode servir bem a dois senhores. Ou seja, ou a coisa não irá correr bem a alguém. E a parte fraca destes acordos e sub-acordos não está do lado do Estado certamente.
É verdade que, em teoria, os proprietários que tenham imóveis que possam ser usados para este programa poderão usufruir até 30% mais do valor da renda que teriam se arrendassem fora deste âmbito, uma vez que o Estado aparece como intermediário do negócio a fazer, cobrindo o adicional que pode ser cobrado. No fundo, o mesmo que pode acontecer a qualquer proprietário que decida arrendar o seu imóvel a 30 cidadãos do Bangladesh ao invés de um simpático casal em busca de uma habitação para morar.
Não quero ser velho do Restelo e o meu desejo, sincero, é de que estas e outras medidas que venham a ser adoptadas possam resultar e, na sua essência, seja resolvido o grave problema de Habitação que temos em Portugal. Infelizmente, todas as notícias que acabam por sair sobre este tema e as medidas que este Governo apresenta têm todas uma coisa em comum: uma enorme desconfiança dos vários stakeholders. E sem confiança não vamos lá, por muito virtuosas que até possam ser as medidas que se querem ver implementadas.
Francisco Mota Ferreira
Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem aos livros “O Mundo Imobiliário” (2021) e “Sobreviver no Imobiliário” (2022) (Editora Caleidoscópio)