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Francisco Mota Ferreira

A palavra dos leitores – parte I

8 de julho de 2024

Uma das coisas que mais aprecio é o feedback que, de forma recorrente, tenho por parte dos meus leitores. E, muito embora isto seja uma escrita de nicho, para um público muito específico – felizmente, nos últimos anos, conseguimos perceber que os vários temas ligados ao Imobiliário passaram a ser objeto de análise, de comentário e até de conversa coloquial do mais comum dos mortais (algo a que o fenómeno da crise na Habitação não será, certamente, alheio) – confesso-vos que é com agrado que vejo que o que escrevo é lido, apreciado e comentado, mesmo que seja na reserva da mensagem ou do mail enviado, ou mesmo nos convites que me endereçam para falar, informalmente, sobre este tema.

É, por isso, da mais elementar justiça que o artigo desta semana seja dedicado a vós, e aos problemas que vos afligem. A reserva da identidade de quem me escreve está, naturalmente, assegurada e, nas próximas linhas, a palavra é vossa. Por uma questão prática, optei por não fazer citação direta para que as pessoas não sejam reconhecidas por um estilo de escrita mais particular. O artigo de hoje é dedicado à análise do caminho e das opções que foram feitas para chegarmos até aqui.

Um desabafo recorrente prende-se com a inércia que se vive no sector. No meio de tantas entidades, organismos e organizações, feiras e desfiles de vaidades (o SIL é, para muitos um verdadeiro nado morto) pasma-se como é que não há mudanças efetivas no Imobiliário há anos. E, se é verdade que os últimos dois Governos têm tido alguma vontade em mudar algo, com o anterior Governo a aprovar o Mais Habitação e a tentar de acabar com os AL e os vistos Gold e o atual a reverter algumas destas medidas mais polémicas, o facto é que não há, uma mudança legislativa consistente sobre a atividade imobiliária há duas décadas - Decreto-lei 211, de 20 de agosto de 2004 que regula o exercício das atividades de mediação imobiliária e de angariação imobiliária.

Desde então, a atividade imobiliária, digamos assim, diversificou-se. As empresas deixaram apenas de se dedicar em exclusivo às atividades de mediação imobiliária e passaram a ser um catch all do que mais lhes aprouvesse: mediação, seguros, créditos, promoção imobiliária… o céu foi (e ainda é o limite). A partir deste ponto, diz quem sabe, começou a queda de credibilidade acentuada no setor, algo que, como sabemos, vem dos livros: se tentamos ser especialistas de tudo, acabamos por ser peritos em nada.

Este movimento de alargamento coincide também com o aligeirar das condições: os exames para a obtenção de uma licença AMI (nova ou renovada), que eram obrigatórios e tinham de se realizar periodicamente, passam a não existir. E, em paralelo, multiplicam-se o número de licenças: para consultores individuais, para empresas e para outras entidades conexas que passam a ter a possibilidade de exercer a profissão, em acumulação com outras.

Passada a crise do subprime, o sector explode e abrem-se agências em cada esquina, algumas da mesma franchisada, rebentando com a regra de que deveria de haver alguma distância física entre agências da mesma marca para não se canibalizarem mutuamente.

Com a multiplicidade de marcas e de agências e com o sector a bombar, o recrutamento passou a ser livre e selvagem. Valia de tudo para captar novos talentos, velhas glórias ou apenas aquele curioso que entrava na loja e que, de repente, sem que percebesse muito bem, já estava como consultor imobiliário, a ser-lhe prometidos mundos e fundos e uma formação (de tanga) adequada. O critério baixou de tal forma que passou a ser uma piada entre o sector dizer-se “respirou, entrou”, com a quantidade a substituir a qualidade.

A pandemia veio piorar ainda os critérios de um negócio que é de pessoas para pessoas. Sem pessoas, o negócio teve de se reinventar e poder-se-ia esperar que a coisa tivesse melhorado com as lições aprendidas. Dizem-me, no geral, que não é o caso. Tudo mudou para tudo ficar na mesma, com o Imobiliário a ser feito por todos, ao mesmo tempo: amadores, profissionais, em full-time ou em part-time, deslumbrados pelo dinheiro fácil e os estrangeiros que descobriram as maravilhas deste pequeno retângulo.

Por uma questão de auto limitação de carateres (e para também não vos massacrar com tudo de uma vez) continuarei a dar-vos a palavra na próxima semana. Até lá, boas leituras e bons negócios.

Francisco Mota Ferreira

francisco.mota.ferreira@gmail.com

Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022) e “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) (Editora Caleidoscópio).

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico