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Opinião

Francisco Mota Ferreira

Vejam de onde vem o vosso negócio

7 de novembro de 2022

Um dos temas que tem feito correr rios de tinta entre o sector prende-se com a necessidade de haver um portal imobiliário dedicado, onde todos os consultores e marcas pudessem anunciar os seus activos, ficando assim libertos das amarras dos Idealistas desta vida.

Indo para lá da espuma mediática, penso que é importante serem feitas algumas perguntas. Não porque entendo que poderei, eu próprio, encontrar respostas, mas porque, pelo menos terei relançado este tema e feito o sector repensar supostas verdades absolutas.

Para isso teremos que falar de conceitos que qualquer pessoa que esteja mais ligada ao marketing perceberá no imediato e que eu tentarei, ao longo destas linhas, simplificar o mais possível para que possa ser compreendido por todos.

É comummente aceite que o marketing e publicidade dos dias de hoje estão a anos luz do que era praticado há 2, 10 ou mesmo 20 anos. Se o COVID e o confinamento vieram alterar algumas regras, práticas e rotinas, porque raio é que continua a obrigar-se o desgraçado do consultor a ir bater a todas as portas, a investir em flyers que são rasgados e considerados lixo pelos moradores, na ténue esperança que, dos 300 contactos feitos, possa sair um leade/ou uma angariação?

Acresce ainda que o digital veio aprofundar e baralhar ainda mais as contas a muitos. Antigamente, bastava perceber um pouco do Facebook e do Linkedin para conseguir ter alguma notoriedade. Hoje, com a profusão de públicos-alvo e de redes sociais, ninguém tem a capacidade, disponibilidade e tempo para ser um pró em simultâneo no Instagram, Tik Tok, Facebook, Twitter, e Linkedin. Até porque se hoje é assim, amanhã pode ser diferente. E, portanto, como é que se potenciam eventuais leadse negócios que possam surgir pelas redes sociais?

Algumas marcas tentaram (e ainda tentam) lutar contra tudo isso. Criando guerras com os Idealistas, Imovirtuais e outros, defendendo uma lógica corporativa de um portal único ou enterrando dinheiro em sites próprios, sem que tal se traduza no sucesso garantido que era desejado e que se consiga o que se pretende: chegar a todos os públicos que, em determinado momento, possam estar interessados em vender, comprar ou arrendar um imóvel.

Por outro lado, quantos acabam por dar tiros no pé nos investimentos em marketing que fazem porque, embora sendo na sua essência autónomos, estão ligados a uma marca forte de franchising, que lhes leva os leads que foram mal direcionados por uma errada estratégia digital?

Acompanhem-me neste raciocínio: um director de agência de uma marca forte tem várias despesas fixas para pagar porque tem a agência aberta – arrendamento do espaço, água, luz, licença AMI, advogados, CRM, marketing, etc. – tem de assegurar um esquema de comissionamento atrativo para cativar consultores para trabalhar na sua agência e não na da mesma marca (ou marca semelhante) que abriu na rua de baixo. E tem, naturalmente, de pagar o fee de franchise ao master da marca que representa. Que, em troca, o deixa usar a marca a troco desse fee e, nalguns casos, lhe garante a divulgação dos seus imóveis no portal da marca.

No meio de tudo isto, ainda tem de ter uma estratégia permanente de captação de novos consultores, volume de faturação, angariação e de receita (o tal EBITDA, que já vos falei num artigo passado), que lhe permita chegar ao final do mês ou do ano e perceber que, apesar de tudo isto, vale a pena continuar a manter a casa aberta e a aposta nesta marca.

Uma estratégia que permite a este director perceber se está a ir no caminho certo passa pelo uso adequado e eficaz do marketing digital e das suas ferramentas. Compreender, quanto analisa o ROI (Return on Investment, retono sobre o investimento), se o que investe na divulgação da sua agência situada na Avenida da República em Lisboa não acaba por beneficiar as agências próximas do Saldanha, da Casal Ribeiro ou da João Crisóstomo, da mesma marca ou da marca rival, porque a aposta no algoritmo não foi a mais adequada ou porque a escolha das adwords no Google ou o SEO (Search Engine Optimization, Otimização de Sites para motores de pesquisa) não foram os mais indicados.

A grande ironia é a de que o ponto de viragem pode justamente passar por aí. Quando o sector perceber que, por norma, os leads que as agências recebem podem ser potenciados através de um eficaz uso das ferramentas mais recentes do marketing digital e que, afinal, o que se paga a um franchisepode não compensar, em termos líquidos, o que este diz oferecer (nomeadamente a divulgação dos imóveis e potenciais leads).

Aliás, diz quem sabe, que também por isso, um futuro portal único é uma ficção. Porque para funcionar (e suplantar a eficácia agregadora de um qualquer Idealista) teria que existir um investimento muito avultado das marcas. O que, como sabemos, não vai acontecer porque, na sua essência, o sector não pensa a longo prazo e porque também é do seu interesse este impasse.

Porque, no dia em que finalmente se perceber que o site da marca master conta muito pouco para as percentagens de leads, porque o grosso destes advém dos sites generalistas e de uma eficaz estratégia de marketing digital, corremos o risco de acabar a ideia dos sites próprios e, em paralelo, passarem a existir uma profusão de marcas próprias e uma diminuição de marcas franchisadas. À semelhança do que, aliás, já acontece em vários países, onde o Imobiliário é um sector vital para a economia.

Francisco Mota Ferreira

Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem ao livro “O Mundo Imobiliário” (Editora Caleidoscópio).