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Opinião

Francisco Mota Ferreira

Será que temos de voltar ao escritório?

15 de abril de 2024

O Covid e o confinamento trouxeram novas formas de trabalho e um maior equilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional. Sendo do agrado de muitos, o facto é que a modalidade em teletrabalho, nos moldes em que se esta se encontra, pode ser um handicap muito grande para as empresas do sector imobiliário. Surpreendidos? Explico.

Já nem vou ao estafado argumento do Imobiliário ser um sector que é de pessoas para pessoas e, como tal, precisa do contacto físico e do face to face para singrar. Começo a montante, quando aquela pessoa decide experimentar ser consultor imobiliário e entra pela porta da agência a anunciar essa decisão.

Aqui chegados, vamos supor que o rookie está cheio de vontade de aprender os segredos da profissão e quer, rapidamente, começar a ganhar dinheiro. Uma das coisas expectáveis é que o rapaz (ou a rapariga) tenha formação. Eu sei que depois até podemos voltar a falar, noutra altura, da triste formação que é ministrada à malta, mas, for the sake of argument, vamos lá até acreditar que esta é bestial, útil e aquelas centenas de euros e/ou horas que nos tiram até são bem empregues porque os formadores (helás) até são bestiais. E aqui reside o problema, não é?

Porque a formação, para ser, genuinamente, eficaz (lembrem-se que estamos a lidar com pessoas que percebem ad initium tanto de imobiliário como, vamos supor, de crochet) o ideal é que esta ocorra em formato presencial.

E o que temos, hoje em dia nas agências e nas lojas desde o Covid? Lojas e agências praticamente vazias porque a malta está em casa para lidar com as burocracias (e passear o cão), está na rua para tratar das angariações e só vai à agência quando o rei faz anos ou, no limite, quando a isso é obrigada.

Ora, tendo em consideração que, não havendo ordenado fixo a pagar, não se consegue impor ou obrigar o que seja, tornando-se difícil que a fornada de consultores que chega acabe por aceitar ir para a agência quando, no seu entender, e em face do que passou no Covid, pode fazê-lo online e no conforto do lar.

O problema, como sabemos, é que, no início, temos mesmo de ter algum desconforto e aceitar que as coisas são mesmo assim. Porque, se não fazemos qualquer triagem na entrada de quem quer experimentar o imobiliário, não nos podemos dar ao luxo de que, quem vem, possa estar a usar o nosso nome para nos denegrir. Porque a formação foi miserável, porque não percebem nada disto ou porque não estão sequer com o coração e empenhados o suficiente para darem o melhor de si para que a coisa corra bem, para que eles tenham sucesso e que a agência e marca que representam sejam dignificadas.

Eu diria que tudo se resume à falta de coragem. Volto ao início do texto: hoje em dia, o Covid veio modificar o paradigma da forma como encaramos o trabalho e o seu equilíbrio com a nossa vertente mais pessoal. Tudo certo. O problema é que, no caso concreto do imobiliário, sem formação, o consultor que vai para a rua irá, provavelmente, fazer mais estragos do que trazer benefícios. Não apenas a si, mas à marca que representa e ao sector enquanto tal.

Então como resolvermos esta pescadinha de rabo na boca? Com muita determinação e sacrifício de todos. As agências deverão estipular como regra que, no início – vamos supor nos primeiros seis meses – o trabalho deve ser presencial, para incluir formação on the job, experiência prática e acompanhamento dos profissionais mais experientes e dos diretores comerciais. Isso implicará que, no início, broker, diretor comercial, team leaders e até consultores seniores estejam disponíveis para integrar o jovem profissional que chega. Isso acontece, hoje em dia, em qualquer empresas. A única diferença, em relação ao imobiliário, é a de que, por norma, há um salário envolvido e as pessoas não têm propriamente escolha.

O que se espera do consultor recém-chegado? Abertura de espírito, vontade de aprender e disponibilidade para estar, se necessário for, vários dias por semana na agência ou a acompanhar os colegas mais seniores.

Se não existir esta vontade, de ambos os lados, continuaremos certamente a ver agências às moscas e consultores recém-chegados na rua com a mania que sabem tudo e que não precisam da ajuda de ninguém para (sobre)viver. Não vai, obviamente, correr bem.

Francisco Mota Ferreira

francisco.mota.ferreira@gmail.com

Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022) e “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) (Editora Caleidoscópio)