
© Fernando Guerra - FG+SG
Restauro da Sé de Lisboa devolve dignidade a claustros e revela mesquita almorávida
A Sé Patriarcal de Lisboa, um dos mais antigos e simbólicos monumentos nacionais, concluiu uma das mais importantes intervenções de restauro e valorização das últimas décadas. O projecto, da autoria do arquitecto Adalberto Dias, recuperou os claustros superior e inferior, criou um núcleo arqueológico e devolveu ao espaço a dimensão histórica e espiritual perdida com décadas de alterações e degradação.
Património vivo e em transformação
Erguida por ordem de D. Afonso Henriques, após a conquista de Lisboa em 1147, a Sé reflecte oito séculos de história, marcada por estilos tão diversos como o românico, gótico, barroco, maneirista, neorromânico ou neogótico. Ao longo do tempo, sofreu sucessivas transformações motivadas por diferentes contextos políticos, religiosos e culturais, bem como por catástrofes naturais como os sismos de 1321, 1531 e 1755.
Em 1990, um abatimento no jardim do claustro levou ao início de escavações arqueológicas que revelaram um acervo único: vestígios da Idade do Ferro, estruturas romanas, islâmicas e medievais. Contudo, a cobertura provisória então erguida descaracterizou o espaço claustral e acentuou a urgência de uma solução de fundo.
O projecto de recuperação
A intervenção agora concluída devolve coerência ao conjunto. Os claustros foram reabilitados, com um terraço construído à cota do jardim original e um lanternim central que ilumina as ruínas arqueológicas em cripta, numa metáfora entre a vida e a função funerária do claustro. O núcleo museológico, instalado sob a ala sul — a mais danificada pelo terramoto de 1755 —, integra-se discretamente, dando a ver séculos de história.
Um “templeto” elíptico, revestido a azulejo artesanal espelhado, ergue-se no ângulo nascente-sul, reflectindo a paisagem envolvente e marcando a contemporaneidade da intervenção. Escadas e elevadores asseguram a articulação entre níveis, reforçando a acessibilidade.
Revelações arqueológicas
Os trabalhos revelaram vestígios notáveis: uma mesquita almorávida do século XII que ocupava todo o quarteirão, com banhos, escolas e a mesquita dos mortos. Estes achados consolidam a relevância da Sé não apenas como monumento religioso, mas como testemunho da diversidade cultural e civilizacional da cidade.
A empreitada representou um investimento de cerca de 8,7 milhões de euros, incluindo a reabilitação do piso superior do claustro e a conservação das estruturas arqueológicas. Com uma área de intervenção de 6.690 m², o projecto foi desenvolvido em colaboração com a NPK no paisagismo e registado em 2025 pelas objectivas do fotógrafo Fernando Guerra.
Mais do que uma obra de restauro, a intervenção na Sé Patriarcal de Lisboa afirma-se como um marco na valorização do património edificado nacional, conciliando preservação histórica, inovação arquitectónica e aprofundamento do conhecimento sobre a identidade da cidade.