Publicidade enganosa
O tema não é novo e, recorrentemente, acabamos por ter de voltar a falar nele porque é, infelizmente, necessário fazê-lo. No sector, não há alminha que não passe a vida a queixar-se que não os levam a sério, que há uma falta de credibilidade, que metade dos consultores tenta enganar a outra metade… e o que fazemos para melhorar a imagem? Insiste-se em técnicas agressivas de marketing, que cheiram a tanga à distância. E, quem as pratica, acredita piamente que uma mentira dita várias vezes, de preferência com convicção, torna-se uma verdade inabalável. Lamento, mas não é assim. E, nem os posts satíricos de o Agente Funini ou do Zé Maracaté nas redes sociais fazem com que a aldrabice tenha um fim.
Uma coisa é nós lermos que o Augusto, consultor de excelência, teve o primeiro lugar no trimestre em angariações, ou que foi o melhor da loja em faturação naquele mês. Ou mesmo, no limite, que ganhou o prémio de melhor do ano. E, mesmo que não seja verdade, o facto é que esta é uma mentirinha inócua, com o “premiado” a poder anunciar isso mesmo aos sete ventos nas redes, mostrar uma folha A4 que atesta isso mesmo ou, no limite, a exibir um pechisbeque de plástico que garante que o Augusto é bestial. Essas coisas, como sabemos, são relativamente inconsequentes e servem, quanto muito, para afagar o ego dos consultores ou mostrar, entre pares, que afinal o Augusto vende mais do que a Mariana.
O problema, maior, é quando a mentira sai das quatro paredes da loja ou da marca, e somos confrontados com ela na rua, em enormes outdoors que atentam que o Augusto é top 5 nacional. E quando nos damos ao trabalho de ver, muitas vezes não é top, nem é 5 e, às vezes, nem sequer é nacional.
Em abono da verdade – um bem cada vez mais escasso - o Augusto até pode ter sido uma vez, mas lá por ter alcançado esse patamar excecionalmente tal não significa que esse título dure uma vida inteira. Até a miss mundo, quando acaba o seu reinado, tem de dizer aos sete ventos que é ex-Miss, por muito que esteja ainda ali para as curvas.
E o problema nestas coisas, é quando a malta começa a raciocinar e desconstruir. O Zé Maracaté (e depois o Agente Funini) pegaram num cartaz de uma conhecida marca que anunciava que eram transacionadas 36 casas por hora em Portugal, dando, obviamente o destaque às 36 casas por hora. O gajo de marketing que há em mim entende claramente o âmbito e o propósito deste cartaz: levar a que, quem o leia, perceba que aquela marca em concreto é bestial e que, rapidamente, vai vender a nossa casa ou encontrar o nosso imóvel de sonho.
O problema é que isto é (e foi) facilmente desmontado. O autor da página relembra que “36 casas por hora vezes 24 horas por dia são 864 casas, vezes 365 é igual a 315 360 casas. Contas sem horários de trabalho, sem máscaras nem engenharia de fins de semana, feriados e dias santos. Sabendo que a quota de mercado da mediação imobiliária é de cerca de 110.000 imóveis vendidos, incluindo terrenos, armazéns e imóveis comerciais, apraz-me concluir que V.Exas. detêm, e apenas V.Exas., a módica quantia de 300% da quota de mercado”.
Igual argumento foi depois replicado pel´O Agente Funini na sua página e que lembra que “os dados oficiais dizem que se vendem 274 casas por dia em Portugal, dizem também que cerca de 65% dessas transações têm intervenção de uma mediadora... Isso quer dizer que em menos de 6 horas (esta marca) vende todas as casas do mercado”.
Eu percebo que o mercado imobiliário é muito aguerrido e que a competição entre marcas e consultores é feroz (e nem sempre bonita). Agora, insisto sempre no mesmo: será que é tão difícil perceberem que, sem credibilidade, não há nunca forma de o sector ser levado a sério?
Já não digo para andarem sempre a dizer a verdade, mas, se pelo menos, não inventarem, acredito que isto pode ser o início de algo diferente. E, com sorte, tendencialmente para melhor.
Francisco Mota Ferreira
francisco.mota.ferreira@gmail.com
Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022) e “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) (Editora Caleidoscópio).