
Se estivesse vivo, o arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles seria, sem dúvida, o primeiro a erguer a voz contra o abandono a que o jardim com o seu nome foi condenado.
Praça de Espanha: Parque Urbano Gonçalo Ribeiro Telles acumula lixo, pragas e abandono quatro anos após inauguração
Quatro anos após a sua inauguração, o Parque Urbano Gonçalo Ribeiro Telles, na Praça de Espanha, em Lisboa, encontra-se marcado pela falta de manutenção, lixo acumulado, presença de ratos e ocupação por pessoas em situação de sem-abrigo - escreve o jornalista João Cunha no website da Rádio Renascença (RR). O espaço, que custou cerca de 16 milhões de euros à autarquia, foi pensado para ligar o Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian ao Corredor Verde de Monsanto e homenagear o arquitecto paisagista que lhe dá nome.
No local, moradores descrevem ao jornalista da RR um cenário de degradação que contrasta com o investimento inicial. Aspersores mal calibrados regam passeios em vez de zonas verdes, que se encontram secas e descuidadas. O pequeno lago com patos, outrora atractivo, está quase seco, tomado por ervas daninhas. Estruturas como a cafetaria prevista permanecem fechadas e vandalizadas.

No dia da inauguração, tudo estava limpo e impecável... 4 anos volvidos é o que se vê para quem lá passa!
Residentes apontam a acumulação de resíduos como causa da proliferação de roedores e alertam para situações de insegurança associadas à presença de sem-abrigo, relatando episódios de violência e abandono total da vigilância. Apesar da proximidade da sede da Polícia Municipal, queixas de assaltos e comportamentos agressivos afastam frequentadores habituais.
A Câmara Municipal de Lisboa, liderada por Carlos Moedas, rejeita a ideia de abandono e garante limpeza e manutenção diárias. No entanto, a degradação visível levanta críticas não só ao actual executivo, mas também ao anterior, presidido por Fernando Medina, que inaugurou o parque em Junho de 2021 antes da conclusão total das obras. À data, a autarquia justificou a decisão com o argumento de que o espaço já podia ser usufruído pela população, apesar de áreas inacabadas. Medina foi presidente da Câmara Municipal de Lisboa durante seis anos, entre 2015 e 2021.
A proposta de requalificação, “Os Caminhos da Água”, do atelier NPK – Arquitectos Paisagistas Associados, previa ainda uma ponte pedonal para ligar directamente os ampliados Jardins da Gulbenkian à nova Praça de Espanha — estrutura que nunca chegou a ser construída e cuja ausência permanece sem explicação, embora tenha sido referido não-oficialmente que a não construção se devia a questões de segurança relacionadas com a Embaixada de Espanha.

A ponte pedonal que ligaria os jardins da Gulbenkian à Praça de Espanha nunca passou da imagem 3D...
O parque, concebido para simbolizar a Lisboa verde e ecológica sonhada por Ribeiro Telles, tornou-se exemplo de como a falta de planeamento e de acompanhamento e de manutenção pós-inauguração pode transformar um investimento muito avultado num espaço negligenciado.
Recorde-se que o projecto recebeu uma menção honrosa do Prémio Valmor e Municipal de Arquitectura 2023
As críticas contundentes de Manuel Salgado
Em artigo de Opinião publicado no jornal Expresso, a 03 de Outubro do ano passado, Manual Salgado, Arquitecto e ex-vereador de Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa entre 2007 e 2019, escrevia: «A Praça de Espanha que hoje vemos é, porém, bem diferente dessa que o projeto prometia. O Parque Gonçalo Ribeiro Telles foi inaugurado em Junho de 2021 sem a ponte, adiada por atraso no concurso de empreitada. E mesmo agora, três anos depois e já inaugurado o CAM no Jardim Gulbenkian, com a nova entrada pela Avenida Duque de Ávila, a continuidade entre os dois parques mantém-se uma ideia por concretizar. O parque da Praça de Espanha está ao abandono, desleixado, sujo e vandalizado. A ponte ainda não foi construída, o quiosque e a cafeteria nunca abriram, a pala onde deveria ser a esplanada é acampamento de “sem-abrigo”, o jardim não é mantido... Um desconsolo!»