PRR: “Nem que o investimento fosse todo em habitação resolveria o problema” – diz o economista Paes Mamede
O economista Ricardo Paes Mamede considera que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) é “uma tentativa” de a União Europeia (UE) “compensar baixos níveis de investimento público”, necessidade que a seu ver está “consensualizada na sociedade portuguesa”.
“Na verdade, o PRR não pode ser visto como outra coisa senão a tentativa de a União Europeia compensar […] a pressão que houve sobre os países na última década, do ponto de vista orçamental, que teve como consequência precisamente baixos níveis de investimento público”, salienta Ricardo Paes Mamede, em entrevista à agência Lusa, numa altura em que Portugal já recebeu cerca de 5,14 mil milhões de euros de Bruxelas para implementar o plano.
“Quando é preciso cortar em alguma coisa é no investimento que se corta”, acrescenta o especialista em políticas públicas, aludindo às apertadas regras orçamentais de Bruxelas.
Para Ricardo Paes Mamede, “Portugal teve, durante quase uma década, níveis historicamente baixos de investimento público, o que significa que há investimentos […] que o país já deveria ter feito e que não foram feitos”.
Por essa razão, o Mecanismo de Recuperação e Resiliência, que entrou em vigor na UE em fevereiro de 2021 para mitigar o impacto económico e social da covid-19, foi “desenhado para responder à pandemia”, mas também permite “dar dinheiro para que o Estado português faça investimentos públicos que já há muitos anos se sabia que tinham de ser feitos nas várias áreas”, assinala.
O problema (enorme) da habitação
Em causa estão investimentos nas áreas da saúde, habitação, educação, transportes, entre outras, “cuja necessidade já tinha sido com consensualizada na sociedade portuguesa”, de acordo com Ricardo Paes Mamede.
O economista Ricardo Paes Mamede considera que, “nem que todo o dinheiro” do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) fosse alocado à habitação, isso “resolveria os problemas” existentes em Portugal, reconhecendo porém respostas no plano aos “desafios estruturais”.
“Nunca o PRR nesta área conseguiria – nem que todo o dinheiro do PRR fosse dedicado à habitação – resolver os problemas de habitação em Portugal, porque o dinheiro que o PRR tem [previsto] não serviria para Portugal atingir sequer um terço daquilo que é a proporção de habitação social que existe em alguns países do norte da Europa”, afirma Ricardo Paes Mamede.
Numa altura em que Portugal já recebeu cerca de 5,14 mil milhões de euros de Bruxelas para implementar o PRR, o especialista em políticas públicas assinala que o plano “prevê medidas bastante diferentes no que respeita ao apoio à habitação e parte das medidas têm a ver com o Primeiro Direito, o principal instrumento de política que o Governo tem […] de habitação pública”, havendo ainda outra “parte de residência estudantil”.
Escassa habitação pública...
“Portugal tem uma das taxas de habitação pública mais baixas de toda a Europa e nós vamos demorar muito tempo a resolver os problemas da habitação, [que] são complexos”, sublinha.
Ainda assim, o professor universitário reconhece que “o PRR dá o sinal certo”, ao mobilizar 2,7 mil milhões de euros para habitação e alojamento estudantil, já que “praticamente não existia política pública de habitação em Portugal” e que o país “tem uma capacidade de responder às necessidades de residência de estudantes deslocados que é verdadeiramente miserável”.
“Agora, nós não podemos esperar que o PRR por si só vá resolver estes problemas”, insiste.
Para Ricardo Paes Mamede, é “fundamental que Portugal aproveite todas as oportunidades que tem à sua disposição para ultrapassar os seus défices nas várias áreas da economia e da sociedade e do ambiente”.
“É fundamental que isso aconteça e se a pergunta é se o PRR dá resposta aos grandes desafios estruturais da economia portuguesa, […] a minha resposta é globalmente sim”, pois o plano “permite concretizar uma série de investimentos que há muitos anos muitos governos de diferentes cores defendem que devem ser feitos”, sustenta o economista.
Vincando ser “difícil encontrar uma componente do PRR [sobre a qual] não haja um grande consenso na sociedade portuguesa relativamente à importância crucial desse investimento”, Ricardo Paes Mamede considera ainda que o PRR tem “as condições necessárias” para “mudar estruturalmente a economia e a sociedade portuguesa”, mas para isso tem de se “garantir que esse dinheiro vai ser bem utilizado”.
Uma boa execução é fundamental...
No que toca à capitalização e inovação empresarial, o plano prevê perto de 2,9 mil milhões de euros para ajudas às empresas, estabelecendo-se “uma lógica de que os apoios são […] a iniciativas colaborativas com objectivos específicos de avanço”, em vez de apoios individuais, assinala Ricardo Paes Mamede.
Contudo, o especialista alerta para que “o facto de se ter tido uma boa ideia no papel não significa que a sua implementação vai funcionar”.
Portugal é actualmente o sexto país da União Europeia com mais verbas arrecadadas para o PRR, cerca de 5,14 mil milhões de euros (4,07 mil milhões de euros em subvenções e 1,07 mil milhões de euros em empréstimos), sendo o quarto com maior execução pela taxa de 17%, segundo os dados mais recentes da Comissão Europeia sobre a implementação dos planos ao nível europeu.
Uma vez que os desembolsos são feitos com base no cumprimento, Portugal já atingiu 52 metas e seis objetivos pelos 35 investimentos e 23 reformas realizadas de um total de 284 investimentos e 57 reformas acordadas com Bruxelas, o que lhe permitiu receber 31% dos fundos.
O PRR português tem uma dotação total de 16,6 mil milhões de euros, 13,9 mil milhões de euros de subvenções e 2,7 mil milhões de empréstimos.
O Mecanismo de Recuperação e Resiliência entrou em vigor na UE em Fevereiro de 2021 para mitigar o impacto económico e social da pandemia de covid-19.
Ricardo Paes Mamede
Doutorado em Economia pela Universidade Bocconi (Itália), Mestre em Economia e Gestão de Ciência e Tecnologia pelo Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa (ISEG/UL), e Licenciado em Economia pela mesma instituição.
Professor Associado, Director do Mestrado em Economia e Políticas Públicas e Subdirector do Departamento de Economia Política do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, onde lecciona desde 1999.
Lusa/DI