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Opinião

 

Orçamento suplementar 2020 e os Centros Comerciais

8 de julho de 2020

O Governo Português tem adotado diversas medidas excecionais e temporárias de combate aos efeitos do Covid-19. Nesse sentido, apresentou o Programa de Estabilidade Económica e Social (PEES), de forma a garantir a progressiva estabilização e retoma nos planos económico e social, sem descurar a vertente sanitária.

Considerando os seus impactos económico-financeiros e de execução orçamental, foi agora proposta a revisão e alteração do Orçamento do Estado de 2020. Entre as diversas propostas de alteração, foi proposto pelo PCP o aditamento do artigo 168.º-A, que prevê no seu n.º 5 que não sejam devidos quaisquer valores a título de rendas mínimas, até 31 de dezembro de 2020, no âmbito dos contratos de exploração de imóveis para comércio e serviços em centros comerciais, sendo assim apenas devido aos proprietários dos centros comerciais o pagamento da componente variável da renda, calculada sobre as vendas realizadas pelo lojista, mantendo-se ainda a responsabilidade deste pelo pagamento de todas as despesas contratualmente acordadas, designadamente as referentes a despesas e encargos comuns.

No passado dia 3 de julho, teve lugar a votação final global da proposta de lei, que foi aprovada no Plenário da Assembleia da República (note-se que, aquela proposta do PCP foi aprovada na especialidade sem votos contra e apenas com as abstenções do PS e PAN). Assim, salvo a hipótese remota de veto político pelo Presidente da República, ou pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade, o diploma deverá ser promulgado e publicado nos próximos dias.         

Como seria de esperar, diversos agentes e entidades ligadas ao setor imobiliário já se manifestaram sobre esta alteração ao Orçamento de Estado. Se, por um lado, entidades que representam os investidores e gestores de centros comerciais apontam fortes sinais de preocupação por parte dos investidores imobiliários, muitos deles estrangeiros, afirmando mesmo que muitos dos centros comerciais podem enfrentar graves dificuldades e mesmo a insolvência, por outro lado, aqueles que representam os lojistas congratulam-se com a aprovação da proposta, justificando que o esforço tem que ser partilhado pelos diversos agentes.

Sem dúvida que é uma alteração que terá um impacto significativo no setor, não se podendo olvidar que este já tinha sido alvo de medidas excecionais, visto que a Lei 4-C/2020, de 6 de abril, alterada pela Lei n.º 17/2020, de 29 de maio, consagra a possibilidade (também no âmbito dos contratos de exploração onerosa de espaços para fins comerciais), dos estabelecimentos abertos ao público destinados a atividades de comércio a retalho e de prestação de serviços encerrados ou cujas atividades foram suspensas, tal como os estabelecimentos de restauração e similares, de suspenderem o pagamento das rendas até dia 1 de setembro de 2020, ou após o término do mês subsequente àquele em que cessar o impedimento, se anterior àquela data, diferindo o pagamento dos valores vencidos durante esse período para os 12 meses seguintes, tendo como limite o mês de junho de 2021.

Nos atuais tempos conturbados que vivemos, os órgãos com poder legislativo têm a difícil função de manter o equilíbrio nas medidas aplicadas. Reconhecemos que não é um desafio fácil, mas é a função de quem governa. Em última instância, falhando esta intervenção, caberá ao próprio setor entender que os interesses de investidores e lojistas estão entrelaçados, que não sobrevivem isolados e que o sucesso de uns é o sucesso dos outros. Ora, a proposta do PCP, agora aprovada, consubstancia uma alteração profunda daquilo que foi a livre vontade das partes aquando da celebração destes contratos, uma alteração que coloca o risco da quebra da atividade comercial sobretudo nos proprietários dos centros comerciais, que assim se vêm obrigados a permitir a utilização da sua propriedade recebendo um sinalagma por tal utilização que, naquilo que tem sido avançado pelos mesmos, poder-se-á não se mostrar suficiente para possibilitar a sobrevivência destes mesmos centros.

Filipe Pereira Duarte

Associado da Abreu Advogados

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico