Na pele do outro
Nem sempre fui consultor imobiliário e, na minha vida privada, por duas vezes recorri aos serviços de agências imobiliárias: quando vendi um imóvel que tinha e quando adquiri uma segunda habitação. E devo-vos dizer que percebo perfeitamente as desconfianças e a forma como os consultores são olhados e como a profissão é vista por quem não entende o que são os nossos desafios. Ainda para mais quando, a juntar a tudo isto, lidamos com construtores. Mas vamos por partes.
No primeiro caso, quando quis vender a minha casa, estava longe de achar que algum dia iria fazer disto vida. Por outro lado, não conhecia sequer o sector: não havia a massificação da internet e a publicidade das agências e dos consultores era feita em outdoors, jornais, caixas de correio e pouco mais. E não existiam publicações dedicadas em exclusivo ao imobiliário onde, por exemplo, poderia ler artigos de opinião que me ajudassem a formar um juízo de valor.
Por isso, quando a decisão de vender a casa foi tomada, caí no erro óbvio. Vi um anúncio de uma profissional que se reclamava como a melhor da zona e liguei-lhe para uma reunião. A conversa, devo dizer-vos, correu optimamente. Foram-me explicadas as vantagens, a divulgação, o potencial da zona e os preços do mercado. Assinei um contrato em exclusivo e pensei que o assunto seria resolvido, no limite, no prazo contratual. Passou um mês, dois, três, sem qualquer contacto nem qualquer visita. No quarto mês, o silêncio era total e eu nem percebia se estava perto ou longe de vender a minha casa porque não havia resposta aos mails nem aos telefonemas. Cansado desta indiferença, mandei uma carta registada com aviso de recepção a rescindir o contrato. Conseguem imaginar o que aconteceu? É verdade. Recebo um telefonema da “profissional” muito indignada porque estava a trabalhar imenso na venda do meu imóvel e que eu era o primeiro cliente que lhe fazia isto.
A segunda tentativa de vender esta casa já correu um pouco melhor. Contratei um novo profissional, de uma agência não tão conhecida do mercado. Tive visitas e notei logo outra dinâmica. A venda acabou por se fazer dois ou três meses mais tarde. Por conselho do consultor baixei o preço do imóvel e quando apareceu uma proposta dentro dos valores que eram os expectados, vendi.
Com dinheiro na mão e na pele já de cliente comprador andei à procura de um novo imóvel. Definido o budget e a zona, devo-vos dizer que só tenho a dizer bem dos profissionais que contactei na altura. É certo que deveria estar qualificado como muito motivado para comprar e sempre fui transparente em relação ao imóvel que queria e o que pretendia gastar. Essa parte correu muito bem.
O que acabou por correr mal foi a parte de lidar com o construtor, dono da casa a estrear onde acabei por ir morar. Era um mentiroso com todas as letras, que enganou o que conseguiu enquanto pôde. Do meu lado encontrou alguém que sabia bem o que queria e como queria e que não descansou enquanto as coisas não eram cumpridas segundo o que tinha ficado estabelecido. A personagem era de tal calibre que, anos mais tarde, encontro por acaso o consultor imobiliário que supostamente me tinha vendido a casa e descubro que o construtor tinha ficado a dever a este profissional a percentagem correspondente à comissão. Um verdadeiro aldrabão, portanto.
Poderão argumentar que a árvore não é a floresta e que há bom e mau em todo o lado. Nada mais verdadeiro. Mas, por vezes, colocarmo-nos na pele do outro – por necessidade ou por mera compreensão – levar-nos-á seguramente a entender algumas atitudes que os clientes tomam connosco ou em relação a este sector. Ou como, de forma genérica, vemos os clientes. Infelizmente, acho que temos ainda um longo caminho a percorrer. Todos, sem excepção.
Francisco Mota Ferreira
Consultor imobiliário