Golden Visa, um fim (outra vez) anunciado
Estávamos em dezembro de 2019 e o mercado imobiliário acordava em sobressalto para a notícia, de algum modo esperada, de que o Governo se preparava para alterar as regras aplicáveis às autorizações temporárias de residência para investimento (comummente apelidadas de Golden Visa), tornando inelegíveis para o programa, investimentos imobiliários, entre outros, em Lisboa e Porto.
Anteviu-se o fim de um programa que, apesar de estar embelezado com possibilidades de investimento ligadas ao apoio à produção artística, à manutenção do património cultural ou à investigação científica, foi, desde o seu início, um meio de captação de recursos para o mercado imobiliário.
Olhando para o início desta estória de amor/odio encontramos na génese do programa a depressão económica e financeira sentida em 2012/2013, a qual marcou profunda e negativamente o mercado imobiliário. Partindo deste ponto, bem baixo, assistimos ao avançar de diversas medidas que visaram atrair e reter investimento (o Golden Visa, a residência não habitual, o alojamento local) e, com elas, o colocar de Lisboa e Porto no radar dos investidores.
Se olharmos para o mapa estatístico de setembro de 2020, disponibilizado pelo SEF, somos confrontados com o seguinte: de 2012 a 2020 foram concedidos 9200 Golden Visas, destes, 8654 ficaram a dever-se a investimento na aquisição de imóveis, que representaram um total de Euros 4.998.215.303,96 de investimento.
Feitas as contas, o programa Golden Visa não parece ter sido, de todo, despiciendo para a recuperação do imobiliário em Portugal. E foi esta constatação que motivou as diversas críticas que se fizeram ouvir aquando do anúncio da sua alteração. De facto, quando a legislação é ameaçada com alterações, o mercado reage, e, a reação do mercado foi tão fortemente negativa que o Governo fez saber que a entrada em vigor das alterações preconizadas pela autorização legislativa do Orçamento de Estado, só aconteceria em 2021.
E depois o Covid-19.
Com a pandemia a resultar numa abruta e profunda diminuição da atividade económica, ficámos com a sensação (talvez óbvia) de que esta não seria a altura certa para mudar as regras do jogo, e que, nesta fase, seria impensável afastar investimento estrangeiro do país. Mas nada é assim tão óbvio.
Segundo notícias recentes, as alterações preconizadas no orçamento de estado para 2020 vão mesmo ser implementadas e, ao que parece, o Governo vai, na reta final de 2020, fazer uso da autorização legislativa e alterar as regras aplicáveis ao Golden Visa.
E como? favorecendo “a promoção do investimento nas regiões de baixa densidade […] restringindo ao território da CIM’s do interior e das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores os investimentos” imobiliários.
Como é que o conceito de comunidade intermunicipal do interior vai ser aplicado na prática, não sabemos. Tal como não sabemos se os valores mínimos de investimento em tais áreas vão permanecer inalterados (recordemos que até agora o investimento em áreas pouco povoadas tinha uma redução de 20% nos limites mínimos exigidos).
Incerto parece também o futuro dos projetos imobiliários atualmente em licenciamento, em construção ou até em venda em Lisboa e Porto – o mercado interno terá capacidade ou até vontade de se substituir aos investidores externos?
E aqueles que correram durante 2020 para investir e que, por causa da pandemia, acabaram por ficar retidos nos seus países sem conseguirem dar entrada aos seus processos Golden Visa ou sem conseguirem obter documentação para esse efeito? Conseguirão ainda ir a tempo?
São mudanças e incertezas como estas que afastam o investimento, numa altura em que este parece precioso.
Patrícia Viana
Sócia da Abreu Advogados
*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico