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Opinião

 

Fazer o pleno

9 de maio de 2022

Na gíria imobiliária, fazer o pleno num negócio é o pote de ouro no final do arco iris, a ambição máxima de um consultor que conseguiu fazer o match perfeito entre o cliente comprador que o procurou e o imóvel angariado que assenta que nem uma luva às necessidades do cliente. Os mais fundamentalistas insurgem-se contra um consultor conseguir obter um pleno num negócio, alegando que este propósito viola, entre outros princípios, uma das regras não escritas mais nobres do sector (e que faz o mundo imobiliário girar): a partilha. Mas será que conseguir um pleno num negócio é assim tão mau?

Essa é a respostas que tentarei dar nas próximas linhas, focando os vários lados da barricada, as vantagens e os inconvenientes de uma ou outra opção.

Embora existam marcas e profissionais que obtém o pagamento da sua comissão através do cliente comprador, a maioria dos negócios imobiliários em Portugal fazem-se pelo pagamento da comissão devida pelo contrato firmado com quem tem o ativo para venda ou através da partilha. 

E num ponto estamos todos de acordo. Em teoria, a lei é bastante rigorosa e impede que um consultor ou uma agência possam receber dos dois lados, mesmo que tenham, lá está, o pleno. E aqui surge, a meu ver, a primeira perversão do sistema.

Escrevi aqui na semana passada que, num negócio imobiliário, temos de ter a capacidade de procurar consensos ou ter a elasticidade para adaptarmos agendas ou personalidades. E expliquei que, para mim, isto é tão ou mais importante quando conseguimos o pleno. Porque, mesmo que tenhamos a noção de que só vamos receber de um dos lados, é importante garantir que ninguém abandona a mesa de negociações, para que este activo possa ser comprado por quem o quer adquirir e vendido por quem o quer vender. Agradando-se a todas as partes e recebendo a comissão devida pelo nosso esforço.

De igual modo escrevi que, se estamos a trabalhar em pleno, por maioria de razão, não podemos estar a privilegiar um ou outro lado da barricada, porque, embora só recebamos de uma parte, estamos, no fundo, a representar as duas e a tentar que o negócio corra bem para todos. Ou seja, temos de lutar por todos, porque quem nos paga só terá dinheiro para o fazer se a outra parte não abandonar o “jogo”, não havendo por isso uma parte mais importante e outra menos.

Mas, para quem faz da partilha um modo de vida no imobiliário, percebo que o pleno seja algo que se deve combater. Porque o pleno nega a partilha e quem o consegue tem a comissão total para si e a sua agência, deixando todos os outros fora deste negócio.

Há ainda um argumento contra os plenos que me parece ter algum sentido por parte de quem se confessa contra e se prende com o velho princípio bíblico de que não se pode servir a dois senhores. Ou, de uma forma mais legalista (e à semelhança do que acontece com os advogados), um consultor ou uma agência não pode representar as duas partes. Porque, eventualmente, põe-se em causa a isenção e imparcialidade ou porque acabamos sempre lutar por quem nos paga. Ou porque na nossa criatividade muito portuguesa, conseguimos sempre arranjar forma de estar bem com Deus e o diabo.

Não tenho, confesso-vos, respostas certas e finais para tudo o que vos escrevi. Sei de negócios que correram muito bem em partilhas e em plenos. E também tenho conhecimento de muitos que, sendo em partilha ou em pleno, acabaram por correr mal, porque alguma das partes achou que poderia ser mais esperta que todas as outras. 

Quando os clientes não são sérios, não querem honrar compromissos assumidos e não pagam as comissões devidas, há felizmente hoje em dia tribunais que, tendo já jurisprudência nestas matérias, julgam de forma célere estes casos a favor dos queixosos. E com penalizações pesadas para os prevaricadores, para além da obrigação de pagamento das custas judiciais, indeminizações e o pagamento em falta devido.

Quando a falta de seriedade cai sobre o consultor ou sobre a agência pode ser um pouco mais complicado. Mas bastava olhar para o que se faz, por exemplo lá fora: obrigatoriedade para um exame de ética e deontologia a todos os profissionais e multas à séria e licenças retiradas para os prevaricadores. Um tema que conto desenvolver mais em detalhe num próximo artigo.

Francisco Mota Ferreira

Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem ao livro “O Mundo Imobiliário” (Editora Caleidoscópio).