E o imobiliário Senhor Ministro?
Assisti esta quarta-feira (18.03.20), em direto, ao anúncio das novas medidas de apoio à situação provocada pelo Covid-19 decretadas pelo governo, e apresentadas por Pedro Siza Vieira e Mário Centeno, para diversos setores da atividade económica, sem que ouvisse a inclusão do imobiliário nesse pacote. Confesso que não fiquei surpreendido, habituados que estamos a ser o ‘parente pobre’ na altura de atribuir benefícios, a um setor onde o inverso, por via fiscal, é sempre o primeiro visado quando se trata de encontrar receita.
São dois pesos e duas medidas: Quando o Estado precisa de receita, o imobiliário e todos os seus proprietários, empresários e até trabalhadores do setor, estão na primeira fila a contribuir ativamente. Quando por via de uma crise, e esta de agora tem tudo para ser a Crise, o imobiliário nem sequer vem à liça.
Ou seja, por via deste ‘esquecimento’ o imobiliário que tem sido um dos principais motores do crescimento, corre o risco acrescido de problemas que no limite levem ao desemprego e às falências, por não verem disponibilizados apoios que lhes permitam aguentar a fase mais dura do Estado de Emergência, ficando pois abandonados à sua sorte, ou à sua capacidade de resistência.
Será que não houve tempo para pensar no que isso custará futuramente ao próprio Estado, na perda de receitas ou na atribuição de subsídios de emprego a inúmeras famílias que daqui tiram o seu sustento? Igualmente estão esquecidos pela precariedade do elevado número de recibos verdes, sem outra qualquer receita que não seja o funcionamento normal do mercado, e que por via do recolhimento vê quebrada a corrente, ou seja, a sua subsistência, sem qualquer rede de segurança? Como sobreviverão essas pessoas? E os seus dependentes? Mesmo que aguentem até depois da crise, naturalmente não se prevendo uma retoma automática, como conseguirão regressar ao mercado? Em que condições? E por fim, quem ganhará com este ‘cenário apocalíptico’?
São tudo respostas que eu próprio não encontro, mas que me inquietam como nunca antes, apesar de contar à data 36 anos ininterruptos na atividade imobiliária. Passei, várias crises, tropecei nalgumas, aprendi com todas, mas nunca como agora senti que todo um setor, fulcral na nossa economia, pudesse tremer como neste momento. Se já era um quadro cinza-escuro antes de saber se teríamos algum tipo de ajuda, fica completamente negro, quando verificamos que não é proporcionalmente merecedor de atenção.
Sei que vivemos um tempo novo, uma experiência nunca antes vivida pela humanidade. Admito que os próprios governos tenham dificuldades de pensar e ajuizar devidamente, e por vezes em tempo útil. Afinal também eles são humanos e não têm experiência anterior de caso semelhante, mas quando analisam, estudam, propõem, debatem, concluem e decidem, nunca se lembraram de quem foi o motor da economia, e deixam-no de fora? Parece-me semelhante ao construtor do carro topo de gama que o produz e põe no mercado, tendo-se esquecido de lhe colocar motor, ou baterias, no caso mais recente dos elétricos. O resultado todos sabemos, pois não é expectável que se desloque nessas condições, e esperar um resultado diferente, só mesmo para crentes no divino.
E então quando nos debruçamos apenas sobre a mediação imobiliária e pensamos nos milhares de familiares dependentes, a esmagadora maioria sem qualquer outra fonte de rendimento, e mesmo esta sempre dependente da concretização dos negócios. Como sobreviverão estes trabalhadores a recibos verdes, impedidos que estão, e estarão por tempo indeterminado, de exercer atividade? Quantos ficarão em situação precária, sem as benesses que outras atividades têm? Quando e como regressarão à atividade? Em que condições e com que mercado?
Percebo que são respostas difíceis de encontrar, mas bem mais fáceis de prever com resultado negativo se abandonados à sua sorte por quem deveria procurar ser inclusivo, e não os deixasse fora do barco, onde todos como sociedade, afinal estamos metidos. Já diz o velho ditado que ‘há filhos e enteados’ sentindo-nos nós, muito injustamente, como estes últimos.
Como tal deixo aqui a pergunta: E imobiliário, senhor Ministro?
Francisco Bacelar
Presidente da ASMIP – Associação dos Mediadores do Imobiliário de Portugal
*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico