Construção tem de privilegiar a utilização de materiais reciclados
Se queremos que o setor da construção caminhe num sentido mais sustentável, é sem duvida necessário (entre outras questões) a reutilização de materiais na obra. Isto pode ser feito através da colocação de materiais que podem/devem ser reutilizados ou através da utilização de materiais que já são reciclados e apropriados para utilização.
O desenho inicial de um arquiteto, define o destino do edifício. É pois necessário, compreender este processo como um ciclo. O edifício é pensado, projetado, construído, desconstruído e as os resíduos da desconstrução seletiva devem ser reutilizados ou reintroduzidos em novos processos produtivos.
Pois, as matérias-primas escolhidas e ali colocados, tornar-se-ão, inevitavelmente resíduos. Se este processo for pensado a longo prazo, equilibrando as questões económicas com as caraterísticas dos materiais, equacionando as necessidades energéticas e considerando o seu fim de vida, bem como o destino final quando se transformarem num resíduo, teremos com certeza edifícios mais eficientes do ponto de vista de sustentabilidade.
Construção representa 9,7% do PIB da União Europeia
O ser humano passa em média, 80 a 90% do seu tempo diário dentro de edifícios, sendo o setor da construção aquele que tem maior impacte na economia, correspondendo a cerca de 9,7% do PIB da União Europeia.
Para além dos efeitos económicos e sociais, a construção tem impactes Ambientais, quer associados à ocupação e uso do solo, quer associados aos consumos de recursos naturais, de energia e água, como à produção de resíduos e efluentes líquidos. De acordo com a Agenda 21 para a Construção Sustentável, durante a fase de construção são consumidos cerca de 50% dos recursos naturais, produzidos mais de 50% dos resíduos, consumida mais de 40% de energia (nos países industrializados, sendo em Portugal cerca de 20% da energia total do país) e produzidas cerca de 30% das emissões de CO2. Neste sentido, é fundamental dar preferência por matérias-primas reutilizadas, recicladas e passíveis de reciclar, em detrimento de materiais não renováveis e cujo destino final apenas possa ser a deposição em aterro.
Europa: taxa de utilização de materiais reciclados em obra varia entre os 70 e os 90%
Apesar do potencial de reciclagem dos RCDs variar entre 80 e 98%, o seu destino mais comum, quando legal é, infelizmente na sua maioria, a deposição em aterro. Continuamos muito aquem do que se pratica em outros países da Europa, em que a taxa de utilização de materiais reciclados em obra varia entre os 70 e os 90%.
Existem lacunas na gestão dos Resíduos provenientes de atividades de Construção e Demolição (RCD) que num somatório tornam a situação preocupante, não pela falta legislação, mas o facto da mesma não ser cumprida, ou não se fazer cumprir, o que pouco contribui para a observância das metas de reciclagem de 70% até 2020, estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 73/2011. A gestão dos RCD passa pela adoção de uma estratégia transversal, que articule os princípios da Hierarquia de Gestão dos Resíduos com as necessidades do sector da construção e da conservação da natureza, privilegiando o uso de materiais reciclados, a restrição da deposição de matérias recicláveis em aterro e o controlo ao consumo de recursos não renováveis.
É nesse sentido que a Quercus tem reforçado a importância de quantificar a produção e o encaminhamento dos resíduos, alertando para a necessidade de controlar a obrigatoriedade de utilizar pelo menos 5% de materiais reciclados, relativamente à quantidade total de matérias-primas usadas, em empreitadas públicas, considerando que este valor deverá atingir num horizonte breve, os 25%, tentando aproximar Portugal dos países vizinhos.
O Fundo de Estabilidade Financeira da Segurança Social e as propostas apresentadas pelo Governo para apoiar reabilitação do património, para além de reduzirem os impactes associados à falta de conservação e manutenção do edificado, podem ser uma oportunidade para promover medidas de eficiência energética e o escoamento de materiais reciclados nas intervenções realizadas.
Lisboa | 20 de junho de 2017
Carmen Lima
Coordenadora do Centro de Informação de Resíduos da Quercus
Aline Guerreiro Delgado
Especialista para a área da Construção Sustentável da Quercus
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