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Opinião

 

Co(n)vid(e) a Moratória

31 de março de 2020

Cumprindo com a promessa de celeridade que a situação de emergência impunha, o Governo ponderou e publicou o Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de Março, que entrou em vigor na última sexta-feira.

Conforme resulta de modo inequívoco do preâmbulo do diploma, “O sistema financeiro tem um especial dever de participação neste esforço conjunto pela sua função essencial de financiamento de qualquer economia. Neste período de incerteza e complexidade, todos os agentes, públicos e privados, são convocados para garantir a sustentabilidade da nossa economia, dos rendimentos dos nossos cidadãos e das nossas empresas.”

Trata-se, assim, de uma intervenção estatal junto dos operadores económicos, ao contrário dos fenómenos mais recentes e recorrentes no sistema bancário português, onde as intervenções se têm pautado pelos esforços na tentativa de minorar o efeito sistémico de resoluções de instituições de crédito, assegurando a viabilidade e estabilidade do sistema financeiro.

Estamos, portanto, perante um compromisso social, determinando uma suspensão do quotidiano das instituições de crédito e sociedades financeiras, obrigando-as as firmar um pacto social com a sociedade civil, responsabilizando-as perante um regresso à normalidade.

De um modo sucinto, são potenciais beneficiários das medidas de apoio, as i) empresas, ii) empresários em nome individual, iii) as instituições particulares de solidariedade social, associações sem fins lucrativos e iv) as demais entidades da economia social, que não detenham dívidas junto da Autoridade Tributária e da Segurança Social e, por referência aos dias 18 de Março de 2020 (no caso de microempresas, pequenas ou médias empresas) ou 27 de Março de 2020 (nas demais), não estejam em mora ou incumprimento há mais de 90 dias, bem como não se encontrem em situação de insolvência, ou suspensão ou cessão de pagamentos, ou naquela data estejam já em execução por qualquer uma das instituições (n.ºs 1, al. b) do n.º 2 e n.º 3 do art. 2.º).

Estão absolutamente afastadas deste regime as empresas do sector financeiro, como sejam bancos, outras instituições de crédito, sociedades financeiras, e afins. (n.ºs 3 e 4 do art. 2.º).

Doutro passo, no que às v) pessoas singulares diz respeito, estão contempladas neste regime excepcional as responsabilidades respeitantes ao crédito para habitação própria permanente desde que, em 27 de Março de 2020, não detenham dívidas junto da Autoridade Tributária e da Segurança Social; não estejam em mora ou incumprimento há mais de 90 dias; bem como não se encontrem em situação de insolvência, ou suspensão ou cessão de pagamentos, ou naquela data estejam já em execução por qualquer uma das instituições; bem como tenham residência em Portugal; e estejam em situação de isolamento profilático ou de doença ou prestem assistência a filhos ou netos, conforme estabelecido no Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, na sua redacção actual; ou que tenham sido colocados em redução do período normal de trabalho ou em suspensão do contrato de trabalho, em virtude de crise empresarial; em situação de desemprego registado no Instituto do Emprego e Formação Profissional, I. P.; bem como os trabalhadores elegíveis para o apoio extraordinário à redução da actividade económica de trabalhador independente, nos termos do artigo 26.º do referido Decreto-Lei; e os trabalhadores de entidades cujo estabelecimento ou actividade tenha sido objecto de encerramento determinado durante o período de estado de emergência, nos termos do artigo 7.º do Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de Março (al. a) do n.º 2 do art. 2.º).

As operações passíveis de se subsumirem neste regime excepcional serão todas as modalidades de concessão de crédito, à excepção de a) Crédito ou financiamento para compra de valores mobiliários ou aquisição de posições noutros instrumentos financeiros, quer sejam garantidas ou não por esses instrumentos; b) Crédito concedido a beneficiários de regimes, subvenções ou benefícios, designadamente fiscais, para fixação de sede ou residência em Portugal, incluindo para actividade de investimento, com excepção dos cidadãos abrangidos pelo Programa Regressar;

c) Crédito concedido a empresas para utilização individual através de cartões de crédito dos membros dos órgãos de administração, de fiscalização, trabalhadores ou demais colaboradores (ar. 3.º).

As medidas de apoio agora aprovadas prevêem i) a proibição de revogação, total ou parcial, de linhas de crédito ou empréstimos; ii) a prorrogação do prazo de vencimento de reembolso de capital a final (para além de eventuais juros e garantias) e iii) suspensão dos reembolsos parcelares de capital, rendas, juros ou comissões, durante o prazo de vigência do diploma, isto é, de 27 de Março a 30 de Setembro de 2020. (n.º 1 do art. 4.º).

A prorrogação e suspensão conferidos não representam qualquer incumprimento contratual, vencimento antecipado, suspensão de juros no período da prorrogação (que serão capitalizados a final) ou ineficácia ou cessação das garantias concedidas pelos beneficiários ou por terceiros, designadamente a eficácia e vigência dos seguros, das fianças e/ou dos avales (n.º 3 do art. 4.º), sendo que, relativamente a estas últimas, designadamente para a sua proporcional prorrogação, não será necessária qualquer formalidade adicional, sendo bastante o diploma no caso de se necessitar promover o respectivo registo (n.º 6 do art. 4.º).

Para aceder a estas medidas – a dita Moratória – os potenciais beneficiários remetem às respectivas instituições uma declaração de adesão, suportada com as declarações de inexistência de dívida à Fazenda Nacional e Segurança Social, tendo estas que implementar as medidas previstas no prazo máximo de 5 dias úteis ou, caso entendam que não estão preenchidas as condições objectivas estabelecidas no diploma, informar os potenciais beneficiários da recusa em 3 dias úteis (art. 5.º).

É com esta propalada moratória que se pretende conferir uma almofada orçamental a empresas e famílias, na esperança de, a breve trecho, uma vez ultrapassadas as limitações decorrentes do CORONAVIRUS, assistirmos ao regressar da normalidade e revitalização económica.

Todavia, não deixa de suscitar algumas reservas a táctica legislativa operada, desde logo quando, nas condições de acesso à moratória, em termos subjectivos e no caso das pessoas singulares, faz depender o sucesso do preenchimento das condições por remissão para o Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março e para o Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de Março, mas, simultaneamente, estatui que, no formulário a remeter às instituições, apenas exige as declarações de regularização contributiva.

Isto faz com que, em tese, sem prejuízo da previsível regulamentação a proferir (n.º 1 do art. 10.º) e do regime sancionatório (art. 7.º), está aberta a porta para entendimentos divergentes por parte de beneficiários e instituições no que toca à documentação exigível para aceder à moratória, funcionando como mais um foco de conflito num período que se pretende de comunhão de esforços.

Cremos que, no que às empresas diz respeito, a opção legislativa permitirá, porventura, obter com mais celeridade e maior precisão os desígnios a que se propôs.

Uma derradeira nota para a vigência da medida até 30 de Setembro (art. 14.º), que, contrariamente às opções legislativas doutros Estados, não prevendo renovação expressa, tem como efeito reflexo uma mensagem de esperança e de confiança.

Pedro Barbosa Morais

Advogado da Sociedade Cerejeira Namora, Marinho Falcão