ICOMOS critica fachadismo no Porto e avisa para risco do património
O Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS, na sigla em inglês) Portugal voltou a alertar para o “inaceitável fachadismo” no Porto, de que são exemplo as obras realizadas no edifício dos Fenianos, considerando que o risco para o Centro Histórico, classificado como património mundial, é hoje mais elevado.
“Não são raros os casos em que se verifica a demolição integral de edifícios, algumas vezes com remanescência de partes da fachada, num falacioso e inaceitável ‘fachadismo’. O que estará a acontecer no edifício do Clube dos Fenianos Portuenses poderá ser tomado como um exemplo”, afirma o ICOMOS Portugal.
No início do mês, os Fenianos revelaram que, desde 2019, têm alertado, “sem qualquer resultado”, para “obras ilegais”, sem licenciamento ou autorização do património cultural, que puseram em causa o edifício classificado localizado no início dos Aliados, no centro da cidade.
Em causa estão sete intervenções, realizadas entre 2012 e 2020, em seis espaços arrendados, sendo que apenas uma tinha parecer obrigatório da Direcção Regional de Cultura Norte (DRCN).
Destas, reconhece a DRCN, a operação realizada no Restaurante Metro da Trindade teve um “impacto negativo relevante”, ao destruir parte do edifício. Ouvido pela Lusa, responsável pelo restaurante salientou que as obras foram legais.
Para o ICOMOS, órgão consultivo da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), este processo “é uma exemplar caricatura” da qualidade da gestão do Património Cultural.
Num relatório de 2019, este organismo tinha alertado para outras intervenções na área classificada e na zona de protecção, que indiciavam “uma profunda divergência” quanto às recomendações de conservação, integridade e autenticidade.
Neste documento, o Centro Histórico do Porto (CHP) era um dos três sítios nacionais, classificados como património mundial em risco, onde estavam identificados 14 obras ou projectos em andamento ou já realizados.
“Hoje, constata-se que esse alerta é ainda mais relevado face à ligeireza da análise das intenções e dos projectos de intervenção no CHP, cujos resultados continuam a observar-se e sobre os quais poderemos afirmar que dificilmente se enquadram nos critérios de conservação”, declarou o ICOMOS, em resposta à Lusa, esta semana.
O conselho considera que se mantêm as ameaças ao CHP, classificado como património mundial da UNESCO em 1996, de que são exemplo as intervenções no Morro da Sé, Estação de São Bento, edifício do Clube dos Fenianos Portuenses e Ponte Luiz I, vítimas, entre outros, de processos de desumanização e fachadismo.
Para aquele organismo, “a desumanização que se tem verificado ininterruptamente” desde 96, cria condições para, “com argumentos forjados, encontrar supostas justificações para alteração de função ou actualização-reabilitação”, sem avaliação independente ou garantia de que a integridade e a autenticidade não serão afectadas.
No início deste mês, a Câmara do Porto anunciou a intenção de transformar as 22 parcelas que dariam lugar a uma residência universitária no Morro da Sé em apartamentos de arrendamento acessível destinados a estudantes, ignorando as recomendações do conselho.
No relatório de 2019, o ICOMOS tinha já manifestado preocupação com esta intervenção que pressupunha “demolições inviáveis”, recomendando um projecto mais detalhado para evitar “mais fachadismos” como nas ‘Cardosas’ ou na ‘Casa Forte’”.
“O cuidado quotidiano e continuado do CHP não será com certeza alcançado apenas com os estudantes que está previsto vir a acolher no Morro da Sé, os quais, de origens diversas, terão aqui uma presença fugaz pelo que lhes será difícil integrar a comunidade”, voltou agora a defender.
O ICOMOS critica ainda a ausência no Plano Director Municipal do Porto de qualquer referência a um Plano de Gestão orientado para a conservação do Património Mundial, afirmando que tal “denota uma disfunção no planeamento urbano” que impossibilita uma avaliação adequada do impacto das acções sobre o património.
A Lusa tentou obter uma reacção junto da Câmara do Porto, mas até ao momento sem sucesso.
Lusa/DI