Arrendar em Lisboa e Porto é inacessível à maioria dos portugueses
250 euros é o valor que o João Diogo, de 25 anos, pode pagar por uma casa arrendada. Depois de terminar o curso na área das artes e não conseguir nenhuma oportunidade dentro da sua especialidade, o que encontrou foi um lugar num Contact Center, em Lisboa, onde o ordenado é apenas o mínimo, com os devidos descontos nem atinge os 500 euros mensais. “Apesar de me sentir bem na casa dos meus pais, penso que está na altura de ter a minha independência. Contudo, não irei conseguir tão cedo”.
João procurou em vários sites e agências imobiliárias e as ofertas não se aproximam do que pretende, pelo menos na capital. “Os valores são demasiado altos, impensáveis para mim. Já coloquei a fasquia nos 250 euros para ter o suficiente para as contas da água, luz, gás, alimentação, passe social, etc. Mesmo assim, não sei se conseguia assegurar todos os meses alguma qualidade de vida”, lamenta João Diogo.
A solução para o jovem é continuar na casa dos progenitores. Também Ana Filipe, de 28 anos, está à procura de uma casa para arrendar. Mesmo com um ordenado de 980 euros por mês a trabalhar num escritório, não consegue encontrar um apartamento no centro de Lisboa, onde os preços pedidos rondam os 1.000 euros mensais. A solução é manter-se com o filho na casa dos pais, a quase 50 quilómetros do local de trabalho.
Estes são alguns exemplos referidos num artigo divulgado no Jornal Económico onde refere também que as notícias de que o mercado imobiliário está a crescer, com resultados fantásticos das consultoras e mediadoras, não se traduzem na verdadeira dinamização do sector para a maioria da população portuguesa. Quem não tem capacidade para comprar casa – sobretudo porque os bancos já não concedem empréstimos a 100% e as exigências são maiores em termos de garantias -, também não encontra uma boa alternativa no arrendamento. Se o mercado tem vindo a alterar nos últimos anos, em pouco ou nada beneficiou a população. Pensou-se que, com a alteração da lei do arrendamento e com o ‘fecho da torneira’ dos bancos para o crédito à habitação, o mercado de arrendamento ganhasse um novo impulso (depois de décadas de estagnação). Mudou, é certo, mas as dificuldades mantêm-se e a oferta é desfasada da procura.
Para os proprietários de imóveis em zonas centrais das cidades de Lisboa e do Porto, o arrendamento tornou-se uma boa opção, sobretudo pelos valores que podem praticar e ainda com o recurso ao arrendamento de curta duração, que se tornou o ‘filão’ do negócio para muitos.
Segundo Hugo Santos Ferreira, secretário geral da APPII – Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários, se para a maioria dos portugueses o mercado de arrendamento é difícil, para os proprietários nunca esteve melhor. “Quem tem um imóvel neste mercado, a rentabilidade é fantástica. O mercado nunca esteve tão pujante. O arrendamento de curta duração também veio dar um impulso”, salienta. Contudo, alerta para a necessidade de existir um mercado equilibrado e sustentável. “Cabe ao Estado a função de encontrar soluções para o arrendamento com preços acessíveis e conceder mais benefícios fiscais a quem pretende arrendar para longa duração”. O responsável adianta ainda que o Estado não deve castrar o arrendamento de curta duração. Quanto às alterações à lei, Santos Ferreira é de opinião que não devem existir retrocessos: “A nova lei é muito jovem, tem apenas seis anos, e o mercado tem de consolidar e estabilizar”.
Direito à habitação
Na verdade, segundo Tiago Mendonça de Castro, Sócio e Coordenador da PLMJ Imobiliário, em Portugal, o arrendamento foi visto durante muitos anos
como um instrumento para garantir a todos o “direito à habitação”, consagrado na Constituição. As medidas legais que foram tomadas nos anos 50 do século passado, e que duraram até 2010, visaram tornar legalmente impossível aos senhorios terminar contratos de arrendamento celebrados e, pior ainda, de actualizar as rendas para as ajustar ao valor de mercado. Foi apenas em 2012 que, com o objectivo de “criar um mercado de arrendamento, que, em conjunto com o impulso à reabilitação urbana, possa oferecer aos portugueses soluções de habitação mais ajustadas às suas necessidades, menos consumidoras dos seus recursos e que fomentem a sua mobilidade, com a Lei n.º 31/2012 de 14 de Agosto, foi possível alterar o regime de arrendamento”, explica. O responsável admite que voltou a ser atraente investir na reabilitação de um imóvel para o modernizar, recuperar e devolver ao mercado de habitação ou de arrendamento de curta ou longa duração, e dinamizar os centros históricos e nevrálgicos das cidades.
Ricardo Sousa, Administrador da Century 21 Portugal, por sua vez, revela que o número de transacções de arrendamento estabilizou, e o seu peso tem vindo a diminuir porque as transacções de venda têm aumentado significativamente, nos últimos anos. “Apesar de existir uma clara cultura de proprietário em Portugal, as gerações mais novas optam, cada vez mais, pelo arrendamento para as suas primeiras soluções de habitação”, esclarece. Contudo, também concorda que a oferta está desajustada em relação à procura em termos de tipologias, localização e preço. “E é neste último ponto – preço – que se verifica o maior desfasamento entre o rendimento disponível das pessoas que procuram opções de arrendamento e os actuais valores de mercado da oferta de imóveis para arrendar”. Ricardo Sousa, adianta também que, na oferta, o arrendamento de curta duração está a crescer e que do lado da procura, a tendência vai continuar a ser pela compra.