Evolução de Lisboa é aos ‘soluços’, temos do melhor e do pior
O arquitecto Pedro Ressano Garcia, que lidera o projecto europeu SOS Climate Waterfront, revela que há sinais de propostas positivas de vanguarda na cidade, no entanto continuam a ocorrer práticas do século XX. "A maior parte dos decisores seguem as práticas do século passado", garante.
O SOS Climate Waterfront é um projecto europeu de investigação sobre as alterações climáticas e as influências nas cidades, sobretudo ribeirinhas. Lisboa é uma das escolhidas. O Projecto financiado pela Agência Europeia de Investigação SOS Climate Waterfront pretende promover a excelência na investigação e inovação de forma a desenvolver instrumentos para as cidades ribeirinhas enfrentarem as alterações climáticas.
Em entrevista ao Diário Imobiliário explica como devemos olhar para a capital portuguesa.
Qual o objectivo e missão?
O Projecto SOS Climate Waterfront pretende promover a excelência na investigação e inovação de forma a desenvolver instrumentos para as cidades ribeirinhas enfrentarem as alterações climáticas.
O projecto procura desenvolver um ambiente de pesquisa e ferramentas operacionais eficientes através da consolidação de uma rede europeia que integra instituições académicas e não-académicas em Portugal, Itália, Holanda, Suécia, Grécia, Turquia e Polónia.
O objectivo é usar a rede estratégica já existente para incrementar a pesquisa em realização no campo das frentes ribeirinhas urbanas. Para enfrentar os desafios futuros na gestão, adaptação e mitigação pelo número crescente de desastres naturais e continua subida do nível dos mares. Os parceiros estão envolvidos na produção e disseminação de soluções que incrementem a resiliência das frentes ribeirinhas urbanas e divulgam os seus resultados em modo aberto, SOS no nosso caso quer dizer: Sustainable Open Solutions
O projecto iniciou-se em Janeiro deste ano, e decorrerá durante três anos.
De que forma pode alertar e influenciar as decisões políticas e institucionais da Europa?
O Projecto angariou um importante financiamento pela Agência Europeia de Investigação; existe um interesse estratégico na União Europeia em promover estratégias de adaptação às alterações climáticas. Essas estratégias implicarão, antes de mais, o reunir de conhecimento; e seguidamente, o estabelecimento de um esforço comum a nível europeu. A investigação e o conhecimento científico apresentam propostas, a nossa contribuição tem impacto cultural e pode servir de suporte aos decisores políticos. Entre os nossos parceiros metade são não académicos e incluem uma câmara municipal, uma câmara de comércio, uma agência da grande área metropolitana, uma instituição cultural e uma plataforma europeia de comunicação sobre cidades ribeirinhas. Estes parceiros têm sido promotores de alerta e influência porque são influenciados directamente pelos resultados das nossas acções.
Que impacto efectivo pode ter nas cidades?
As sinergias que estamos a estabelecer entre parceiros académicos e não-académicos permitem o desenvolvimento de soluções informadas e inovadoras, que transformem este enorme desafio numa oportunidade para intervirmos nas nossas cidades de forma profunda, estabelecendo novas relações entre as pessoas, o ambiente edificado, e o ambiente natural costeiro. Para enfrentar a crise climática não há uma solução única, a solução surge duma multiplicidade de factores e da sua correta articulação. Em resumo, há cinco vias complementares principais, a regeneração da natureza no ambiente urbano, a resiliência às variações climáticas extremas, a produção de energias renováveis, a reutilização de águas pluviais e a diminuição de emissões de CO2 com transporte/pessoa e construção. Em cada uma destas, há uma quantidade de medidas a ser incorporadas. O trabalho desenvolvido em cada cidade, inclui investigação interdisciplinar: especialistas, investigadores, doutorandos profissionais e a participação das instituições locais, e terá inevitavelmente um impacte nas futuras decisões.
Qual será a importância para a cidade de Lisboa?
A equipa transdisciplinar internacional reflectiu sobre cada parâmetro e procurou conhecer as ultimas estratégias implementadas em Lisboa. A título de exemplo considerou a hipótese apresentada pela concessionária aeroportuária de construir um novo terminal na base militar do Montijo no estuário do Tejo, claramente desadequada ao período contemporâneo. As soluções para enfrentar as alterações climáticas no século XXI contrariam esta hipótese e, na nossa opinião persegue uma estratégica desactualizada há décadas, aliás desde o inicio do século XX.
As coberturas verdes, terraços ajardinados, fachadas verdes e o revestimento integral de edifícios com isolamento térmico são algumas soluções que deverão ser integradas nos futuros planos municipais e que neste momento enfrentam um bloqueio por parte das instituições responsáveis que se regem por legislação desactualizada.
A regeneração da natureza, implica a proibição da impermeabilização de solos em zonas urbanas, a conquista de novas zonas permeáveis e a restituição dos passeios permeáveis. A regeneração dos solos urbanos permeáveis garante a infiltração de águas pluviais, promove a saúde da vegetação urbana, a estabilidade dos solos, o combate ao efeito de aquecimento urbano concentrado (urban heat Island effect) e a resiliência às inundações. A nossa calçada à portuguesa é um bom exemplo de um pavimento permeável, considerado uma solução eficaz na mitigação dos impactos negativos e a copiar por outras cidades europeias.
O planeamento dos transportes colectivos e partilhados está particularmente atrasado relativamente a outras cidades. O mesmo acontece com a produção de micro energia, promovida inicialmente pela EDP mas que sofreu um enorme retrocesso comprometendo os benefícios ambientais.
Quando falamos do combate às alterações climáticas, as pequenas medidas complementares envolvem vários tipos de empresas, estratégias públicas, hábitos de consumo e responsabilização cívica. Pelo que, todos estão implicados na redução de emissões CO2 e protecção ecológica.
Considera que a capital portuguesa está ao nível das outras cidades estudadas?
Lisboa apresenta pontos muito positivos e muito negativos. O equipamento desportivo de alto rendimento, colocado ao longo do rio Jamor, é um exemplo extremamente positivo. Foi desenhado para acolher inundações e para consolidar um corredor verde entre o rio e vários conselhos da área metropolitana. Pelo contrário, a recente eliminação de zonas de calçada portuguesa por materiais impermeáveis, é extremamente negativa e revela desconhecimento das boas práticas. No contexto de alterações climáticas, a calçada é uma infraestrutura notável, que merece investigação para ser desenvolvida e aperfeiçoada. Para os especialistas desta área interessa dar a conhecer soluções de futuro. Neste caso, a solução de futuro é a tradicional, pelo que se integra na cultura local, que é uma das nossas grandes preocupações para as cidades associadas ao nosso projecto: Estocolmo, Gdansk, Salónica, Roma e Lisboa.
A implementação de cave subterrânea em zona de aterro junto à frente de água não é inteligente, motivo pelo qual, as gerações anteriores não construíam. É uma solução de alto risco, que mesmo as mais avançadas tecnologias não garantem. A construção dos últimos edifícios (MAAT, sede da EDP, hospital da CUF, etc.) integrou caves subterrâneas, divergindo da opinião dos especialistas desta área.
Quais as suas principais debilidades e potencialidades de Lisboa?
Há muitos aspectos específicos a cada bairro pelo que é redutor seleccionar um aspecto. Procuramos estabelecer metodologias e sensibilidades de intervenção na cidade ribeirinha que respeitem a sua identidades e a sua resiliência face às alterações climáticas. No entanto em traços gerais podemos acrescentar que uma das grandes potencialidades de Lisboa é continuar a descontaminação do estuário, promovendo a vida selvagem, captação de CO2 e regeneração da qualidade do ar. A par de manter corredores ecológicos existentes e estabelecer novas infraestruturas ecológicas sobre zonas industriais.
As grandes debilidades são a legislação conservadora, o conflito entre instituições que não valorizam os bens comuns da comunidade e a ganância de alguns agentes. É inaceitável as emissões de CO2 que os cruzeiros largam no estuário, assim como é inaceitável proibir terraços com vegetação e coberturas ajardinadas.
Como analisa esta evolução da capital?
Aos soluços, temos do melhor e do pior. Há sinais de propostas positivas de vanguarda, por outro lado continuam a ocorrer práticas do século XX. A maior parte dos decisores seguem as práticas do século passado. No nosso projecto de investigação estamos interessados no futuro e em conhecer como pensam as futuras gerações. Privilegiamos uma abordagem contemporânea e ecológica, alinhada pela perspectiva da biofilia.
A valorização de bens comuns, tal como a qualidade do ar, começa a estar na agenda da comunidade. Registamos melhorias ao nível do ambiente construído, dos materiais, do comportamento térmico dos edifícios e da mobilidade urbana sempre que adoptem uma filosofia actual de redução da pegada ecológica e diminuição do consumo energético.
É surpreendente ainda não ter havido manifestações de jovens contra a implementação de um aeroporto, com massivas emissões de CO2 sobre um estuário que voltou a ter golfinhos e algas integrados num sistema ecológico que regenera o ar que respiramos.
A continuada usurpação dos recursos naturais e a tomada de decisões que negligenciam as futuras gerações assumem expressões diferenciadas, por isso andamos aos soluços.