Único arquitecto português na Trienal de Arquitectura de Oslo leva o projecto: Monte Xisto
O projecto Monte Xisto nasce pela mão do arquitecto Paulo Moreira, para uma intervenção urbanística depois da derrocada em 2005, do muro que suportava um conjunto de casas na freguesia de Guifões, em Matosinhos. Apesar da Câmara Municipal de Matosinhos ter deixado cair o projecto de regeneração do local, a Trienal de Arquitectura de Oslo, seleccionou o projecto português entre 500 candidatos. A comissão organizadora da Trienal chamou-o de ‘terapeuta do espaço’, devido à capacidade de ‘curar’ uma ferida na cidade, com coerência e sensibilidade construtiva.
O Diário Imobiliário entrevistou o arquitecto Paulo Moreira, que revela a participação na Trienal que decorre até ao dia 24 deste mês, na capital norueguesa e faz o ponto de situação do projecto na câmara de Matosinhos.
Porque foi escolhido o projecto do Monte Xisto para a Trienal de Oslo?
Inicialmente, a Trienal de Oslo apresentou o tema geral para a edição deste ano, ‘A Arquitectura do Decrescimento’, e lançou um call para projectos que abordassem este tema. Interessava à equipa curatorial mostrar como os arquitectos têm abordado a questão da escassez de recursos naturais, e fomentado o uso de técnicas e materiais locais, por exemplo. Ou seja, a intenção era apresentar práticas alternativas face ao modelo insustentável baseado no paradigma de crescimento económico infinito. Das quase 500 propostas candidatas, foram seleccionadas 81, entre as quais a nossa. Julgo que terá interessado aos curadores a abordagem consciente e modesta face a um caso necessariamente complexo em termos sociais. No texto que acompanhava o trabalho exposto, chamaram-me um ‘terapeuta do espaço’, devido à capacidade de ‘curar’ uma ferida na cidade, com coerência e sensibilidade construtiva.
Como descreve o projecto que desenvolveu?
Monte Xisto é uma área densamente construída, na Freguesia de Guifões, em Matosinhos. O seu crescimento deu-se na ausência de um plano urbanístico, o que levou a zona a uma situação crítica: a maior parte dos edifícios foram construídos sem licença, e sem fundações adequadas, problema amplificado pela topografia da colina. Em 2005, o muro que suportava um conjunto de casas colapsou, e várias famílias tiveram que ser realojadas de urgência. Este seria, supostamente, uma solução temporária, mas o que é certo é que desde então nada foi feito.
Descobri este caso em 2014, fazendo pesquisa a propósito do convite do curador do pavilhão de Portugal na Bienal de Arquitectura de Veneza (Pedro Campos Costa), a fim de desenvolver um projecto de ideias para a exposição. O caso das derrocadas do Monte Xisto estava praticamente esquecido, e decidi contribuir para desbloquear esta situação. Na altura, a Câmara de Matosinhos interessou-se muito pela nossa proposta, que propunha muros de contenção para segurar os terrenos da encosta, criando também novos espaços públicos, jardins e zonas de lazer. Complementávamos a proposta com um campo de jogos e pequenos equipamentos de apoio, tais como uma cafetaria e uma esplanada / miradouro. Num outro terreno, mais acima, propúnhamos três novas habitações, para realojar as famílias afectadas pelas derrocadas. O projecto era bastante ‘realista’, no sentido em que se adaptava aos terrenos disponíveis, evitando mais realojamentos e demolições desnecessárias.
Qual a sensação de ser o único arquitecto português neste evento?
A estratégia da Trienal de Oslo tem sido a de disseminar e discutir temas relevantes dos nossos tempos, através da prática da arquitectura. Sinto muita empatia com esta abordagem, que vai além do discurso introspectivo da disciplina. Sempre me interessou a forma como a nossa profissão pode abordar temas complexos da sociedade, que vão além dos limites da própria arquitectura, e a Trienal de Oslo tem proporcionado espaço para essa reflexão.
Por exemplo, em 2016 a Trienal de Oslo focou-se nos conflitos das migrações, tema ‘quente’ naquela altura, à escala global. Em 2019, centra-se na importância de uma prática de ‘decrescimento’, face à necessidade de consciencialização ecológica a nível mundial. Em ambas as edições, fui o único português entre os participantes das exposições principais. Não acho que este seja um dado particularmente importante, pode até ser uma casualidade – até porque cada uma das edições teve equipas curatoriais e critérios de selecção diferentes. Mas sem dúvida que pode fazer-nos reflectir sobre a ausência dos arquitectos do nosso país nos fóruns de discussão de assuntos tão importantes para a sociedade contemporânea.
Como se encontra o projecto neste momento? Algum desenvolvimento por parte da Câmara de Matosinhos?
Desde a apresentação do projecto em Veneza, a Câmara mostrou interesse em avançar com a sua implementação. Ainda em 2014, acolheu uma exposição nos Paços do Concelho e financiou um pequeno livro a que chamámos ‘Primeira Pedra – Monte Xisto’. Parecia que estava aberto o caminho para a adjudicação do projecto, na altura foram criadas expectativas em nós e nos próprios moradores.
O processo foi mais demorado do que imaginávamos. Só dois anos depois, em 2016, passadas muitas horas de reuniões, cálculos e estimativas de custo de obras, etc, foi-nos encomendado o projecto de regeneração urbana do Monte Xisto. Desenvolvemos a ideia inicial com mais rigor, em proximidade com a comunidade, e envolvemos equipas de paisagismo e de engenharias. Entregámos o projecto de execução completo em 2017 mas, desde então, com a mudança de executivo, pouco ou nada aconteceu. Informalmente, e por intermédio da comunicação social, fomos sabendo do desinteresse em avançar com o concurso de empreitada. Aparentemente, está tudo parado na Câmara.
Mas para nós, o projecto está vivo. As reacções e mensagens de incentivo que tivemos em Oslo são sem dúvida mais um incentivo para não desistirmos. Uma das questões que gostaria de ter a oportunidade de explicar aos governantes é que o projecto foi desenvolvido em 4 partes independentes, pelo que, se o problema é o financiamento, poderíamos avançar com a fase mais urgente, que são os muros de suporte.
De que forma esta exposição internacional pode ajudar na resolução e avanço do projecto?
É uma questão pertinente, será que a projecção e reconhecimento internacional ajude a convencer os governantes a repescar este projecto? Por um lado, julgo que o facto do projecto beneficiar a população do Monte Xisto e comunidades vizinhas, através da qualificação dos espaços públicos, seria por si só um motivo suficiente para fazer-se a obra. Por outro lado, estou certo que a intervenção teria um alcance muito maior. A obra poderia exemplificar como o investimento público pode contribuir para mudar o paradigma de intervenção nas áreas urbanas mais precárias e esquecidas. Essa equação deveria entrar no cálculo custo/benefício desta obra.