

“Fazer habitação pública a preços acessíveis”
O arquitecto Manuel Salgado – vereador de Lisboa com as responsabilidades pelo Planeamento, Urbanismo, Reabilitação Urbana, Espaço Público, Património e Obras Municipais - dá hoje uma grande entrevista ao Diário de Notícias. Nela revela a sua ambição por uma cidade de bairros com mais coesão social e que continue a receber cada vez mais gente de fora.
A visão de "uma cidade para as pessoas e uma cidade de bairros" pode até parecer um slogan “mas isso significa pôr as pessoas à frente do que tem de resolver-se. O grande desafio é como melhorar as condições de vida das pessoas e a coesão dos bairros. Este tem sido o motivo subjacente ao conjunto de intervenções que temos feito. Isto cruza vectores importantes que têm que ver com a coesão social, a coesão na cidade, a igualdade de oportunidades, a coesão territorial. Grande parte dos lisboetas conhece mal a sua cidade” – afirma o Manuel Salgado.
O vereador do Urbanismo da capital lamenta o facto de os transportes públicos estarem ainda “muito longe de responder às necessidades de Lisboa. Estou absolutamente convicto de que é possível melhorar, vai demorar algum tempo, mas é possível melhorar o transporte público em Lisboa. Neste momento, temos um projecto para o transporte público que é importante, com vários níveis de intervenção: as redes de bairro, os corredores bus mais eficientes, as linhas normais, a renovação da frota, mais motoristas. É importantíssimo para o transporte público completar pontualmente a rede de metro. Seria fundamental para Lisboa gerir de outra forma a ferrovia e, na ligação da ferrovia com os outros modos de transporte. Já pensou o que seria poder vir na linha de Cascais e, com uma simples ligação à Linha de Cintura, chegar ao Parque das Nações? A capacidade que isto dava de transporte e de mobilidade em Lisboa...” - Interroga
E responde: “É perfeitamente possível e o projecto está feito. Custa uma verba significativa, mas está feito o projecto”.
A «invasão» dos turistas
Salgado, tal como o executivo camarário, está consciente do problema e refere: “Esse é um problema real que existe em Lisboa, fruto do sucesso de Lisboa. A cidade está a atrair muito investimento, o capital estrangeiro está a investir mais e há uma valorização. Isso coloca problemas de desigualdade e de dificuldade de acesso à habitação. Eu só acredito numa forma de contrariar esta situação: é haver uma oferta de habitação pública a custos acessíveis, com tal volume que contrabalance os valores de mercado e seja uma alternativa efectiva para o arrendamento da classe média portuguesa.
O leitor poderá pensar que é discurso de campanha pré-eleitoral, mas Manuel Salgado precisa: “É um projecto sobre o qual temos vindo a trabalhar há uns anos. Neste momento está numa fase bastante avançada, mas temos de ter consciência de que planear, fazer a urbanização e construir um bairro demora tempo. Não tem uma resolução imediata. O Governo, aliás, recentemente tomou algumas medidas que atenuam de alguma forma esta situação, dando mais garantias aos mais velhos e às pessoas com deficiências, e por outro lado evitando o tipo de medida que estava a ser adoptada: a pretexto de uma obra de remodelação profunda, despejar integralmente um prédio com indemnizações irrisórias. Continuo a afirmar que a solução, que será sempre relativa, é ter uma oferta de habitação pública. Mas há um outro aspecto de que ninguém fala: é que o problema é que nós somos pobres. É um problema real. A população portuguesa é pobre. Os lisboetas são pobres quando se comparam com os níveis de rendimento dos outros países. E portanto há aqui um desequilíbrio”...
Fazer mais habitação a pensar na classe média
Para Manuel Salgado, se se conseguir fazer operações de renda acessível nas zonas históricas - e a primeira que a Câmara vai fazer é junto ao Martim Moniz – será possível contrabalançar o efeito de desertificação e envelhecimento do centro histórico de Lisboa. Para isso é preciso que existam edifícios públicos ou terrenos no centro histórico, que não existem ou são muito poucos.
Questionado sobre o volume de fogos que a autarquia possui, Manuel Salgado responde: “A Câmara possui, nos chamados bairros de realojamento municipais, cerca de 23 mil fogos. Proporcionalmente, Lisboa tem muito mais fogos de propriedade municipal do que, por exemplo, Barcelona. Barcelona tem 1,7 milhões de habitantes e tem 9 mil fogos municipais. Lisboa tem 550 mil habitantes e tem 23 mil fogos. É uma diferença abissal. Foi absolutamente necessário construir esta habitação toda, no programa de erradicação das barracas feito entre os anos 1980 até ao fim da década de 1990”. Mas acrescenta que agora o objectivo terá que ser outro: “Agora é preciso fazer mais habitação mas a apostar na classe média, que não tem acesso à habitação social, os rendimentos não lhe permitem pagar a renda técnica (a remuneração normal do investimento feito), mas que também não tem capacidade para ir ao mercado, que está cada vez mais inflacionado. É aqui que temos de fazer uma grande aposta e pôr em prática mecanismos. Em Paris, na França em geral, têm um problema idêntico. E o que fizeram? Em cada operação urbanística a partir de um certo número de fogos, 25 % dos fogos têm de ter características para serem arrendados para habitação acessível. Esses fogos são comprados pela administração pública a preços mais baixos. Em Inglaterra fizeram o livro branco da habitação porque há também, concretamente em Londres, um problema crítico de custo das rendas. Em várias outras cidades este problema está a colocar-se. O chamado problema da ‘affordable housing’ existe em praticamente todas as cidades europeias e nos Estados Unidos”. E a atractividade da cidade e o turismo vieram agravar a situação” e provavelmente “esse o fenómeno vai acelerar. É mesmo urgente lançar programas importantes na sua dimensão para resolver o problema” - adianta.
Concluindo este tema Manuel Salgado afirma que é urgente dinamizar o movimento das cooperativas de habitação, “que tem um enorme potencial. Infelizmente, as cooperativas entraram em crise e, nos últimos cinco anos, entraram mesmo, a maior parte, em falência. Era muito importante dinamizar de novo este processo das cooperativas de habitação porque é uma alternativa muito importante ao esforço público”.
Salgado, melhor do que ninguém sabe que as mudanças e os projectos levam tempo, dá como exemplo a requalificação da frente ribeirinha:” Comecei a pensar na reabilitação da frente ribeirinha no comissariado da Maria José Nogueira Pinto, em 2006. Se formos comparar os documentos produzidos naquela altura com o que está executado neste momento, falta-nos rematar Santa Apolónia. Tudo o resto está feito e segue os princípios definidos naquela altura”.
Uma grande avenida entre o Lumiar e as Galinheiras, outra entre o Campo Grande e a Alta de Lisboa…
Manuel Salgado revela ao DN alguns projectos que ainda não arrancaram no terreno mas para os quais os estudos preliminares já estão feitos. “Um deles – refere – é o exemplo típico de um contributo para a coesão territorial: fazer uma grande avenida, com todas as áreas habitacionais à volta, entre o Lumiar e as Galinheiras”. Outro, é um projecto que data de 1992: ligar o Campo Grande à rotunda que dá acesso à Alta de Lisboa, através das Calvanas.
Outra novidade no final da entrevista é a entrada em obra dentro em breve do edifício onde está a pastelaria Suíça, o chamado quarteirão da Suíça.