A última Coca-Cola do deserto
Se há coisa onde a malta do imobiliário é muito boa é a gabar-se. E fazem-no porque são manifestamente bons na profissão que escolheram ou porque enveredam pelo caminho de se valorizarem a eles próprios. Mas também porque sentem que não têm essa valorização entre pares ou junto da marca que decidiram representar. E atire a primeira pedra quem nunca achou que era importante anunciar aos sete ventos que era bestial naquilo que fazia. Ou, não sendo, considerava que era importante passar uma imagem que nem sempre podia corresponder à realidade?
A isto chama-se, de forma singela, vaidade e, sejamos concretos, quando ocorre entre consultores imobiliários pode ter um efeito profundo no sector. Um impacto que pode ocorrer de forma positiva ou negativa, afetando suas interações com colegas, clientes e a maneira como se apresentam, especialmente nas redes sociais.
Mas nem tudo é mau. Porque a vaidade pode funcionar como uma força motriz, impulsionando os consultores a melhorar, de forma contínua, a sua imagem profissional e pessoal. No limite, a ambicionar que falem bem ou mal deles porque, desde que o façam, é publicidade garantida. Os mais espalhafatosos do sector sabem bem ao que me refiro.
Mas, idealmente, o propósito da vaidade é este, ou deveria ser este: o desejo de se destacar no mercado altamente competitivo leva muitos a investir na sua aparência, postura e comunicação, o que pode resultar numa apresentação mais polida e confiante diante dos clientes. Quando tal acontece, facilita-se a construção de uma relação de confiança, especialmente num sector onde a imagem acaba por também influenciar diretamente as decisões de compra. Consultores que se preocupam com sua reputação tendem a cuidar melhor dos seus clientes, porque sabem que sua imagem está em jogo. Além disso, a vaidade, quando equilibrada com profissionalismo, pode servir como uma marca pessoal, que atrai clientes específicos, criando uma base sólida de leads futuros.
No entanto, a vaidade pode facilmente transformar-se num problema. Nas relações entre pares, por exemplo, consultores excessivamente vaidosos podem causar conflitos e competitividade tóxica. Quando a preocupação com a imagem pessoal se sobrepõe ao espírito de equipa e à colaboração (as tão desejadas partilhas), o ambiente de trabalho pode-se tornar hostil, com consultores mais focados em superar os seus colegas do que em colaborar para o sucesso global da empresa, da marca e até do sector. Este tipo de comportamento pode gerar um clima de desconfiança, prejudicando a sinergia que é fundamental em muitas operações do imobiliário.
Mas não só. Na relação com os clientes, a vaidade excessiva também pode ser prejudicial. Um consultor focado mais em si mesmo do que nas necessidades do cliente pode perder oportunidades de fechar negócios porque, por exemplo, os clientes sentem que não estão a ser genuinamente representados. Além disso, a ostentação de um suposto luxo e sucesso podem criar uma distância entre o consultor e os clientes que, não compartilhando a mesma realidade financeira, afastam-se.
Como todos sabemos, o impacto mais visível da vaidade desmedida no setor imobiliário dá-se nas redes sociais. Muitos consultores utilizam essas plataformas para exibir estilos de vida glamourosos, muitas vezes desproporcionais à realidade. Embora essa abordagem possa atrair a atenção de seguidores, ela pode ser percebida como superficial ou, em alguns casos, fraudulenta.
Todos conhecemos relatos de profissionais que exageram seu sucesso, mostrando vendas e ganhos que não existem ou que não refletem a realidade. Esse comportamento pode prejudicar a sua credibilidade e, em última instância, a confiança dos clientes no sector como um todo. E o ditado é infalível: a mentira tem perna curta, pelo que os consultores que se cria uma imagem falsa muitos acabam por ser descobertos, resultando em danos irreparáveis à sua reputação, à empresa e, no limite, ao sector.
A vaidade pode ser uma faca de dois gumes no sector imobiliário. Quando bem doseada e direcionada, pode ser uma ferramenta eficaz para o crescimento pessoal e profissional, ajudando consultores a destacarem-se e a atrair novos negócios. Mas, quando exagerada ou mal direcionada, prejudica a confiança entre pares e clientes, distorce a realidade nas redes sociais e, a longo prazo, enfraquece o sector. Como em várias coisas da nossa vida, o ideal é tê-la com conta, peso e medida.
Francisco Mota Ferreira
francisco.mota.ferreira@gmail.com
Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022) e “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) (Editora Caleidoscópio).
*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico