A Lei dos Solos
A proposta de alteração à Lei dos Solos em Portugal pode vir a ser um ponto de viragem, não apenas para o sector imobiliário, mas também para a forma como se gere o ordenamento do território. Esta legislação, que regula o uso e a classificação dos solos, é um elemento-chave para o planeamento urbano, a gestão sustentável dos recursos e o desenvolvimento do mercado imobiliário.
Esta mudança é um desafio face ao crescimento da procura por terrenos para construção e também decorrente da necessidade urgente de responder à crise habitacional em Portugal. A nova lei poderá simplificar os processos de reclassificação de solos, permitindo que terrenos atualmente identificados como rústicos passem a urbanos com maior facilidade e rapidez. Para o sector imobiliário, representa uma janela de oportunidade para aumentar a oferta de terrenos disponíveis para construção, estimulando novos projetos habitacionais e de infraestruturas.
Para os proprietários de terrenos, esta mudança poderá ser uma boa notícia: a valorização dos terrenos pela sua potencial reclassificação é inevitável, transformando ativos que, até aqui, podiam ser pouco rentáveis, em oportunidades de investimento atrativas. Outra nota positiva, mas desta vez apenas para os proprietários: a mudança poderá levar a um aumento da procura por este tipo de terrenos, fazendo depois o preço destes aumentar.
Os benefícios para quem compra (investidores, famílias, etc.) vão depender de como a legislação será aplicada. A desburocratização pode facilitar o acesso a terrenos urbanizáveis, mas o mercado terá de ser regulado para evitar especulação e garantir que o preço da terra não se torne proibitivo. Ou que, no limite, suba de tal forma que, ao invés de se tornar uma solução para a carência habitacional, venha a tornar-se mais um problema.
Para o Imobiliário, esta mudança tem um duplo estímulo. Por um lado, amplia-se o leque de oportunidades para novos projetos e negócios. Por outro, cria-se um ambiente mais atrativo para o investimento, o que pode também renovar e reforçar o interesse do investimento estrangeiro no País.
A Lei dos Solos (e exemplos semelhantes) foram já aplicadas noutros países, pelo que temos aqui um caminho já desbravado por terceiros, onde todos podemos aprender. Na Alemanha, por exemplo, a flexibilização na conversão de solos teve impacto significativo no aumento da construção habitacional em áreas urbanas periféricas. No entanto, esta medida teve de ser acompanhada por regulamentações ambientais e sociais rigorosas para evitar uma explosão de especulação imobiliária. Em França, iniciativas semelhantes também estimularam o mercado, mas foram criticadas por negligenciarem a sustentabilidade e o ordenamento a longo prazo.
Uma mudança bem regulamentada na Lei dos Solos pode estimular o mercado imobiliário, aumentar a oferta de terrenos e, consequentemente, mitigar a crise habitacional. No entanto, a falta de planeamento ou supervisão pode criar bolhas especulativas, agravar desigualdades no acesso à habitação e até prejudicar a preservação ambiental e o ordenamento do território.
Com esta Lei, Portugal pode esperar um aumento da dinâmica no sector imobiliário, maior interesse por parte de investidores e uma resposta mais célere às necessidades de habitação. No entanto, para que a transformação seja positiva e equilibrada, será também necessário garantir que esta mudança preveja mecanismos de supervisão eficazes, salvaguardas ambientais e políticas que promovam a acessibilidade e a sustentabilidade.
A história recente do País, com atrasos nos processos de licenciamento e dificuldades na articulação entre as Autarquias e o Governo Central, serve de alerta. Seria desejável que esta mudança fosse acompanhada por uma reforma na gestão administrativa, onde o foco não fosse apenas o benefício económico, mas também o impacto social e ambiental. Será que vamos aproveitar a oportunidade e fazer as coisas bem-feitas?
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Francisco Mota Ferreira
francisco.mota.ferreira@gmail.com
Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022), “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) e “Conversas sobre o Imobiliário” (2024) | Editora Caleidoscópio
*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico