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NOTÍCIA
Opinião

Francisco Mota Ferreira

Willkommen in der DDR

5 de fevereiro de 2024

Antes da queda do muro de Berlim, os turistas que visitavam Berlim ocidental, a única parte livre que estava geograficamente encravada em pleno território da República Democrática Alemã, podiam ver esta placa, por exemplo perto do Checkpoint Charlie, a aliciá-los a visitarem a parte leste da cidade, onde vigorava o regime socialista e onde a democracia que dava nome ao país tinha muito que se lhe dissesse.

Lembrei-me desta recordação do passado quando li, por estes dias, a notícia que os novos projetos de loteamento que venham a ser aprovados pelas Câmaras Municipais terão que ter consagrada a possibilidade de incluir áreas para habitação pública, a custos controlados ou para renda acessível. A medida, que consta do Simplex do urbanismo, entra em vigor já em março e, claro está, foi feita num manto difuso de pouco esclarecimento e transparência.

A lei já implica que os projetos de loteamento para novas construções tenham já de assegurar zonas para a implantação de espaços verdes, (que faz sentido, de forma a que a ambição do lucro dos promotores não torne um qualquer empreendimento uma selva urbana), mas também que sejam reservadas zonas para infraestruturas viárias ou equipamentos, o que, convenhamos, faz igualmente sentido, porque ninguém quer ir morar numa casa que não tenha as condições externas para ter uma vdia condigna (estradas de acesso em condições, luz, água, telecomunicações, etc.).

As limitações que atualmente existem são, por isso, coerentes e lógicas. As novas, que foram pensadas e terão a força de lei, fazem-me despertar as maiores desconfianças no liberal que há em mim. Eu percebo que temos, infelizmente, um problema sério de Habitação em Portugal. Durante anos, demasiados anos, empurrou-se o tema com a barriga (não era sequer tema que ocupasse a curiosidade dos jornais, das autarquias ou dos governos) e foi-se fazendo como sempre se fez.

Agora, com o caldo entornado, tentam-se criar as soluções, mesmo as mais estapafúrdias, que dificilmente poderão ser a solução. E eu até compreendo que exista uma preocupação genuína e sincera das Autarquias em querer ajudar a resolver o problema da Habitação (e, convenhamos, é mais fácil cada uma das 308 Câmaras Municipais resolverem o assunto por si do que esperar alguma solução em bloco milagrosa). Mas, volto a dizer o mesmo: o liberal que há em mim tem as maiores reservas quando se impõe aos privados pagarem por algo que o público quer resolver. Existir habitação pública de custos controlados ou para arrendamento acessível sou completamente a favor. Nem todas as pessoas nascem com as mesmas possibilidades, nem todas têm a sorte de poder usufruir do direito constitucionalmente consagrado de ter uma habitação condigna. E, quando assiim é, o Estado deve assumir o seu papel social e dar as condições a quem mais precisa. Isso é uma coisa que, penso, todos estaremos de acordo.

Outra radicalemente diferente é esperar que sejam os privados a assumir os custos sociais de uma responsabilidade social que deve ser assumida pelo sector público. Não me parece correto, ideal e tem um ligeiro cheirinho a RDA.

Se calhar, com um debate franco e aberto sobre isso ainda vamos a tempo de mudar qualquer coisa e tornar esta medida em algo prático, decente e, já agora, exequível, não?

Francisco Mota Ferreira

francisco.mota.ferreira@gmail.com

Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022) e “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) (Editora Caleidoscópio)

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico