Geoparque Algarvensis Loulé-Silves-Albufeira candidato a Geoparque Mundial da UNESCO
Os municípios de Loulé, Silves e Albufeira e a Universidade do Algarve uniram-se para dar a conhecer alguns dos segredos mais bem guardados do Algarve, um património com mais de 350 milhões de anos, que agora pode ser visitado pelos amantes do turismo de natureza e curiosos da história e do território nacional.
O aspirante Geoparque Algarvensis Loulé-Silves-Albufeira será o único geoparque a sul do rio Tejo e ocupa um total de 1.381km2, cerca de um terço do território algarvio, onde reside um património geológico anterior ao aparecimento dos dinossauros tão singular e tão relevante que permite contar vários capítulos da história do planeta Terra.
“A candidatura a Geoparque Mundial da UNESCO surgiu na sequência do importante património paleontológico, que nos últimos anos tem vindo a ser revelado na formação do grés de Silves. Tudo começou com a descoberta do Metoposaurus algarvensis (227 milhões de anos), espécie singular de salamandra gigante com mais de 2 metros de comprimento que dá nome a este geoparque, só foi descrito, até ao momento, nesta região do mundo”, explica Cristina Veiga-Pires, Directora Científica do Geoparque.
Hoje já é possível visitar alguns dos geossítios identificados e ainda descobrir a cultura, a natureza, as gentes e a gastronomia que os envolvem, numa viagem imersiva ao interior deste Algarve onde reside o ADN de toda a região.
Subir à Rocha da Pena, descobrir os mistérios da Mina de Sal-Gema na cidade de Loulé, observar a Formação do “Grés de Silves”, que percorre o Vale Fuzeiros, fazer uma caminhada até à Fonte Benémola ou visitar o Planalto do Escarpão são apenas algumas das atividades que poderá fazer ao longo deste território. Deste rico património geológico fazem ainda parte os geossítios da Discordância Angular no Pirinéu, da Penina, onde se encontra a Jazida do Metoposaurus algarvensis, e do Complexo vulcano-sedimentar nomeadamente na Torre e dos Megalapiás da Varejota. Todo o roteiro e actividades encontram-se disponíveis aqui.
“Este território reúne o legado de uma história geológica que conta o nascimento de cadeias montanhosas e mares antigos, e se estende desde muito antes dos continentes terem a sua configuração atual, ou mesmo dos dinossauros existirem, até aos dias de hoje”, acrescenta Cristina Veiga-Pires, Diretora Científica do Geoparque.
Para além deste património geológico de referência a nível nacional e internacional, o aspirante Geoparque Algarvensis Loulé-Silves-Albufeira possui também um rico património natural, pela sua reconhecida biodiversidade, arqueológico, gastronómico, cultural e social comum, extensível e complementar entre os três municípios.
Este é um projecto pensado para várias gerações, perpetuando costumes e tradições, e que pretende desenvolver o turismo no interior e, ao mesmo tempo, estimular a economia. As iniciativas propostas passam, entre outras, pela criação de roteiros patrimoniais, que permitam o desenvolvimento de um turismo sustentado e a fixação de pessoas, pela realização de exposições e ações de educação e comunicação, por aprofundar o conhecimento do território e promover a preservação e conservação do património ambiental e cultural do território Geoparque, com ações de manutenção, conservação, educação e promoção de turismo social e ambientalmente sustentável.
Saiba mais sobre os Geossítios que compõem este território:
Discordância Angular - Localizado na povoação de Pirinéu, permite observar o contacto litológico bem marcado entre xistos luzentes e arenitos avermelhados. Apesar de representar um período de tempo de cerca de 80 milhões de anos, durante o qual parte do registo geológico foi destruído, este tipo de contacto, ao qual se atribui o nome de “Discordância angular”, permite contar um dos capítulos da história geológica do aspirante Geoparque Algarvensis.
Rocha da Pena - Classificada como Paisagem Protegida Local, apresenta uma silhueta topográfica notável da paisagem do Geoparque, com o seu planalto culminando a cerca de 480 m de altitude e a sua cornija de cerca de 2 km de comprimento, escarpada em calcários do Jurássico. Localizada na transição entre a Serra e o Barrocal, com o seu relevo cársico conservado ao longo do tempo, revela-se assim como um geomonumento de reconhecido interesse multidisciplinar, tanto de um ponto de vista da sua geodiversidade como da sua biodiversidade.
Jazida do Metoposaurus algarvensis - O nome do aspirante Geoparque Algarvensis teve origem no fóssil que foi descoberto neste geossítio: o Metoposaurus algarvensis, uma espécie de anfíbio pré-histórico único no mundo. Situada na Penina, numa das vertentes da Rocha da Pena, contém um elevado número de ossos de crânio e algum material pós-cranial de vários indivíduos desta espécie, vestígios concentrados num estreito nível estratigráfico do “Grés de Silves”.
Falha de São Marcos – Quarteira (FSMQ) - Corresponde a uma estrutura herdada do ciclo orogénico varisco (c. 350 milhões de anos) e expressa-se morfologicamente através de um vale de fratura, com orientação geral NW-SE, que atravessa todo o aspirante geoparque Algarvensis. O Geossítio de S. B. Messines é um dos raros locais onde se pode observar a influência da FSMQ num afloramento e não somente na paisagem, tal como no Pico Alto.
Complexo vulcano-sedimentar - Pertence à Província Magmática do Atlântico Central (CAMP), que é atribuída à primeira fase de formação de um rifte que originou a abertura de um braço do mar de Tétis, na atual fachada meridional, e que agora corresponde ao oceano Atlântico. Corresponde a um complexo vulcano-sedimentar, que teve origem no magmatismo da CAMP e que terá ocorrido no início do período Jurássico, há cerca de 198 milhões de anos.
Formação “Grés de Silves” - O “Algarve Vermelho”, como o Castelo de Silves, deve a sua cor ao conjunto de sedimentos denominado por Paul Choffat, em 1887, como “Grés de Silves”. De origem continental e de cor avermelhada, é constituído por uma sequência de sedimentos de origem detrítica e química, depositados durante a época do Triásico Superior e a base do Jurássico Inferior (230 a 200 milhões de anos).
Mina de Sal-Gema - É a única das minas subterrâneas activas, em Portugal, que é visitável, embora lavrando a 230 metros de profundidade, i.e. a 30 metros abaixo do nível médio das águas do mar. A exploração dos sais de cloreto de sódio iniciou-se na segunda metade do século XX, sendo hoje constituída por cerca de 40 km de galerias subterrâneas.
Megalapiás da Varejota - Localizado em pleno Barrocal, o Cerro da Varejota tem especial relevância, não só pela sua dimensão estética, mas igualmente pela diversidade do modelado cársico e grandeza das suas estruturas. Ocupando uma posição dominante, no topo deste cabeço, os megalapiás destacam-se no azul do céu, como umas grandes estatuas de rocha calcária e dolomítica do Jurássico Superior, ora em forma de arco ora em forma de agulha ou de torre.
Fonte Benémola - Oásis de frescura localizado no Vale da Ribeira de Menalva, a Fonte Benémola constitui uma das exsurgências de água doce do sistema aquífero Querença-Silves. A maior riqueza desta Paisagem Protegida Local reside na água que corre de algumas nascentes, nomeadamente “o olho”, a “nascente” e a própria Fonte Benémola, mesmo durante o período estival, e que permite manter o caudal da ribeira da Fonte Menalva que, juntamente com a ribeira das Mercês, origina a ribeira de Algibre.
Planalto do Escarpão - Geossítio de reconhecido interesse nacional, é uma entidade geomorfológica singular, esculpida pela conjugação de processos fluviais, cársicos e tectónicos. Elevando-se a 130 m de altitude, é atravessado pela Ribeira de Quarteira permitindo, ao longo das suas margens declivosas, a observação das formações geológicas que testemunham ambientes pretéritos, desde o marinho profundo, a ambientes litorais.
Uma história com mais de 350 milhões de anos
Esta história começou há mais de 350 milhões de anos, no fundo do oceano Rheic que separava dois grandes continentes, Euramérica e Gonduana, e onde se depositaram, durante o período Carbonífero (360 a 300 milhões de anos), os sedimentos que deram origem aos xistos argilosos e grauvaques, que caracterizam a Zona Sul Portuguesa e afloram na Serra Algarvia. Aí, a deformação, as dobras e as falhas que afetam as rochas metamórficas são os testemunhos das forças tectónicas compressivas associadas à união dos dois supercontinentes e ao consequente fecho do antigo oceano (Ver Geossítio de Pirinéu).
Do desaparecimento deste oceano e da colisão dos dois continentes, formou-se uma grande cadeia montanhosa: a Cadeia Varisca, passando então a existir um único supercontinente que se estendia de polo a polo: a Pangeia.
Foi neste supercontinente que surgiram as primeiras espécies de muitos grupos de animais que se conhecem hoje. Nos lagos e rios existentes na margem oriental da Pangeia, depositaram-se os arenitos e argilitos avermelhados, típicos da Beira-Serra algarvia, conhecidos por “Grés de Silves” (Ver Geossítio Vale Fuzeiros), sedimentos resultantes da erosão gradual que arrasou a Cadeia montanhosa Varisca, principalmente durante os períodos do Pérmico (300 a 252 milhões de anos) e do Triásico (252 a 200 milhões de anos).
Nestas rochas sedimentares, encontram-se os restos da espécie singular que dá nome a este geoparque, o Metoposaurus algarvensis, que, com cerca de 227 milhões de anos, só foi descrito até ao momento nesta região do mundo (Ver Geossítio da Penina). Nestas formações, existem igualmente outros fósseis de animais do período Triásico, como fitossauros e placodontes.
Ainda no período do Triásico, iniciou-se a abertura do Oceano Atlântico com a fragmentação da Pangeia que levou ao afastamento de massas continentais que formavam este supercontinente e que deram origem aos continentes e à configuração global actual.
Toda esta dinâmica, não obstante a lenta evolução de uma nova bacia oceânica, até aos 145 milhões de anos, levou à acumulação em meio marinho de materiais evaporíticos (gesso e sal-gema) (Ver Geossítio da Mina de Sal-Gema), à instalação de vulcões (Ver Geossítio da Torre) e por fim, à formação de sedimentos carbonatados (Ver Geossítio da Rocha da Pena), principalmente durante o período Jurássico.
As rochas geradas no oceano Jurássico, são o principal suporte físico da unidade fisiográfica do Barrocal, na designada Bacia do Algarve.
No final do Jurássico Médio (166 a 157 milhões de anos), a Bacia do Algarve sofreu eventos geodinâmicos importantes que levaram a uma descida do nível do mar e a uma erosão marcada, ligada a movimentos verticais crustais, e assim transformaram a sua fisiografia. Desenvolveu-se então um golfo marinho pouco profundo numa região correspondente atualmente à zona do Escarpão em Albufeira, prolongando-se por Loulé até S. Brás e Tavira. Os sedimentos nele depositados contêm fauna abundante de amonites das zonas Bimammatum e Planula. As dimensões desse golfo reduziram-se sucessivamente e, em águas tropicais cada vez menos profundas, depositaram-se calcários com nódulos de silex e grandes extensões de bioconstruções, como corais, esponjas, ou estromatoporóides (Ver Geossítio do Escarpão).
A evolução da bacia do Algarve seguiu o seu curso ocorrendo na primeira metade do período Cretácico (145 a 95 milhões de anos) a sedimentação principalmente detrítica de natureza fluvial e lacustre, até que, há cerca de 95 milhões de anos, as forças tectónicas compressivas entre os continentes Eurasiático e Africano resultaram no soerguimento de toda a região algarvia (Ver Geossítio da Falha S. Marcos).
Somente na época Miocénico (23 a 5 milhões de anos) terão ocorrido novas transgressões marinhas que possibilitaram a deposição de rochas com fósseis que indicam ambientes litorais e marinhos de águas bem mais quentes que as atuais.
Posteriormente, a partir da época Pliocénico, há cerca de 5 milhões de anos, o território, que se tornou novamente continental, terá começado a ser esculpido pela ação da água, do vento e dos organismos, ao longo deste últimos milhões de anos, dando origem aos profundos vales da Serra, às magníficas paisagens cársicas do Barrocal (Ver Geossítio da Varejota) e ao complexo sistema do aquífero Querença-Silves (Ver Geossítio da Fonte Benémola).
Fotos de Vasco Célio