Do Excesso de construção ao Excesso de utilização
Excesso de construção
Há uns anos (2007-2009) assistimos a uma quantidade de construção nova que parecia não ter fim, principalmente fora dos centros das cidades, as paisagens de verde com árvores eram trocadas por gruas, cinzento do betão e laranja do tijolo.
Pelo lado dos promotores as contas eram fáceis de fazer: terrenos mais baratos fora dos centros das cidades pois os existentes nos centros devido à localização e pouca quantidade custavam mais pelo que tornava o produto final mais caro (habitação/escritórios/lojas/etc.), as licenças eram mais rápidas e mais simples, melhores acessos logo mais rápido a sua conclusão, muita procura, entre outros aspetos.
Pelo lado dos compradores as contas também eram fáceis de fazer: claramente preferiam pagar menos por uma casa nova e maior mesmo que essa ficasse a 30 km ou demorasse 2 horas a ir para o seu local de trabalho. As deslocações não eram postas em causa e a sustentabilidade pouco falada. O marketing agressivo para comprar casa nova era diário e normal. Era fácil comprar uma casa.
Pelo lado dos intermediários (instituições de crédito) as contas ainda mais fáceis eram de fazer: Emprestavam dinheiro baseado em avaliações dos imóveis sem um mínimo de rigor, o risco era quase zero pois se os clientes não pagassem, não havia problema, a instituição de crédito ficava novamente com o imóvel (garantia de incumprimento) já tinham arrecadado uma série de prestações desse mesmo imóvel e como a valorização do imobiliário estava em constante crescimento, a instituição ainda vendia o mesmo imóvel por um valor superior ao que tinha sido inicialmente vendido.
Até aqui todos ganhavam: os promotores vendiam, conseguiam mais financiamento, compravam mais terrenos, construíam mais e era este o ciclo. Os clientes compravam, faziam festas e levavam os amigos a mostrar a sua "habitação nova". As instituições de crédito ajudavam na concretização destes sonhos, recebiam prémios e ainda distribuíam pelos mediadores imobiliários por "levarem" clientes para a instituição.
Conclusão muito resumidamente: começa a crise económica nos EUA, dá-se uma crise financeira na Europa, os juros em Portugal sobem, as pessoas não conseguem pagar a mensalidade do imóvel, as instituições de crédito ficam novamente com os imóveis, as avaliações (por imposição da CMVM) são ajustadas ao valor real do imóvel.
Excesso de utilização
Passado alguns anos (2014-2016) Portugal tem estado no centro das atenções dos turistas e como tal está nas "bocas do mundo" devido ao seu clima, segurança, praias, gastronomia, monumentos, pessoas e outras tantas características que nos elevam ao mais alto nível.
Com tudo isto, despertou um novo interesse nos investidores nacionais quer internacionais. A reabilitação dos centros históricos para acolher os turistas e os residentes nos subúrbios em que a localização e a sustentabilidade começam a fazer sentido. Obviamente o turista não visita os subúrbios das cidades, os locais onde gerou muitas alegrias, muito negócio, mas também muita tristeza, locais que agora não passam de zonas residenciais, algumas abandonadas ou pouco frequentadas, se aí os turistas não vão, também não dormem.
As gruas passaram dos subúrbios para os centros das cidades, são reabilitados centenas de apartamentos, dezenas de lojas, edifícios completos e ruas inteiras. Há quem diga que o fim dos centros comerciais está para acontecer, ou pelo menos para alguns. Começa a existir "vida" de dia e à noite nos centros históricos. Uma mistura de turistas com residenciais.
Não há camas disponíveis nos hotéis, nascem outros negócios: hosteis já são uma realidade, alguns mais giros e com melhores condições que certos hotéis, arrendam-se casas inteiras ou quartos. Nasce o arrendamento de curta duração em casas habitacionais. A existência de plataformas como a Airbnb ou o Booking ajuda a que tudo isto seja possível, ou seja, criam a ponte entre o cliente e o detentor do imóvel, estas e outras plataformas vieram mexer num setor que há muito parecia estabilizado e sem grandes mudanças.
Conclusão muito resumidamente: as mentalidades mudam, o que há 5 anos parecia impossível, agora é mais que uma realidade, temos de nos adaptar. A Nokia era líder de mercado em 2007 na venda de telemóveis, mas de repente, em janeiro desse ano Steve Jobs subiu ao palco e tirou o iPhone do bolso e mudou o mundo para sempre... a Nokia simplesmente desapareceu nesse segmento! É destas mudanças que temos de estar preparados, e o imobiliário não é exceção.
Será este um novo paradigma no nosso imobiliário tendo em conta a nova realidade ou uma cópia do passado noutros parâmetros? Estarei a ter um déjà vu?
José Carlos Rodrigues dos Santos
Diretor-Geral da Habita Mais
jose.santos@habitamais.pt | jcrss@iscte-iul.pt