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As comissões (parte II)

1 de outubro de 2020

No último artigo, escrevi aqui sobre as comissões e a necessidade que, a meu ver, existe que estas sejam reguladas, para que possamos todos operar com alguma dose de equilíbrio e equidade. Se, no anterior, foquei-me no que é praticado pelas empresas de construção, entidades bancárias, investidores e outros, neste queria partilhar convosco sobre a falta que faz a ausência de uma norma que torne o cliente comprador um contribuinte activo do nosso esforço.

Na parte da consultadoria imobiliária há, podemos dizer, três grandes linhas de actuação que podem (e devem) funcionar em simultâneo: ou angariamos produto, ou temos cliente comprador ou fazemos a ponte entre quem tem o cliente e o produto e somos gratificados por isso.

Se repararam, nestas linhas de actuação que referi, em apenas uma delas não estamos a receber de forma directa qualquer remuneração pelo nosso trabalho. Se temos o activo, vamos receber a comissão quando este for vendido, se ligamos cliente comprador e cliente vendedor recebemos uma referência. Porém, se apenas temos o cliente comprador, só recebemos se fizermos o match (e, lá está, a remuneração vem do lado do vendedor e não do lado do nosso cliente). Já estão a perceber onde quero chegar?

Se temos a sorte (e o talento) de encontrar um cliente comprador que genuinamente está à procura e não nos está a fazer perder tempo, até damos de barato que possamos não estar a ser pagos por este porque achamos que, mais cedo ou mais tarde, sozinhos ou em parceria, vamos acabar por encontrar algo que satisfaça o nosso cliente comprador e sermos recompensados pelo nosso trabalho. E, quando assim é, ainda bem.

Eu sei que temos de saber qualificar o cliente e perceber se está a falar a sério quando entra em contacto connosco. Para não corrermos o risco de estarmos a perder tempo e a fazer os nossos parceiros perderem o seu tempo (ler artigo “Os clientes palhaços”, escrito há umas semanas). O problema é que, como não está instituído que estes clientes têm de pagar pelo nosso tempo, surgem-nos as coisas mais inacreditáveis para lidar, que aceitamos porque achamos que, como temos cliente comprador, é sempre mais fácil. Será?

Deixo-vos aqui alguns exemplos. Cientes estrangeiros que estão a pensar viver em Portugal, mas que não conhecem nada do País e que pedem orçamentos para imóveis no Porto, em Lisboa, na Área Metropolitana de Lisboa, no Alentejo e no Algarve. Quando se lhes explica que esta pesquisa precisa de tempo e de algum critério e se lhes apresenta uma tabela com fees a pagar por este serviço, os clientes desaparecem.

O mesmo raciocínio se aplica a investidores que procuram produto com determinadas características e rentabilidades e nos pedem para apresentarmos uma lista de opções. Nestes casos, acho que é ainda mais gritante porque estamos, por norma, a falar, de negócios de seis dígitos e, em muitos casos, recorremos à nossa rede de parceiros para satisfazer estes pedidos. Ou seja, perdemos o nosso tempo e de outros porque queremos mostrar um bom trabalho (e porque, naturalmente, uma comissão de uma venda de 6 milhões é diferente de uma comissão de uma venda de 60 mil).

Em qualquer um dos casos, por norma, parece que temos alguma espécie de pudor em referir que estes serviços devem ser pagos porque o nosso tempo e dedicação não são gratuitos. Acredito, sinceramente, que o mercado pode mudar de paradigma: quando empresas e consultores começarem também a exigir a clientes compradores o pagamento de um fee pelos seus serviços. Algo que, felizmente, já se começa, aos poucos, a ver por aí.

Francisco Mota Ferreira

Consultor Parcial Finance