A ovelha negra
É extraordinário como passado este tempo ainda me consigo surpreender, negativamente, no Imobiliário. Nomeadamente, como é que pessoas ligadas a este sector conseguem vender a sua credibilidade, dignidade e profissionalismo, literalmente por meia dúzia de tostões.
Como muitos de vós saberão, não faço, por regra, mercado residencial. Mas, tal não implica que, por vezes, não deixe de ter acesso a activos imobiliários – que, de bom grado, passo a parceiros de confiança para que estes façam negócio. De igual modo, recebo também inúmeros pedidos de ajuda: de colegas que já conheço e de terceiros que, embora não conheça, me foram recomendados por quem confio. A história que vos vou relatar aqui foi real e ocorreu porque acreditei em alguém apenas porque tinha vindo através de uma pessoa da minha confiança. Serviu-me de exemplo e identifiquei mais um consultor, que junto agora à lista (felizmente curta) de ovelhas negras do imobiliário, que escolhem colocar o foco no valor e não nos valores.
O que se passou conta-se em meia dúzia de linhas e mostra que, por vezes, a confiança não chega e também que a pressa é inimiga da perfeição. Esta criatura procurava imóveis para um investidor e havia, naturalmente, urgência. Recorri a consultores da zona, que conheço e em quem confio e, em três dias, surgiu-me uma opção de um prédio, a necessitar de obras, cujo asking price não chegava aos 300 mil euros.
Quem me apresentou o activo, explicou-me que a informação tinha sido veiculada por alguém que trabalha com ele. No caso, um spotter (nota: alguém que pode não estar formalmente ligado ao imobiliário, mas que identifica oportunidades de negócio para quem está). Foi-me explicado também que este imóvel não tinha ainda CMI assinado porque era tudo muito recente. Em face da urgência do meu pedido, entendeu-se dar um salto de fé: quem apresentou o imóvel conhecia o proprietário, havia a urgência do artista e porque sabíamos que, neste caso, a comissão não ia além de 3%. E, naturalmente, porque estávamos a ajudar um colega e reforçar/alargar laços de confiança, que neste nosso mundo é fundamental.
Foram feitas duas visitas e, logo na primeira, foi explicado a quem de direito, que o acordo de parceria e a partilha 50/50 da comissão seria feito com o colega da agência X, ali presente, que tinha disponibilizado o activo que estávamos a ver.
Após uma segunda visita, em que o cliente surge acompanhado por um arquitecto, que deixa cair que conhecia o proprietário, ficámos a perceber que a coisa ia correr mal. Mas também achámos que haveria a honra entre colegas e que, apesar de tudo, na 25ª hora, tudo ficaria bem.
Vários dias voltaram a passar, com situações surreais a acontecer pelo meio, que vinham confirmar as nossas suspeitas. Falei com o meu parceiro, para ele se apressar e assinar o CMI, uma vez que o negócio iria acontecer, e era preciso acautelarem-se direitos. Quando este foi falar com o proprietário foi-lhe dito que este tinha já assinado um contrato com o consultor que tinha trazido o cliente e qualquer assunto a tratar seria, a partir de agora, com ele.
Ainda me dei ao trabalho de pedir explicações relativamente à atitude tomada, apenas para perceber que as coisas iam ficar assim. Mas sei que não vão ficar assim. Da minha parte contei esta história a quem mo “recomendou”, para ver a rica peça que tem e estou a dar a conhecê-la por aqui. Sei também que o meu parceiro – o principal prejudicado nesta história – vai fazer uma queixa formal junto da agência do “consultor”.
Poderão sempre argumentar que quem representava o cliente comprador não fez nada de errado porque não havia contrato assinado com o proprietário. É verdade. Ele sabia disso mesmo, até pela celeridade e urgência em apresentar o activo. Mas também sabia que, havendo CPCV e escritura, as coisas seriam sempre feitas entre as agências X e Y e nunca só com ele. Admito que existiu, talvez, alguma ingenuidade e o achar que a palavra e o shake hands seriam suficientes para honrar compromissos. Não foram.
Fico ainda mais desiludido com a pequenez das pessoas, quando mais tarde me apercebi que o negócio foi feito por 250k e fechado pela comissão já falada de 3%. Contas feitas, se tirarmos a parte devida à agência envolvida e as questões fiscais inerentes, este “consultor” terá vendido a sua dignidade por menos de 2 mil euros.
Francisco Mota Ferreira
Consultor imobiliário