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Política de Habitação: visão e perspectivas do Governo

2 de dezembro de 2018

A secretária de Estado da Habitação, Ana Pinho, traça em termos gerais a política do Governo para o sector habitacional, abordando todos os dossiers e temas mais importantes e também os mais «susceptíveis». Uma entrevista a ler.

Ana Pinho sublinha que o Governo defende que é preciso “balançar” as respostas para proteger os inquilinos, sobretudo os mais vulneráveis, com os casos de pessoas, essencialmente jovens, que não conseguem encontrar casa para arrendar devido à falta de oferta.

“Que se protejam grupos muito específicos de população mais vulnerável, por questões de vulnerabilidade extrema, é uma coisa. Que se faça algo generalizado que impeça os proprietários de disporem do seu património nos termos correctos dos contratos que fizeram, isso é matar completamente” o mercado de arrendamento, afirmou a secretária de Estado da Habitação, Ana Pinho, recusando alargar a moratória aos despejos a mais inquilinos.

Em entrevista à Lusa, a governante sublinha que “não renovação de contrato não é despejo” e explicou que o Governo não pode colocar em causa o que dois privados – senhorios e inquilinos - assinaram no âmbito de um contrato de arrendamento.

“Estamos a perder casas para arrendamento todos os dias, porque há outras funções que estão a apelar a muitos proprietários”, sublinhou, alertando para o impacto negativo da ideia de contratos de arrendamento vitalícios.

“No momento em que algo disto acontecer, não temos mais arrendamento em Portugal. […] Temos que balançar sempre: proteger quem está e os mais vulneráveis e a necessidade desesperada que temos, neste momento, de dar resposta a quem não está, porque não consegue estar”, declarou a secretária de Estado, indicando que há “um número crescente de pessoas” a viver em sobrelotação, porque não há oferta.

A situação afecta essencialmente os jovens que pretendem sair da casa dos pais.

O 1.º Direito e o Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado (FNRE)

Segundo a governante, a solução passa por “mais oferta pública”, em que se destacam o 1.º Direito – Programa de Apoio ao Acesso à Habitação e o Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado (FNRE).

“Por estas duas vias, vamos dar um forte impulso à oferta pública. Achamos é que as necessidades são tão altas no nosso país, neste momento, onde 98% do parque habitacional em arrendamento é privado. Ora, é necessário também conseguirmos associar a este esforço público alguns proprietários que estejam disponíveis para aderir a estas novas oportunidades ao nível do arrendamento acessível”, disse.

A verba do 1.º Direito – Programa de Apoio ao Acesso à Habitação, estimada pelo Governo em 700 milhões de euros até 2024, “poderá ter de subir”, segundo a secretária de Estado da Habitação.

“Há maior comparticipação, por exemplo, se se apostar em reabilitação, se se fizerem projectos com sustentabilidade ambiental e acessibilidade”, avança Ana Pinho na sua entrevista à Lusa, explicando que o investimento total estimado para dar resposta às cerca de 26 mil famílias em carência habitacional em Portugal é de 1.700 milhões de euros.

Deste montante, a comparticipação a fundo perdido prevista é de 700 milhões de euros.

A verba apresentada para operacionalizar este instrumento integrado na Nova Geração de Políticas de Habitação “é uma estimativa e pode-se revelar que, ao longo do tempo, varie, porque a comparticipação do 1.º Direito é variável”.

No âmbito do Levantamento Nacional das Necessidades de Realojamento Habitacional, realizado este ano, o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) identificou “cerca de 26.000 famílias em situação habitacional claramente insatisfatória” e estima que o investimento necessário para responder às necessidades ronde os 1.700 milhões de euros.

“A estimativa inicial do IHRU é exactamente aquela que o Governo está a seguir”, afirma a secretária de Estado.

Segundo o Orçamento do Estado para 2019 (OE2019), o 1.º Direito vai ter uma dotação de 40 milhões de euros em 2019, 126 milhões de euros em 2020, 154 milhões de euros em 2021, 154 milhões de euros em 2022, 133 milhões de euros em 2023 e 93 milhões de euros no primeiro semestre de 2024, o que corresponde a um total de 700 milhões de euros, destinado a comparticipações não reembolsáveis.

“Há uma parte que é comparticipação não reembolsável, que é a parte que está em Orçamento do Estado [700 milhões de euros], depois há uma parte de empréstimo bonificado que é garantido, mas que não está no Orçamento do Estado, é uma linha de financiamento bonificada do IHRU”, esclareceu Ana Pinho, assegurando que “o Estado está exactamente a usar como estimativa o estudo do IHRU”.

Erradicar as situações de carência habitacional grave até aos 50 anos do 25 de Abril”

O objetivo do Governo “é extremamente ambicioso”, com a meta de “erradicar as situações de carência habitacional grave até aos 50 anos do 25 de Abril [de 1974, ou seja, até 2024]”. Para isso, o executivo apela à colaboração de todos os municípios portugueses.

Questionada sobre a verba de 40 milhões de euros em 2019 - que motivou uma proposta do BE para que fosse o dobro, chumbada pelo parlamento –, a secretária de Estado indicou que é preciso ter em conta que é o ano de arranque: os 40 milhões de euros, indicou, “dizem somente respeito à comparticipação não reembolsável, o que quer dizer que alavancam entre 80 e 100 milhões de euros”.

“No ano de arranque, a primeira coisa que tem de ser feita pelos municípios é de submeter as estratégias locais de habitação. Depois, isto é um programa de apoio à habitação, o que quer dizer que, submetidas as estratégias, é preciso fazer as candidaturas para os projectos e […] fazer licenciamento e, depois, arrancar para obras”, esclarece a governante. Só existe a execução financeira em contrapartida de pagamento de obras

No seu entender, “não é realista, dadas as questões de procedimento, considerar-se que no primeiro ano será possível ter uma execução financeira muito superior a isto”.

Há queixas de senhorios e inquilinos

Sobre o ‘bullying’ no arrendamento, Ana Pinho adiantou que há queixas dos dois lados: inquilinos e senhorios.

“Não só pode haver pressão do lado dos senhorios sobre os inquilinos como no outro sentido, que muitas vezes acontece: se é protegido por lei, não pode tirar o seu arrendatário. Às vezes também temos arrendatários que fazem alguma pressão sobre os próprios proprietários”, revelou.

A maior parte dos relatos são comunicados pelas Juntas de Freguesia, mas são situações “complicadas de contabilizar”.

Relativamente às alterações no exercício do direito de preferência dos arrendatários na transacção de habitações, a secretária de Estado considerou que “não tem nada a ver com a questão dos despejos”, avisando que “pode ter, exactamente, o efeito contrário àquele que se está a querer proteger”.

Ana Pinho concorda com direitos iguais para arrendatários em propriedade horizontal e em propriedade vertical.

No seu entender, “se em algum momento os proprietários considerarem que por terem arrendatários poderão ter prejuízos caso tenham que vender o imóvel, isto vai levá-los a fazer contratos mais curtos, a não renovar contratos, a prejudicar as famílias, em particular as mais carenciadas, que nunca sequer teriam acesso à compra, ao exercício do direito de preferência, porque não têm condições financeiras para tal”.

Por isso, lamenta que a proposta do PS sobre a questão tenha sido chumbada.

Questionada também sobre o impacto da regulamentação do alojamento local pelos municípios, a responsável afirmou que “pode ajudar a estancar a perda” de casas no mercado, dinâmica que se deve associar com “incentivos a mais oferta”.

Governo espera aprovação ainda este ano das alterações no arrendamento

As propostas do Governo para estabelecer incentivos fiscais para o arrendamento de longa duração e para criar o Programa de Arrendamento Acessível devem ser aprovadas na primeira quinzena de dezembro, segundo a secretária de Estado da Habitação.

“Não controlamos o processo, que está na Assembleia da República, mas da informação que nos tem chegado é que os grupos parlamentares pretendem – agora que acabou a votação do Orçamento do Estado – pegar imediatamente neste dossier de novo, que só foi interrompido pelo prazo de discussão do Orçamento do Estado”, afirmou Ana Pinho, referindo que a expectativa é que as propostas sejam aprovadas ainda este ano, “na primeira quinzena de Dezembro”.

Na entevista, a governante lembra que são três as propostas do Governo que aguardam aprovação no parlamento: as alterações legislativas ao arrendamento, os incentivos fiscais para o arrendamento de longa duração e o Programa de Arrendamento Acessível.

Estas propostas integram a Nova Geração de Políticas de Habitação (NGPH), apresentada em Abril, que dispõe de um total de 20 instrumentos para operacionalizar a estratégia do Governo para o sector.

“Temos, neste momento, 17 já aprovados pelo Governo, estando ainda só a trabalhar em três. Desses 17, já estão no terreno 13, sendo que os outros quatro dependem da aprovação parlamentar, que esperamos também que ocorra agora a muito breve trecho. Por isso, contamos que se inicie 2019 já com 17 instrumentos no terreno dos 20 planeados e que os outros no primeiro semestre estejam concluídos”, declarou a secretária de Estado.

Alterações e não revogação da actual lei do Arrendamento

Com base no ponto de situação da NGPH, Ana Pinho faz “um balanço bastante positivo” do trabalho da Secretaria de Estado da Habitação, que foi criada em julho de 2017.

Relativamente à actual lei do arrendamento, rejeita a ideia de revogação, defendendo que tal “nem sequer é juridicamente viável”, pelo que as iniciativas do Governo visam alterar a legislação para que seja melhorada.

Entre as alterações à lei está o Balcão Nacional do Arrendamento (BNA) - instrumento que funciona desde 2013 para agilizar o despejo de inquilinos com rendas em atraso e que na perspectiva do actual Governo se deve manter -, mas com alterações para garantir aos arrendatários meios céleres para resolução de conflitos, tal como dispõem os senhorios.

“Tudo o que facilite o acesso à justiça de todos deve ser apoiado”, reforçou, apoiando a proposta do grupo parlamentar do PS para “equilibrar” o BNA e recusando as iniciativas de pôr fim ao intitulado “balcão dos despejos”.

Sobre os benefícios fiscais no arrendamento, Ana Pinho explicou que o objectivo é “premiar” contratos de longa duração, definindo como mínimo três anos.

“Existem proprietários que já o fazem. Neste momento, o mercado de arrendamento está a sofrer uma convulsão, temos um conjunto de proprietários que está apostado em fazer contratos de muito curta duração, que não permitem condições de estabilidade às famílias com vista a poder, entre outras coisas, fazer aumentos extraordinários de renda com estabelecimento de novos contratos em muito curto prazo, mas isto não é o retrato dos proprietários todos”, indicou a governante, acreditando que esta medida pode motivar a adesão aos contratos de longa duração.

Em relação ao Programa de Arrendamento Acessível, o executivo que “é muito importante, não para o Governo, mas para o país que este diploma seja aprovado” na Assembleia da República.

“Ainda acreditamos que os nossos deputados põem o interesse do país à frente de tudo”, frisou, acrescentando ser urgente aumentar a oferta de arrendamento a custos acessíveis para as famílias portuguesas.

Questionada sobre a adesão dos proprietários, a secretária de Estado revelou que o programa “está a despertar bastante interesse entre quem tem fogos para arrendamento”, já que “oferece maior rentabilidade” e “menos risco”, com seguros de renda a custos muito baixos.

“Se juntarmos a isto a possibilidade de os municípios isentarem de Imposto Municipal sobre Imóveis ou darem outras contrapartidas que tornem ainda mais atractivo o programa, não vemos porque é que não terá adesão por parte dos proprietários”, apontou.

OE2019: habitação tem verba "suficiente"

A secretária de Estado da Habitação considera “suficiente” a verba do Orçamento do Estado de 2019 para o sector, adiantando que o documento não contabiliza “um número muito significativo” de instrumentos de política com “potencial de investimento enormíssimo”.

“O que encontrámos foram formas de financiamento que pudessem ir além do próprio Orçamento do Estado [OE], por isso o OE é uma parte muito importante, porque em particular está direccionado às famílias mais carenciadas, mas é uma pequena parte de todos os instrumentos que temos já no terreno hoje para apoio à habitação”, afirma a Ana Pinho, em entrevista à Lusa.

O relatório do OE2019 indica, no que se refere à habitação, uma dotação orçamental de 40 milhões de euros para o 1.º Direito (programa destinado a encontrar soluções habitacionais para pessoas carenciadas) e outra de 18 milhões para o Porta 65 (apoio ao arrendamento jovem).

Entre os instrumentos com verbas para o sector que não estão contabilizadas no OE2019 destacam-se o IFRRU 2020 (Instrumento Financeiro para a Reabilitação e Revitalização Urbanas), com 1.400 milhões de euros de potencial de investimento, o Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado, o Reabilitar para Arrendar e o Casa Eficiente.

“Quando se faz a conta, quando se soma o OE da habitação está-se a deixar de fora um número muito significativo de instrumentos de política com potencial de investimento enormíssimo”, sublinha a secretária de Estado, acrescentando que as verbas disponibilizadas por fundos comunitários também não estão no OE2019.

De acordo com Ana Pinho, a política de habitação, pela necessidade de existirem muitos instrumentos para dar resposta a situações muito diversas, é uma política com “vários instrumentos que mobilizam fontes de financiamento diferenciadas”.

Relativamente à situação do sector em Portugal, a titular da pasta da Habitação disse que o retrato não é homogéneo e indicou que a maior parte dos problemas de falta de oferta e subida de preços se encontram em “áreas muito delimitadas do país”, nomeadamente nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto e no Algarve.

“Claro que têm maior repercussão nestas áreas, porque também são das mais densamente povoadas, mas estes fenómenos não têm paralelo na grande maioria do território português, em que os preços ainda estão abaixo do que eram em 2007”, referiu, concluindo que se verificam “dinâmicas particulares” não só de aumento da procura para habitação, como concorrência com outras funções ou o aumento da atractividade dos centros urbanos.

Assim, o crescimento da procura está a fazer com que haja “muita escassez de oferta, em particular a custos acessíveis, em territórios delimitados”.

“No resto do país, a situação é muito mais contida, […] não quer dizer que não haja carências, existem, mas são, por um lado, carências mais de base. Por exemplo, a maior parte dos municípios portugueses não teve acesso aos programas de apoio à habitação para as famílias mais carenciadas, por isso há questões estruturais a resolver, também no acesso dos jovens à habitação, mas falamos de situações com uma dimensão e com uma premência muito diferentes”, referiu Ana Pinho.

Sobre a possível existência de uma bolha imobiliária em Portugal, particularmente na cidade de Lisboa, a governante disse que o conceito “é ligeiramente esquivo” e que tem de se considerar o aumento da procura.

“Uma subida de preços que tem na sua base um aumento da procura, ou seja, que sobe porque a oferta e a procura estão desencontradas, é menos perigoso do que um aumento de preços que é feito pela via de se reter oferta ou usar essa oferta como um activo imobiliário”, advogou, lembrando que a proposta de lei do OE2019 prevê um agravamento do Imposto Municipal sobre Imóveis IMI para os imóveis devolutos.

A ideia é “incentivar que se coloque tudo o que é oferta no mercado”, de forma a promover um “maior encontro entre a oferta e a procura” nos sítios onde há pressão urbanística, frisa Ana Pinho.

Ana Pinho: arquitecta, docente, investigadora e Secretária de Estado

Ana Pinho nasceu em Oliveira de Azeméis, em 1974. Licenciou-se em Arquitectura pela Escola Superior Artística do Porto em 2001 e concluiu o Doutoramento em Planeamento Urbanístico na Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa em 2009, tendo recebido o Prémio IHRU para trabalhos de produção científica pela tese de doutoramento «Conceitos e políticas europeias de reabilitação urbana. Análise da experiência portuguesa dos Gabinetes Técnicos Locais».

Ao longo da sua carreira profissional desenvolveu actividade de investigação e docência em várias instuições, sendo autora em diversas publicações científicas e técnicas.