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Entrevistas

 

Os investidores estão muito nervosos

17 de maio de 2018

Hugo Santos Ferreira, vice-presidente da Associação Portuguesa dos Promotores e Investidores Imobiliários, a propósito da "Nova geração de políticas de habitação" alerta que os investidores estão muito nervosos e que perguntam “se ainda são bem-vindos neste país". Em entrevista ao Diário Imobiliário revela ainda que o arrendamento de longa duração para habitação está doente.

De que forma estas medidas têm impacto no mercado imobiliário?

Terão um impacto muitíssimo negativo e medidas como os arrendamentos ditos “vitalícios” e um regresso ao congelamento das rendas são muito perigosas e podem deitar tudo a perder. Os investidores estão muito nervosos e temos ouvido muitas vezes perguntar “se ainda são bem-vindos neste País?” e “se o investimento imobiliário é ainda necessário e por isso bem acolhido”?

Mesmo a medidas que foram apresentadas pelo novo pacote no sentido de incentivar, isto é de levar os proprietários a dirigir os seus imóveis para o arrendamento de longa duração, ou mesmo no sentido de cativar os investidores a reabilitar edifícios com destino ao mercado de arrendamento de longa duração, não terão qualquer efeito. Referimo-nos à redução da taxa liberatória de 28% para 14% e 10%. É que pensar-se que existem ou que podem vir a existir no mercado (por enquanto ainda) livre de arrendamento contratos a 10 ou a 20 anos é não conhecer a realidade. Não é, de todo, prática de mercado fazerem-se contratos de 10 e muito menos de 20 anos. Não existe… A prática de mercado são os habituais cinco anos. Também não é verdade que a prática de mercado sejam contratos a um ano, tal pode acontecer em poucas e muito determinadas zonas mais aquecidas de Lisboa e Porto, mas será sempre uma muito reduzida dimensão. A larguíssima maioria são os contratos de 5 anos.

Foi por isso uma pena que não se tenha querido criar condições efectivas de incentivo ao arrendamento. É que se a vontade tivesse sido essa, bastaria implementar uma redução da taxa liberatória de 28% nos contratos celebrados a cinco anos.

Em resumo, podemos dizer que de entre a generalidade das medidas apresentadas, todas tenderão a encolher o já encolhido mercado do arrendamento e não se vislumbra uma medida efectiva de incentivo ao arrendamento, ou de incentivo às empresas que quisessem fazer.

Quem será mais prejudicado e mais beneficiado?

Tememos que o mais prejudicado e por isso também o menos beneficiado vá ser o próprio mercado de arrendamento (habitacional de longa duração), o qual já era praticamente inexistente em Portugal e com tanta imprevisibilidade e instabilidade, sendo por isso uma actividade de altíssimo risco para quem nela queira investir, vai continuar sem existir.

Temos encabeçado nas últimas semanas o coro de vozes que tem lutado pela criação de um mercado arrendamento estável, credível e onde os proprietários e investidores possam investir com confiança.

Temos dito que não há em Portugal um verdadeiro “Marketplace” em matéria de arrendamento de longa duração para habitação e daí dizermos que o mesmo está “doente”. Aliás, nas várias discussões que se têm gerado em Portugal em torno da dicotomia arrendamento de longa duração vs. short renting, a solução tem sido, infelizmente, não é a de curar o “doente”, mas sim a de aniquilar aquele que está “de muito boa saúde” e com isso dar cabo de um dos maiores catalisadores na nossa economia, o Alojamento Local….

O arrendamento de longa duração para habitação está doente porquê?:

1) Desde logo, não existe um mercado de arrendamento adequado à procura hoje existente, tanto em matéria de preço, localizações e tipologias;

Facto este que pode ser, ampla e rapidamente, contrariado se tivermos em conta que existem hoje uma série de oportunidades que não devem se desperdiçadas: crescimento da procura de habitação por estrangeiros, para turismo ou para residência temporária; atração dos jovens e famílias pelos centros das cidades, invertendo a tendência das últimas décadas (contrariamente ao que se tem querido fazer passar junto da opinião pública) e, inversamente por outro lado, a existência de centenas de habitações devolutas; ao mesmo tempo que assistimos a um aumento da procura de habitações para arrendamento, invertendo também a tendência das últimas décadas.

2) Por outro lado, há ainda um reduzido apoio financeiro às famílias mais carenciadas no acesso ao arrendamento para habitação;

3) O que acresce ao facto da aquisição de casa continuar a ter melhores condições que o arrendamento, sendo assim impossível contrariar uma tendência manifesta dos portugueses pela aquisição;

4) Adicionalmente, nunca é demais enfatizar que uma das grandes causas da inexistência de um mercado de arrendamento é a sua instabilidade legislativa e fiscal e para isso basta ver as sucessivas alterações (VAMOS NA SETIMA ALTERAÇAO LEGISLATIVA EM 10 ANOS…) só ao regime legal na última década (para não falar das alterações em matéria fiscal em cada Orçamento de Estado): houve uma primeira versão da (nova) Lei do Arrendamento em fevereiro de 2006, que seria retificada em Abril do mesmo ano, para a seguir ser revista em 2012 e novamente alterada em 2014,  a qual seria sujeita a nova revisão e ainda por cima dupla em junho de 2017, ora uma verdadeira loucura legislativa;

5) É também de mencionar o ambiente político e na opinião pública hostil aos proprietários e promotores imobiliários de arrendamento de longa duração;

6) Mas acima de tudo, era muito importante eliminar, ou pelo menos diminuir, o risco que o arrendamento ainda apresenta, sendo premente combater, quer a instabilidade que lhe está já intrinsecamente associada e bem assim o risco que o incumprimento ou a quebra súbita de rendimentos por parte dos arrendatários ainda comporta. Este último poderia ser facilmente resolvido com a implementação dos esperados seguros de renda, ou com a aplicação de subsídios de renda aos arrendatários mais carenciados, não esquecendo ainda a simplificação e o encurtamento dos prazos dos processos judiciais.

Que medidas deveriam ter sido implementadas e não foram contempladas?

Esta “Nova Estratégia para Habitação” peca desde logo por procurar tenta encontrar a solução do lado procura, quando o devia estar a fazer do lado da oferta....Se assim o tivessem feito, iriam também resolver muito dos problemas que hoje nos são deparados, como a escassez de oferta para habitação e muita desta para a classe média e bem a subida dos preços....Mas não foi assim que infelizmente se fez e tememos que tais medidas nada fazendo para incentivar os privados a colocar mais oferta no mercado nomeadamente do arrendamento, venham, pelo contrário, ser ainda mais prejudiciais.

De entre as medidas que era necessário implementar, constam:

·         Promover um clima de confiança, que permita aos proprietários, promotores e investidores contribuir para aumentar a oferta de habitações para arrendamento, reabilitar os edifícios existentes e construir novas habitações para arrendamento;

·         E com isso, aumentar a oferta e responder às necessidades da procura, em preço, quantidade e localização;

·         Estabelecer um acordo de regime para estabilização do sistema fiscal, com efeito na confiança do investimento de longo prazo;

·         A criação de uma lógica de parcerias win-win entre o Estado e os privados, tão comuns noutros setores, a fim de se resolverem necessidades básicas das famílias.

As soluções teriam sempre de passar por:

1) Medidas políticas que gerem confiança no investimento para arrendamento e não o seu contrário;

2) Dinamização de um programa de incentivo ao investimento em arrendamento, envolvendo os proprietários de habitações a reabilitar e os promotores de novas construções:

Harmonização do sistema fiscal, por exemplo com redução do IVA para 6% na construção nova de fogos para arrendamento, à semelhança da reabilitação urbana;

Redução da taxa liberatória de 28% nos contratos celebrados a 5 anos;

3) Intervenção do Estado como promotor de habitação social para arrendamento e apoio às famílias:

Compensar os senhorios pelas funções de proteção ao arrendamento, uma vez que essa função social é da responsabilidade do Estado (a designada “Função Social do Estado” e não a infelizmente costumeira função social do proprietário, como tenho designado….)

Rever o regime de classificação e proteção do património privado e das lojas históricas, assumindo o Estado o ónus de interesse público desses imóveis, com as contrapartidas correspondentes, decorrentes do Direito à Propriedade

De vez em quando convém relembrar que ele existe mesmo: Artigo 62.º "Direito de Propriedade" da Constituição da República Portuguesa. Não, não é ficção científica, banda desenhada, ou imaginação de apenas alguns.

4) Implementar o Seguro de Renda, com o envolvimento das entidades seguradoras se necessário for, com a finalidade de conferir aos proprietários dos imóveis uma maior proteção em caso de incumprimento por parte dos arrendatários, é essencial a criação dos seguros de renda, tendo em consideração os prejuízos que advêm para os proprietários dos morosos processos de despejo que têm na sua génese o incumprimento do arrendatário por  falta do pagamento das rendas a que se encontra obrigado;

5) Criação de incentivos (incluindo fiscais) à constituição e captação de empresas privadas de seguros de renda. Temos tido conhecimento directo de muitas empresas internacionais privadas, especializadas em garantir o valor das rendas aos senhorios, que estão interessadas a entrar em Portugal; assim o Governo lhe dê o mote que elas precisam para se instalarem em Portugal; sabemos que há o interesse por parte destas empresas, pelo que apenas precisamos de lhes dar todas as condições para que comecem a exercer a sua actividade também no nosso País.

6) Criação de um verdadeiro centro de arbitragem especializado no arrendamento de longa duração, que permita resolver, em tempo útil, os diferendos entre senhorio e inquilinos; a APPII sabe que um dos principais motivos de afastamento de muitos investidores estrangeiros é a morosidade da nossa justiça e em especial no arrendamento é a total incerteza, lentidão e ineficácia em matéria de resolução dos contratos de arrendamento por incumprimento dos inquilinos e da consequente acção de despejo; o BNA – Balcão Único do Arrendamento foi um primeiro passo, tímido e que por isso não foi suficiente para colmatar este problema;

Caso se entenda que tudo isto resultará num esforço orçamental para o Estado, este é no entanto largamente compensado com (i) a continuação da reabilitação do nosso parque habitacional e das nossas cidades, com (ii) a criação de um mercado de arrendamento de longa duração e consequente (iii) valorização dos nossos imóveis e (iv) aumento de receita fiscal, nomeadamente IMT e IMI. Se isso não bastasse, ainda com a (v) colocação de mais imóveis no arrendamento de longa duração, com os reflexos que isso tem no (vi) aumento da oferta de imóveis no mercado e (vii) resultante redução do preço do valor das casas, conseguindo assim (viii) captar mais gente e mais jovem para as cidades (ESTES TRES ULTIMOS MUITO IMPORTANTES). Mas também, (ix) com uma melhoria das condições de habitação das pessoas, nomeadamente as mais desfavorecidas, com (x) a redução do endividamento das famílias no acesso à habitação. Tudo isto para já para não falar que (xi) evitaria os avultados investimentos que as autarquias terão de passar a fazer para compensar a fraca resposta que os investidores privados darão a um mercado de arrendamento parado.