As comissões e o 'dumping' imobiliário
Uma das coisas que sempre me impressionou, negativamente, no sector, prende-se com a facilidade como, na maior das latas, alguns consultores usam uma estratégia de subdimensionar o valor do imóvel que vão vender. E, fazem-no, por norma, por dois motivos: para que este possa ser vendido o mais rapidamente possível, alegando estes profissionais que estão a satisfazer de forma célere a necessidade do cliente. Quando isto é verdade, não há problema nenhum. O problema maior acontece quando o segundo motivo, oculto e impronunciável, ocorre: a subavaliação para que a sua comissão no negócio, mesmo sendo menor, possa ser paga o mais rapidamente possível.
Todos nós conhecemos um ou outro caso de profissionais que têm esse modus operandi e, quanto menos noção o cliente tiver do valor da sua casa, mais a tentação existe de fazer este truque. Afinal, como dizia o ex-primeiro-ministro António Guterres sobre o PIB, é só fazermos as contas e percebermos que uma descida de alguns milhares no imóvel que está para venda representa um rombo no cliente, mas também no consultor. Sendo certo que, no caso do último, a sua perda pode ser apenas de algumas centenas ou poucos milhares. Ou seja, quem perde sempre mais é sempre o cliente.
Façamos isto com um exemplo prático: se um imóvel que está inicialmente previsto ser vendido a 500 mil euros acaba por ser vendido por 450.000,00€, o cliente perde 50 mil euros. Por sua vez, o consultor vê a sua comissão cair de 25.000€ para 22.500€, numa diferença de apenas 2.500€. Diferença que se dilui ainda mais quando há partilhas envolvidas, comissões de agências e impostos a pagar.
Claro está que também temos os casos dos clientes que tentam aproveitar ao máximo o consultor que têm a trabalhar para si. Quantos de nós não fomos já confrontados com o pedido de baixar a tradicional comissão de 5% + IVA do valor da venda de um imóvel para uma percentagem mais baixa, de forma a que esta descida pudesse também acomodar a suposta perda que o cliente teria porque, em caso de sucesso na venda, vai ter que abrir os cordões à bolsa e pagar o que foi acordado.
Neste jogo de quem paga o quê a quem, está sempre inerente e subjacente a tentativa de pagar-se o menos possível. Os 5% acordados deveriam assegurar que, no essencial, o consultor está alinhado com os interesses do cliente: quanto mais elevado for o preço da venda, maior será a comissão recebida. No entanto, na prática, este alinhamento nem sempre é tão linear, especialmente quando entra em jogo a necessidade de baixar o preço para acelerar a transação.
E quando se fala em baixar o preço – do imóvel e da necessária comissão – pode gerar-se aqui um dilema ético e profissional. Como todos sabemos, o consultor deve, teoricamente, defender o melhor interesse do cliente. Porém, pode existir a tentação de reduzir rapidamente o preço para garantir uma venda mais célere, mesmo que isso prejudique o proprietário. É aqui que surge a questão: como distinguir um consultor que, verdadeiramente, quer otimizar a venda do seu cliente, daquele que apenas está a pensar na sua própria comissão?
Os clientes podem e devem proteger-se de consultores menos escrupulosos, num processo de escolha que tem de passar pela exigência de uma justificação sólida e fundamentada que sustente a necessidade de redução do preço. Deve ser pedido ao consultor um estudo de mercado comparativo, indicando preços de imóveis semelhantes vendidos recentemente, e não apenas sugerir uma descida arbitrária.
Por outro lado, é legítimo os clientes desconfiarem de consultores que, desde o início, sugerem um valor de mercado muito abaixo da média, uma prática de dumping, que visa angariar imóveis rapidamente e vendê-los sem grande esforço, garantindo um volume de transações em detrimento do valor real dos bens. Essa estratégia pode favorecer o consultor, mas prejudica o mercado e, principalmente, o proprietário.
Para combater estas práticas deveriam ser implementadas algumas medidas regulatórias e de autorregulação. A transparência na avaliação de imóveis seria reforçada através da obrigatoriedade de um parecer técnico independente antes da listagem de um imóvel, garantindo que o preço proposto está alinhado com o que é praticado pelo mercado. Além disso, um código de ética mais rígido, com penalizações para consultores que demonstram padrões recorrentes de subvalorização, poderia dissuadir estas práticas.
Outra abordagem interessante seria a existência de uma estrutura de comissionamento, onde em vez de uma percentagem fixa sobre o valor da venda, poderia ser criado um sistema de incentivo que premiasse consultores que conseguissem vendas dentro de um intervalo previamente determinado e justificado – algo que é comum ocorrer, por exemplo, nas vendas empresariais de muitos milhões. Isso reduziria a tentação de baixar preços apenas para fechar negócios rapidamente.
A confiança entre cliente e consultor imobiliário deve ser a base de qualquer transação. Um consultor profissional e ético explicará sempre com clareza as razões por trás das suas recomendações, enquanto um menos honesto tentará manipular a informação para seu benefício próprio. Cabe aos clientes (e ao sector) estarem atentos, informados e exigirem uma cada vez maior transparência no negócio.
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Francisco Mota Ferreira
francisco.mota.ferreira@gmail.com
Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022), “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) e “Conversas sobre o Imobiliário” (2024) | Editora Caleidoscópio.
*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico