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Investimentos da ‘bazuca’ europeia vão obrigar a repensar as cidades portuguesas

9 de fevereiro de 2021

A conferência internacional ‘Grand Projects - Urban Legacies of the Late 20th Century’ – organizada pelo Dinâmia’Cet do Iscte – irá discutir a forma como a transição digital, o teletrabalho, a diminuição dos fluxos casa-emprego, as novas exigências logísticas e as futuras infraestruturas de transporte irão determinar a restruturação das cidades e o reordenamento do território. 

"Para os investimentos que vierem a ser feitos resultarem numa melhoria efectiva da qualidade de vida do país é necessário que sejam pensados e projetados numa lógica transversal, em articulação com as restantes políticas públicas: urbanas, ambientais, económicas, sociais e sobretudo com as políticas de habitação", afirma Paulo Tormenta Pinto, professor catedrático do Iscte, coordenador da conferência.

Esta iniciativa surge num momento em que as cidades portuguesas têm de se preparar para acolher as mudanças sociais, empresariais e logísticas que o impacto das verbas da ‘bazuca’ da União Europeia irá provocar. De acordo com a organização, a recuperação da crise provocada pela pandemia da Covid-19 vai obrigar a pensar e a discutir políticas públicas que concebam, integrem e articulem os investimentos que serão feitos até 2030, à semelhança do que Portugal fez com a Expo’98, cujo modelo de intervenção influenciou grandes transformações urbanísticas que se fizeram no país, nomeadamente a partir do programa Polis.

“As transformações que irão ocorrer ao longo desta década exigem pensar uma macroestrutura adaptada à nova realidade, com profundas implicações no território português e no funcionamento das suas cidades: é para essa reflexão imprescindível que esta conferência pretende contribuir”, admite o responsável.

A conferência internacional ‘Grand Projects - Urban Legacies of the Late 20th Century’ abrirá no dia 17 de Fevereiro com uma mesa redonda moderada por Nuno Grande, professor de arquitectura na Universidade de Coimbra e membro da comissão científica da conferência: nela irão intervir o ministro do Ambiente e da Transição Energética, João Pedro Matos Fernandes; o presidente da Ordem dos Arquitectos, Gonçalo Byrne; e Ricardo Paes Mamede, professor de economia política do Iscte.

“Os grandes projetos têm de ser articulados com as restantes políticas públicas: urbanas, ambientais, económicas, sociais e sobretudo de habitação”

“Para os investimentos que vierem a ser feitos resultarem numa melhoria efectiva da qualidade de vida do país é necessário que sejam pensados e projectados numa lógica transversal, em articulação com as restantes políticas públicas: urbanas, ambientais, económicas, sociais e sobretudo com as políticas de habitação”; como sugere, de resto, o Programa a New European Bauhaus, lançado recentemente pela Comissão Europeia. Segundo Nuno Grande, o arquitecto que irá moderar o primeiro debate, “sem essa integração, os grandes projectos podem mesmo falhar, tornando-se investimentos monolíticos, datados e até obsoletos”. Daí o interesse de reflectir sobre o legado deixado pelo século XX, quer em Portugal, quer no estrangeiro. “Se os investimentos se reduzirem a projectos pontuais, ou se não houver, por exemplo, uma política que favoreça o acesso dos municípios às verbas europeias, esta poderá ser uma oportunidade perdida”.

Das verbas europeias do Portugal 2020, o país ainda tem por executar 12,8 mil milhões de euros até 2023. A este montante acrescem 30 mil milhões de euros do novo quadro comunitário, que deverão ser gastos até 2027, aos quais se somam 15,3 mil milhões de euros do Fundo de Recuperação Europeu, a chamada ‘bazuca’ europeia. São quase 60 mil milhões de euros para uma década, cerca de 6 mil milhões de euros por ano que Portugal terá à sua disposição. É o dobro das verbas europeias que Portugal tem tido nos últimos anos – e quase quatro vezes o que o Estado e as empresas têm conseguido absorver anualmente no passado recente.

“Esta súbita disponibilidade de financiamento, conjugada com processos desencadeados ou acelerados pela pandemia – como o teletrabalho ou um certo recuo da globalização – vão implicar mudanças estruturais na sociedade e na forma de conceber, quer o funcionamento das empresas, quer a mobilidade de pessoas, dos bens e dos serviços”, afirma Paulo Tormenta Pinto. “Prevêem-se alterações ao nível da habitação e do habitar, dos transportes e da ocupação do espaço público: é inevitável, por isso, que as novas modalidades de teletrabalho e de ensino não presencial, a explosão das microempresas, novas formas de comércio que não necessitam de espaço físico, assim como toda uma nova logística associada a uma muito maior permanência das pessoas nas suas habitações, obriguem a uma reconfiguração dos espaços urbanos e a uma nova organização territorial”.

Avaliar as experiências de Berlim, Bilbao e Barcelona

A avaliação e o balanço dos legados urbanos do século XX será feita nos dois dias da conferência tendo presente o caso português, nomeadamente o ‘laboratório urbano’ da Expo’98. Os exemplos internacionais terão, no entanto, um destaque especial, sendo objecto das intervenções de diversos oradores.

“Josep Acebillo [arquitecto que trabalhou em grande projectos no Ayuntamiento de Barcelona] e Manuel Salgado [arquitecto e vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa até 2019] farão uma sessão conjunta partindo da experiência que tiveram, como decisores políticos e técnicos, reflectindo sobre as políticas urbanas de Barcelona e de Lisboa associadas aos grandes eventos — os Jogos Olímpicos de 1992 e a Expo em 1998”, afirma Ana Brandão, arquitecta e investigadora pós-doutorada no Dinâmia/CET, uma das organizadoras da conferência. “Noutra sessão, a socióloga e urbanistaClaire Colomb fará uma intervenção sobre a ‘reinvenção urbana’ de Berlim após a queda do muro, abordando estratégias de competitividade urbana e de marketing territorial e ainda temas que recentemente emergiram, como a turistificação e os conflitos urbanos”.  

Na sessão seguinte o géografo Christian Schmid fará uma reflexão sobre o papel dos grandes projectos urbanos num contexto da urbanização planetária e do capitalismo global. Já o arquitecto Jean-Louis Cohen fará uma apresentação sobre a obra de Frank Gehry, um dos arquitectos distintivos e mais mediáticos do final do séc. XX: o ‘efeito Bilbau’, o impacto mediático e turístico de uma obra de arquitetura tão relevante como o Museu Guggenhein na renovação da cidade, estarão no centro da sua apresentação.

Todas as sessões da conferência ‘Grand Projects - Urban Legacies of the Late 20th Century’ serão transmitidas online.

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