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Os 620 milhões e o 'EU Nextgeneration' não chegam para renovar o parque habitacional português

21 de maio de 2021

Cátia Alves, recém nomeada Directora de Sustentabilidade e Responsabilidade Corporativa da UCI, admite que nem os 620 milhões do PPR, nem o  'EU Nextgeneration' são suficientes para renovar o parque habitacional português, só a colaboração público-privada pode ajudar e admite que ser sustentável é ser rentável!

De lembrar que a UCI – União de Créditos Imobiliários, especialista em crédito habitação green e membro da Energy Efficient Mortgages Initiative, tornou-se a primeira instituição financeira na Península Ibérica a aderir às Etiquetas de Hipoteca com Eficiência Energética (EEML) ou Energy Efficient Mortgage Label, pela sua sigla em inglês.

Trata-se de um rótulo que certificará que o crédito habitação green e as soluções de financiamento sustentável da UCI cumprem os mais rigorosos critérios de cuidado ambiental. 

A responsável explicou ao Diário Imobiliário, que a implementação do EEML torna possível identificar e rastrear créditos verdes de forma mais transparente e, dessa forma, captar mais investimento privado em mercado, ou fora, para a melhoria da eficiência energética dos bens imobiliários e da construção sustentável.

Em que consistem as Etiquetas de Hipoteca com Eficiência Energética (EEML)?

A renovação até 2050 do parque imobiliário existente é um desafio importante e sem precedentes para a Europa. Neste contexto, a European Mortgage Federation, que representa as instituições financeiras europeias, lançou a Energy Efficient Mortages Label (EEML) no âmbito da Energy Efficient Mortgages Initiative (EEMI) como uma resposta concreta à necessidade urgente de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, uma vez que os edifícios são responsáveis por 40% do consumo de energia da UE. A EEML visa mobilizar os mercados de capitais e implementar as melhores práticas ESG (Environment, Sustainability and Governance) no sector financeiro, em apoio aos objetivos da Onda de Renovação e do Green Deal da Comissão Europeia.

A EEML é, por um lado, o reconhecimento de que uma instituição financeira se compromete com os princípios ESG, e, mais do que isso, que os pratica e integra no seu modelo de negócio, contribuindo para um impacto favorável na sociedade. No caso do crédito habitação esse impacto pode ser muito significativo já que através do mecanismo crédito podemos condicionar ou influenciar grandemente a opção que uma pessoa faz para adquirir um imóvel com um melhor desempenho energético. A par disso a implementação do EEML torna possível identificar e rastrear créditos verdes de forma mais transparente e, dessa forma, captar mais investimento privado em mercado, ou fora, para a melhoria da eficiência energética dos bens imobiliários e da construção sustentável. É um selo de qualidade claro e transparente para consumidores, mutuantes e investidores, que visa identificar hipotecas energeticamente eficientes nas carteiras de crédito das instituições de crédito.

Fazendo uma analogia com uma outra indústria, a do papel, o selo EEML é como um selo FSC, mas ao contrário, no sentido que o selo FSC certifica a origem da matéria-prima que deu origem ao papel enquanto o selo EEML certifica que os fundos financeiros de uma instituição de crédito estão ou serão aplicados em imóveis que contribuem para a redução da pegada carbónica.

Como funciona o Crédito Habitação Green?

O crédito habitação green é uma solução em que a UCI é pioneira em Portugal. Desde 2018 que fazemos parte da EEMI, um projecto pioneiro a nível europeu que reuniu mais de 50 entidades com o objetivo de traçar as bases do crédito habitação green. O objetivo do crédito habitação green é contribuir para a renovação do parque habitacional, promovendo a melhoria da eficiência energética dos imóveis, seja criando condições para que casas com maiores níveis de eficiência energética sejam adquiridas e valorizadas pelos clientes, seja permitindo a melhoria da eficiência energética de casas com classificações energéticas mais baixas.

A primeira solução de crédito habitação green que lançámos permite o financiamento para a aquisição de imóveis novos com certificação energética A+, A e B ou de imóveis usados com certificação energética A+ e A, oferecendo condições especiais de financiamento nessas operações. Mas este ano estamos a alargar essa oferta ao crédito habitação aquisição+obras green, em que o foco está nas condições vantajosas de financiamento para compra de casa e realização de obras de melhoria que resultem numa melhoria em 30% da eficiência energética, dando assim um impulso à melhoria do perfil energético da casa, com uma consequente redução das emissões de carbono.

De que forma Portugal vai conseguir renovar o seu parque habitacional até 2050?

Como sabemos, a antiguidade e ineficiência de muitos dos edifícios que compõem o parque habitacional português apresenta-se como um grande desafio que poderá ter graves repercussões sociais e económicas. De acordo com o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) – Recuperar Portugal 2021-2026, o Governo canalizará 620 milhões para tornar os edifícios portugueses mais eficientes do ponto de vista energético. Ora, tendo em conta quase dois terços do parque nacional de edifícios foi construído antes da introdução, em 1990, de requisitos de eficiência energética para edifícios novos (o que se reflete, em muitos casos, em situações de pobreza energética com impacto no conforto térmico e na saúde dos ocupantes), constatamos que com esta ajuda e mesmo com o apoio do programa 'EU Nextgeneration', não será suficiente para Portugal alcançar os objetivos de renovação a que se propõe.

Existem inúmeras iniciativas e exemplos de boas práticas que visam ajudar a avaliar corretamente os riscos e benefícios associados aos investimentos em eficiência energética e, desta forma, criar confiança nos promotores de projetos e instituições financeiras. Posso citar algumas como o agrupamento para reabilitação de empreendimentos habitacionais multifamiliares, edifícios públicos, municípios ou serviços para atingir massa crítica e recuperar o investimento através das poupanças obtidas; o estabelecimento de uma classificação energética mínima para imóveis em arrendamento, habitação social e escritórios; a bonificação nas faturas energia a famílias com baixos rendimentos que façam melhorias com impacto na eficiência energética; a amortização da reabilitação/renovação por meio de tributação ou da fatura de energia; a conjugação do financiamento privado e dos subsídios/ajudas para assistência técnica e fundos de eficiência energética (FNEE) e, ainda, a criação de balcões únicos (o conceito 'one-stop-shop') para aconselhamento sobre reabilitação/renovação e financiamento para criar a devida consciência neste tipo de matéria.

Como a UCI pode ajudar neste processo?

A UCI é a entidade financeira de referência no crédito habitação porque não só nos dedicamos exclusivamente a essa solução em Portugal há mais de 20 anos, como temos um modelo que se distancia da banca tradicional, sem pedirmos ao cliente para abrir uma nova conta e domiciliarem o ordenado, por exemplo. Acompanhamos os clientes de perto, no terreno, o que nos dá a oportunidade de conhecer bem a realidade do mercado e de poder aconselhar devidamente os clientes sobre múltiplos aspetos que a compra de casa envolve, muito além do crédito habitação que venha a contratar, e nesse aspeto a questão dos consumos energéticos assume uma especial dimensão.

Além do aconselhamento que prestamos, alertando para as mais valias da eficiência energética, a outra forma que temos para apoiar as famílias a optar por habitações energeticamente mais eficientes, e por essa via contribuir para a renovação do parque habitacional, é criando condições mais favoráveis de financiamento para quem fizer essa opção. Podemos, por exemplo, dizer que na globalidade dos imóveis que financiámos em 2020 em Portugal mais de 15% tinham elevada eficiência energética (classificação energética A e B), com particular incidência em Lisboa, Porto e Almada.

A renovação sustentável de edifícios, melhorando a sua eficiência energética e desempenho ambiental é uma das prioridades do Governo. Como vê esta questão? 

Sem dúvida que é uma questão extremamente necessária, sobretudo numa época de recuperação económica como a que vivemos atualmente. É evidente que a transição para uma economia de baixo carbono é a chave para um melhor futuro. Um futuro que se quer mais sustentável e solidário, economicamente robusto e socialmente coeso. E esta é uma realidade que depende, sem dúvida, de uma ação coletiva e concertada. Também não nos podemos esquecer que, segundo dados divulgados recentemente pelo Eurostat, 19% dos portugueses estão em situação de pobreza energética, isto é, têm dificuldades financeiras para que a sua habitação tenha temperaturas adequadas no inverno. Neste sentido, a renovação sustentável de edifícios, melhorando a sua eficiência energética, para além de proporcionar uma solução a este problema tão profundo, traz igualmente múltiplos benefícios sociais associados à criação de empregos a tempo completo em vários setores da economia. Por isso, esta definição de prioridades na agenda política portuguesa, em harmonia com os objetivos do Pacto Verde Europeu, é mais que bem-vinda!

De que forma o financiamento será eficaz nessa tarefa e como as instituições financeiras se preparam para este tema?

Como referi anteriormente, consideramos a colaboração público-privada fundamental para se chegar a bom porto. Isto é, a criação de valiosas parcerias com órgãos de poder nacionais e locais, acordos entre empresas privadas, como por exemplo, empresas energéticas e bancos, empresas de construção e entidades financeiras, etc. Estas últimas ocupam igualmente um papel crucial para colmatar a falta de fundos próprios por parte dos cidadãos. Se pensarmos no que pode unir empresas, consumidores e instituições financeiras na luta pela sustentabilidade ambiental, vemos que a chave que une os dois lados está num produto financeiro cada vez mais presente, ou seja, os créditos verdes que tendem a ter taxas de juros mais baixas do que as linhas de crédito tradicionais (em virtude, claro, de um propósito socialmente maior). Este tipo de produto é cada vez mais eficaz na sua função, mais que não seja pelos controlos impostos de forma a determinar e monitorizar se os mesmos se destinam efetivamente a projetos verdes regidos por princípios de sustentabilidade ambiental.

Acredito que o futuro dos créditos/empréstimos verdes é muito positivo e que o mercado vai crescer nos próximos anos, pelo menos o suficiente para ser tão grande quanto o dos títulos verdes. E é precisamente isto que se pretende - um setor financeiro responsável e pronto a contribuir para um mundo melhor, tornando os mercados mais sustentáveis e proporcionando retornos a longo prazo.  Afinal, ser sustentável é ser rentável!