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Ana Pinho garante: "Hoje, vale a pena investir no arrendamento a custos acessíveis em Portugal"

27 de fevereiro de 2020

Depois da criação da Nova Geração de Políticas de Habitação, o Governo está empenhado em implementar medidas para combater os problemas que os portuguesas enfrentam no acesso à habitação. Ana Pinho, secretária de Estado da Habitação, em entrevista ao Diário Imobiliário revela que estão a ser bem sucedidos os programas lançados na última legislatura e nesta. Neste momento, a secretaria de Estado está focada na implementação e divulgação dos novos instrumentos, mas Ana Pinho avança alguns números positivos, quanto ao arrendamento acessível. 145 contratos submetidos, 476 alojamentos e 7.623 candidaturas registadas. Em média são inscritos 4,1 alojamentos e 1,3 contratos a cada 2 dias.  12% dos contratos submetidos têm rendas inferiores a 300 euros e 54% inferiores a 500 euros.

Com a dificuldade dos portugueses em comprar casa o Governo sentiu-se pressionado a tomar medidas?

Há mais de uma década que não existia uma secretaria de Estado da Habitação, até à legislatura anterior. O renascimento de uma nova secretaria de Estado orientada somente para as temáticas da habitação, é obviamente o reflexo da preocupação e a prioridade que o Governo anterior quis dar a este tema. Nesse âmbito,  quando a secretaria de Estado foi criada deparámo-nos com um vazio de políticas de habitação.

Existiu um grande impulso às políticas de habitação no pós 25 de Abril mas a partir dos anos 90 o que existiu foi um esvaziamento dos programas que existiam. A secretaria de Estado desapareceu e considerou-se que o mercado resolveria o problema. E hoje, como é claro para todos, isso não aconteceu.

A habitação é um direito fundamental que tem de ser garantido a todos, sem habitação não temos acesso à educação, à saúde, à cultura, à igualdade e a nenhum dos outros direitos fundamentais, por isso a habitação é, de facto, um direito que tem de ser garantido a todos. Daí que foi criada a secretaria de Estado, a nova geração de políticas de habitação, que incluía mais de 20 instrumentos, com vista a dar uma resposta premente. Neste momento, estamos em fase de implementação da maior parte delas. Tivemos de os criar de raiz.

Foi aprovada a primeira lei de bases da habitação há menos de 1 ano e encontramo-nos agora a tratar de a regulamentar. Tudo isto com vista a caminharmos no sentido inverso ao que havia quando assumimos estas funções, que era o esvaziar, alienar a oferta pública de habitação.

Actualmente, estamos a criar novos instrumentos não só para Lisboa e Porto, como para todo o país, adequados a todas as realidades. Por um lado, a um forte aumento da oferta pública de habitação e não estamos só a falar para os mais carenciados mas também de oferta pública de habitação para a classe média, com rendas acessíveis, com uma forte aposta no arrendamento e na reabilitação. Para complementar, precisamos de facto de uma escala muito forte de incentivos ao sector privado, para que os investidores possam voluntariamente por via do incentivo começar a praticar rendas mais baixas em alojamentos adequados, de forma a dar resposta à larga maioria dos portugueses, seja em Lisboa ou no interior, em qualquer área do território nacional.

De facto, agravou-se a dificuldade de ter uma casa em Portugal, sobretudo para a classe média devido à especulação imobiliária…

As pessoas com menos rendimentos também. Esses começaram foi mais cedo. Nós queremos de facto, pela primeira vez em Portugal criar um parque público orientado para o arrendamento acessível para a classe média mas não esquecendo que este é também, um Governo que assumiu como objectivo erradicar as situações habitacionais indignas até aos 50 anos do 25 de Abril. Ou seja, não deixar ninguém para trás. Isso é um propósito que temos. Actuar nas duas frentes, alargando o universo dos beneficiários da política pública de habitação, por parte da oferta mas nunca esquecendo que os mais desfavorecidos permanecem, que são aqueles que precisam eventualmente de um apoio até mais forte por parte das políticas públicas.

Relativamente ao Direito Real de Habitação Duradoura de que forma vai incentivar os proprietários e quem necessita de uma casa?

O Direito Real de Habitação Duradoura (DRHD) não é arrendamento, é um direito real menor e que tem várias vantagens, porque visa dar resposta aos proprietários que queiram adoptar necessidades de estabilidade mas também de mobilidade, criando para os proprietários uma capitalização extra, mais recursos para reinvestir. O DRHD não está relacionado com o arrendamento, não temos nenhum comentário que tenha causado receio, pelo contrário, temos recebido vários intervenientes do sector interessados em explorar este instrumento, como uma via alternativa à compra de casa, à promoção para venda e também ao arrendamento.

E quanto ao arrendamento, o que propõe o Governo?

Quanto ao arrendamento, este Governo desde sempre apostou e manteve na sua linha política de reequilibrar a legislação no sector, que estava desequilibrada, não garantindo uma igualdade de protecção a arrendatários e proprietários mas acima de tudo, apostar num conjunto largo de incentivos, para que voluntariamente os agentes do sector vejam que têm vantagem em colocar as suas habitações em arrendamento acessível. Não conheço outro programa nacional cuja contrapartida seja a isenção da tributação sobre os rendimentos. Neste momento, vale a pena investir no arrendamento a custos acessíveis em Portugal.

Temos a isenção de tributação sobre os rendimentos e seguros de renda, que não têm qualquer acesso a eles nas mesmas condições fora deste programa. A seguradora que já colocou no mercado o seguro de renda para proprietários,  é 1,3% da renda, com condições muito melhores do que qualquer outra oferta que existia no mercado. Ou seja, têm mais segurança, maior rentabilidade e esta é a via que nós estamos a trilhar.

Temos também a portaria da habitação a custos controlados. O acesso a 6% de IVA seja em reabilitação ou em construção nova para quem queira promover habitação para arrendamento acessível ou para venda a preços acessíveis.

Qual tem sido o feedback relativamente aos programas já em vigor?

Com o Direito Real de Habitação Duradoura (DRHD) temos tido um feedback muito positivo e há interesse do mercado. É um instrumento novo, tem menos de um mês e é um direito real novo, temos agora de explicar e divulgar. Trata-se de um instrumento que se adequa muito à promoção, no entanto,  fazer investimento para colocar habitação no mercado, implica algum tempo - projecto e obra -, por isso, para ter uma avaliação do potencial e interesse do DRHA no sentido da adesão deste instrumento, só poderemos fazer a médio prazo. Primeiro temos de dar a conhecer, explicar de que seja feito o investimento e que esteja no terreno.

Relativamente ao programa de arrendamento acessível, está a ter boa adesão neste momento. Temos cerca de 400 imóveis integrados no programa mas faltava os outros dois pilares que eram essenciais para que este programa chegasse de facto ao terreno. Um deles, era estarem prontos os seguros, o que aconteceu em meados deste mês.  Estes seguros estão com uma vantagem significativa face ao que é o funcionamento fora deste programa. Um senhorio tem acesso a um seguro onde paga 1,3% da renda, os que estão no mercado pagam 5% e 6%, uma vantagem adicional muito importante e a seguradora começa a pagar a partir do momento em que existe incumprimento. Os que haviam no mercado, na sua maioria, só depois de todo o processo ter terminado é que dava uma indemnização ao proprietário. No âmbito do arrendamento acessível não é assim. É muito mais barato.

E para as famílias temos a mesma segurança, porque estão com acesso a um seguro que nunca existiu no mercado nacional. No mercado de arrendamento, se alguém tivesse alguma vicissitude, se morria alguém, se ficasse sem trabalho, ou qualquer situação trágica de quebra de rendimento, tinha logo uma crise de habitação, ficava com dificuldade de pagar renda e passava para processo de incumprimento e processo no tribunal. O seguro que criámos, e que agora está a funcionar no programa de arrendamento acessível, permite às famílias que entram no programa terem um seguro que se depararem com uma das situações referidas, cobre-lhes uma parte da renda, de modo a garantir que pelo menos a parte da habitação não seja um problema extra, permitindo um tempo para a família se reestruturar.

Mas existe outro pilar que era muito importante. Hoje, um proprietário não sabe encontrar um arrendatário assim como um potencial arrendatário não sabe como procurar uma casa no âmbito do programa. É muito importante estabelecer esse encontro entre a procura e a oferta através das plataformas informáticas e por essa via, para quem coloca um alojamento no mercado e para quem procura, saberem que há um programa de arrendamento acessível pelo qual se pode fazer busca ou para o qual se pode anunciar. Isso vai aumentar a divulgação do programa. Assim, criámos um protocolo com os agentes de mediação para que esse encontro seja possível.

Também assinámos um protocolo de cooperação para iniciar formação profissional certificada a mediadores imobiliários, porque são quem estão no terreno e que podem explicar aos clientes que existe este programa alternativo e até os podem apoiar na candidatura ao programa.

Quantos fogos estão previstos para arrendamento acessível?

Temos um número de fogos para arrendamento acessível com o compromisso do Governo para um parque público de arrendamento acessível que tem como objectivo de 10 mil fogos até ao fim da legislatura. Quanto à participação voluntária, vai crescendo à medida que os proprietários vão aderindo. Até ao momento, temos 145 contratos submetidos, 476 alojamentos e 7.623 candidaturas registadas. Em média são inscritos 4,1 alojamentos e 1,3 contratos a cada 2 dias.  12% dos contratos submetidos têm rendas inferiores a 300 euros e 54% inferiores a 500 euros. De acordo com os dados disponíveis cada proprietário inscreve em média 1,3 alojamentos. Estes números vão sendo progressivos.

Temos problemas de habitação muito graves que não estão circunscritos apenas a Lisboa e Porto. Uma falta de oferta no Algarve por exemplo. Temos o Funchal com preços elevados também. Assim como outros municípios que podem não ser pelos preços mas por falta de oferta, porque aí ainda não há o investimento para reabilitação, daí continuarmos com o incentivo à reabilitação para este fim. Sendo que Lisboa e Porto podem ser aquelas mediáticas e que chocam mais a nível de preços, não é de todo circunscrito a estas cidades os problemas graves que o país tem na habitação.

Os números de que fala sobre o arrendamento acessível estão circunscritos a Lisboa ou também abrangem outras regiões?

O sector do arrendamento em si em Portugal é muito concentrado nas cidades de Lisboa e Porto. Se a maioria dos imóveis para arrendar estão nestas duas cidades é natural que este sistema de alojamento seja mais predominante nestas cidades. Seria estranho é que o programa não tivesse também mais predominância nestas cidades.

Quais os próximos programas a serem lançados?

Estamos empenhados na implementação dos programas, ou seja no acelerar, no facilitar ao máximo que chegue ao terreno o 1º Direito, arrendamento acessível, no avanço da oferta pública por via do Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado por via do próprio IHRU – Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana, no âmbito do programa de Almada Poente e temos previsto lançar a curto prazo, a Bolsa Nacional para Arrendamento Acessível.

Quais as principais exigências do mercado e de que forma o Governo vai intervir?

Dar resposta às populações mais carenciadas, dar resposta à falta de habitação da classe média e garantir que do ponto de vista do sector privado, darmos garantias que aderindo aos nossos programas as condições se mantêm. Os promotores estão a ver com muitos bons olhos o programa de arrendamento acessível, temos de continuar a divulgá-lo, fazer com que eles também tenham acesso. Já vêem as mudanças, como por exemplo a portaria que saiu, onde coloca o IVA a 6%. Estamos a fazer esse trabalho de divulgação.

Temos tido também um feedback muitíssimo bom do Direito Real de Habitação Duradoura. Mas como é um instrumento novo, é altura de o estudarem e depois verem se vão apostar ou não.

Já fizemos dezenas de sessões de formação aos agentes do sector, seja associações, promotores, mediação imobiliária. Estamos inclusive a pensar fazer um Guia Fiscal com articulação com a área governativa dos assuntos fiscais para facilitar a informação. Nós construímos um número alargado de medidas a uma grande velocidade mas necessitamos agora que as pessoas conheçam. Que saibam que já estão a vigor, já existem, como as podem articular e fazer, bem como os municípios. Estamos a continuar o trabalho que já vinha da legislatura anterior, de explicar o que existe, como funciona, como facilitar o acesso aos instrumentos. Os instrumentos foram criados legislativamente mas depois têm de se tornar realidade e é esse o grande desafio deste momento, de tornar realidade com a rapidez possível.

Existem números reais de quantas pessoas efectivamente necessitam de habitação em Portugal?

Existem vários números. O IHRU tem uma lista de pedidos de apoio à habitação. Grande parte destes pedidos não são da classe média. Normalmente quem se dirige ao município ou ao IHRU são as pessoas mais carenciadas mas também muitos têm consciência que existindo tão pouca oferta nunca vão conseguir alcançar uma habitação, daí que os números serão sempre maiores do que os que existem. O levantamento nacional das necessidades de realojamento habitacional nacional terminado em 2018, identificou 26 mil famílias mas digo que estas são as mais carenciadas. Mas neste momento quem está com dificuldade no acesso à habitação é um universo muito mais alargado.

Mas neste momento são os jovens que estão a enfrentar grandes dificuldades em conseguir casa…

O DRHD tem muitas vantagens e é essencialmente para ser uma alternativa. Em Portugal quase toda a gente compra uma casa, isso levou a problemas que todos conhecemos, aos quais somam em endividamento das famílias, com as suas poupanças estarem totalmente cristalizadas na habitação e uma dificuldade grande quando o seu trajecto de vida muda. Porque hoje, os trajectos de vida mudam muito depressa. Isto é também uma razão pela qual a maior causa de incumprimento de pagamento de hipotecas seja o divórcio e não os baixos rendimentos.

O que o DRHD vem propôr? Que uma família jovem, por exemplo, possa investir à cabeça o mesmo que teria dar para comprar uma casa, entre 10% e 20% do valor do imóvel, fique depois a pagar uma prestação mensal que acorda com o proprietário mas não fica como arrendatário e sim com o direito de usar a casa como sua até ao fim da sua vida, sendo que o morador pode sair em qualquer altura, ou porque arranjou emprego noutra cidade ou se divorciou. O proprietário é que não pode denunciar o contrato. Se sair nos primeiros dez anos, traz de volta a entrada que deu, inteira, e pode aplicar noutra solução habitacional. Se sair a partir do 10º ano vai perdendo 5% dessa entrada inicial. Só passado 30 anos é que de facto, investiu o valor todo e tem uma estabilidade como se a casa fosse sua.  O que comprou não foi o direito de propriedade mas o direito de usufruir da casa, a um preço muito mais baixo, ou seja, pelo valor que daria pela entrada. Nunca ficando numa situação de endividamento grave.

Atendendo à mentalidade dos portugueses enquanto proprietário acredita que estarão receptivos a estas mudanças?

Não existe o investidor, existem vários investidores. Este tipo de instrumento será pouco atractivo para quem tem uma casa que queira uma rentabilidade, que pense voltar a habitá-la, ou deixá-a aos filhos. Não é para esse investidor, esse deve manter o arrendamento e tem a possibilidade de aderir ao programa de arrendamento acessível, que pode ser mais  atractivo e para um período de cinco anos.

Este é um instrumento para quem queira que a rentabilidade do imóvel seja a sua área de actividade. O imóvel é para estar a render a médio e longo prazo e é um rendimento altamente seguro.

Os fundo de pensões ou as seguradoras, aqueles que mais apoiam o arrendamento a longo prazo, não surgiram apenas agora. O perfil do investidor que aposta no imobiliário seguro de médio e longo prazo sempre existiu. O DRHD para este perfil de investidor tem imensas vantagens.

Considera que as mudanças no programa de vistos gold pode influenciar o investimento em Portugal?

Não tenho uma bola de cristal, sou investigadora de profissão e tenho alguma relutância em dar opiniões que não sejam suportadas em dados mas posso dar esperança para aquilo que estamos a trabalhar. E estamos a trabalhar para que continue não só a existir investimento em Portugal, como para que esse investimento seja feito essencialmente em habitação a custos acessíveis, em qualquer dos regimes de ocupação que ela seja, sobretudo com grande predominância a arrendamento acessível. Espero que possamos contribuir para que isso aconteça, estamos a trabalhar nesse sentido e apelo a todas as pessoas que querem investir que se informem do que já foi aprovado e como podem utilizar os instrumentos existentes, porque acreditamos mesmo,  que hoje vale a pena investir em arrendamento em Portugal.