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Opinião

 

O Ensino da Ciência e Engenharia Civil em Portugal

30 de agosto de 2021

A oferta da Engenharia e Construção portuguesa é reconhecida ao nível global, por vários motivos, destacando-se a qualidade do ensino em Portugal, não obstante a ampla margem de melhoria. De facto, a educação determina o desenvolvimento de um país, ao ensinar a ciência e tecnologia que existe e ao preparar para a que ainda não existe, pelo que deve ser atendida com o máximo de zelo.

O ensino superior baseia-se em universidades e politécnicos, que, segundo a lei, são subsistemas com vocações diferentes, integrados na rede pública ou privada. Contudo, na realidade, a diferenciação de objetivos entre os subsistemas universitários e politécnicos é ténue e nem sempre consensual, havendo uma larga oferta formativa de caráter semelhante, em parte devido à autonomia, constitucionalmente definida, das Instituições de Ensino Superior e à falta de regulação da parte do governo, ao abrigo de uma estratégia nacional coerente. Em casos análogos, os alunos tendem a preferir as universidades aos politécnicos, começando pelas de maior prestígio.

Após o 25 de Abril, com a democratização do ensino e consequente aumento da procura, houve uma forte expansão do sistema de ensino superior, criando numerus clausus para gerir os acessos, implementando uma rede de politécnicos, e abrindo a iniciativa ao setor privado. Experienciou-se assim um crescimento exponencial até aos anos 90, mas de forma desordenada e desregulada, com foco na quantidade e não na qualidade, tendo-se passado de 40 para 400 mil alunos. À data de hoje, estamos perante um quadro de estagnação.

A “Reforma de Bolonha”, impulsionada em Portugal pelo Decreto-Lei nº 74/2006, embora com o excelente propósito de promover a competitividade das escolas e a mobilidade e empregabilidade dos estudantes e profissionais no espaço europeu por meio de reconhecimento mútuo, não tem sido totalmente bem sucedida, verificando-se na atualidade uma mobilidade incipiente, um modelo de transmissão de conhecimentos ao invés de transmissão de competências, e um número significativo de cursos idênticos, irrelevantes ou mal estruturados, sem procura e sem saídas profissionais. Este panorama deve-se a questões culturais e políticas, incluindo a falta de participação ativa da comunidade académica, das associações profissionais e dos empregadores, no sentido de contribuir para um ensino mais centrado no estudante, para a definição mais precisa dos objetivos da aprendizagem, e para a inovação pedagógica.

Enquanto que a racionalização, acreditação e regulação da oferta educativa se assumem como aspetos fundamentais para assegurar a qualidade do ensino, não de somenos importância é a consolidação da rede, onde se tem verificado a proliferação de universidades e politécnicos ao sabor da pressão social e de interesses políticos, principalmente em regiões de baixa pressão demográfica, não obstante a necessidade de inclusão territorial. Regra geral, quanto maior o número de instituições, maior a dificuldade em garantir o apoio financeiro adequado, o que impacta no nível de qualidade, sustentabilidade e competitividade do ensino e da investigação. Para dificultar, a dotação do Orçamento de Estado no Ensino Superior tem vindo a diminuir nos últimos 10 anos, pondo em sério risco várias instituições. Não sendo possível definir o tamanho ideal para a rede do ensino superior, a estratégia deverá ser definida em função das necessidades da região e do país e das melhores condições para os professores e alunos.

A percentagem de alunos que frequenta o ensino superior em Portugal, comparada com a média comunitária e com as nossas necessidades e objetivos de recursos humanos qualificados, é ainda reduzida. Todos os anos, mais de metade dos jovens não acede ao ensino superior, correspondendo ao dobro da média europeia, e, entre os 25 e 64 anos, apenas 6% dos portugueses têm uma licenciatura. De entre os motivos destacam-se a escassez de oferta formativa de cursos técnicos superiores profissionais, os custos diretos (e.g. propinas, matrículas, computadores, material, livros e fotocópias) e indiretos (e.g. alojamento, telemóvel, comida e despesas médicas, transportes e despesas pessoais), os critérios de admissão e a empregabilidade.

A crescente complexidade dos projetos, a necessidade de interação multidisciplinar e a evolução tecnológica apontam para um futuro mais integrado e colaborativo na aprendizagem, ligando o ensino da ciência e engenharia a fronteiras da ética, do direito e da economia. Tal requer um ensino eficiente, modular e diverso, orientado para a adaptação e agilidade, iniciativa e inovação, onde as tecnologias digitais, as soft skills e a cooperação universidades-empresas assumem um papel preponderante - particularmente para as Engenharias, por tradição mais focadas nas hard skills, os currículos académicos deverão também garantir habilitações em comportamentos e conhecimentos em áreas de línguas e ciências sociais.

As escolas serão assim, tendencialmente, espaços para o desenvolvimento do pensamento analítico e da capacidade de aprendizagem e para a partilha de experiências, ao invés de meros locais para a transmissão passiva de conhecimentos, fazendo assim face à rápida evolução das necessidades do mercado. Para tal é imprescindível a mudança de mentalidade e práticas de todas as partes interessadas, principalmente de Professores e Estudantes. No final, o sucesso deste novo paradigma medir-se-á tanto pelo talento que gera como pelo talento que não desperdiça para enfrentar um mundo cada vez mais VUCA (Volatile, Uncertain, Complex, Ambiguous).

Em suma, o ensino superior em Portugal requer uma revisão profunda, que nasce da necessidade do ensino de massas, com quereres e capacidades variáveis, e de promover a ligação à sociedade. É assim imperativo reorganizar a rede de instituições e a oferta formativa de modo articulado e racionalizado, atendendo às necessidades atuais e futuras, independentemente de interesses políticos. O futuro passa incontornavelmente pela educação, destacando-se o ensino da Engenharia Civil pela sua importância no desenvolvimento económico e social do nosso país.

Bruno de Carvalho Matos

 

Engenheiro Civil Sénior MRICS PMP MSc e MBA pela Católica | Nova

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico